Conversas mostram promessas de empresário expulso de padaria em SP e suspeito de fraude milionária com criptomoedas

Supostas vítimas de esquema relatam que não conseguem movimentar contas dos ativos digitais. O empresário Alan Deivid de Barros foi preso pela Polícia Federal em Curitiba em 27 de fevereiro. Ele ‘refuta categoricamente’ a acusação.

Quase um mês após ser expulso de uma padaria na Grande São Paulo, o empresário Alan Deivid de Barros foi preso pela Polícia Federal em 27 de fevereiro por suspeita de integrar uma associação criminosa que praticava fraudes financeiras por meio de criptomoedas e NFTs (Tokens Não-Fungíveis).

Conversas e vídeos reunidos por pessoas que se dizem vítimas do esquema mostram promessas feitas pelo empresário e o uso da imagem de marcas e pessoas famosas para dar credibilidade aos produtos oferecidos, como forma de convencer o público a investir.

Segundo a investigação, os golpes partiam da mesma premissa: oferta de uma criptomoeda desenvolvida por eles mesmos e que prometia lucros acima do mercado a partir de parcerias com empresas.

Por nota, a defesa de Alan “refutou categoricamente” a acusação, classificou a prisão preventiva do cliente como “desproporcional” e afirmou que “até o momento, somente um número ínfimo dessas supostas vítimas efetuou denúncias formalmente, sendo a maior parte destas ex-colaboradores e concorrentes no setor empresarial” (leia a íntegra do comunicado mais abaixo).

Nesta reportagem você encontrará:

Abordagem
Relatos de vítimas
A investigação
Quem é o empresário
O que diz a defesa
Abordagem
“É isso meus amigos, enquanto alguns querem vender, Jason Derulo quer conhecer […] Enquanto a mentalidade de rico tá aqui, querendo conhecer, contribuir com o projeto, a mentalidade de pobre tá lá, muitas das vezes, se desfazendo dos seus tokens tão valiosos”, disse Alan Barros em um vídeo enviado ao grupo de investidores no Telegram ao qual o g1 teve acesso.

Nas imagens, um celular com o Instagram aberto mostra uma mensagem privada do cantor norte-americano Jason Derulo, enviada para a conta da DriveCrypto, criptomoeda lançada pela empresa de Alan. Nela, o artista dizia que gostou do projeto, tinha muitas ideias boas e gostaria de conversar sobre.

O g1 entrou em contato com a equipe do cantor para confirmar o envio da mensagem, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Em outro vídeo, o empresário aparece em frente a uma loja de carros para contar que o estabelecimento em questão passaria a aceitar criptomoedas de sua empresa como forma de pagamento na compra de automóveis.

Por áudio no WhatsApp, Alan disse a uma das supostas vítimas que um grupo estrangeiro estaria interessado em investir US$ 200 mil em suas criptomoedas.

Relatos de vítimas
O g1 conversou com algumas vítimas para entender como ocorriam as fraudes investigadas. Elas concordaram em falar sob a condição de terem suas identidades preservadas.

Segundo um paranaense de 43 anos, o grande diferencial de Alan era seu “poder de convencimento”.

Assim como outras vítimas do esquema criminoso, o rapaz de Londrina investiu pela primeira vez em criptomoedas no ano de 2022, na chamada “DriveCrypto”. Naquela mesma época, também se tornou franquiado no “DriveTryp”, um aplicativo de transporte que prometia valorizar a moeda virtual mencionada conforme os motoristas parceiros o utilizassem.

O fator comum entre a moeda virtual e o aplicativo é que ambos pertencem à Uni-metaverso, startup fundada e administrada por Alan Barros.

“Eu tenho quase R$ 10 milhões de ‘tokens’ (ativos digitais, algo como títulos financeiros) lá que estão trancados. Eu não posso fazer nada com eles, não tenho acesso a eles, não consigo movimentar, vender, não consigo fazer nada”, contou. Ao todo foram cerca de R$ 36,7 mil investidos.

Uma situação semelhante foi relata por um tatuador de Taubaté, no interior de São Paulo. Ele também fez seu primeiro investimento em criptomoedas com a empresa de Alan, uma quantia em torno de R$ 10 mil. Para isso, pegou dinheiro emprestado com parentes e utilizou cartões de crédito.

Sem conseguir sacar os valores investidos em criptomoeda no Web3Bank, também da Uni-metaverso, o tatuador se endividou e precisou fechar o estúdio que tinha há 12 anos e onde trabalhava.

“Isso afetou muito o meu psicológico. Acreditar numa coisa e de repente descobrir que você caiu num golpe, que aquele dinheiro você perdeu, isso me afetou bastante em relação ao meu trabalho, porque é uma coisa que eu tenho que sentar, desenvolver a arte, pensar, criar. Então, com a cabeça cheia, não consigo pensar”, contou o artista.

De acordo com o rapaz, o empresário teria o costume de mencionar Deus nas lives que fazia com os investidores, afirmando que esse estaria abrindo caminhos nas vidas de todos os participantes.

O tatuador disse ainda que, quando questionados ou contrariados, Alan e sua equipe bloqueavam pessoas no grupo no Telegram, por onde se comunicavam com os investidores e franquiados. O grupo em questão ainda está ativo e chegou a ter mais de 29,9 mil participantes.

A investigação
Na última terça-feira (27), a Polícia Federal realizou uma operação de combate a fraudes financeiras relacionadas à venda de criptomoedas e NFTs (Tokens Não-Fungíveis) nos estados do Paraná e Santa Catarina, no Sul do país.

De acordo com a PF, a organização criminosa investigada desenvolveu diversos projetos interligados — uma criptomoeda, uma carteira digital, um aplicativo de transportes. As vítimas eram seduzidas por promessas de lucro alto e de supostos benefícios ofertados, mas acabavam sem conseguir movimentar os valores investidos.

As investigações tiveram início em maio de 2023, quando os investidores começaram a denunciar o suposto esquema de pirâmide. Após coletar evidências e depoimentos, a polícia encaminhou um relatório ao poder Judiciário, que entendeu haver provas suficientes para pedir a prisão de duas pessoas envolvidas.

Foram cumpridos dois mandados de prisão e seis mandados de busca e apreensão, nos municípios de Itajaí, Balneário Camboriú, Curitiba e Londrina. Também foram bloqueadas as contas bancárias de cinco pessoas e três empresas.

Segundo a Polícia Federal, já foi comprovada a participação de quatro pessoas no esquema, uma delas o empresário Alan Barros, que em janeiro foi expulso de uma padaria em Barueri, na Grande São Paulo.

De acordo com a PF, os integrantes do grupo responderão pela prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

O caso segue sob investigação e a polícia apura se os demais envolvidos no projeto também tiveram parte no esquema de fraude.

Quem é o empresário

Alan Deivid de Barros, conhecido nas redes sociais como Allan Barros, é um empresário paranaense de 32 anos. Nas redes sociais, ele exibe uma vida de luxo, com carros esportivos, roupas de grife e diversas viagens pelo mundo.

Em outubro de 2022, ele conseguiu um visto de residência temporária para morar nos Emirados Árabes Unidos.

Segundo Jack Severnini, companheira e mãe da filha de Alan, a viagem teria sido motivada por negócios. “Dubai é um lugar que é muito bom para fazer business, para criar relacionamentos, networking, só tem que tomar cuidado porque é muita gente pilantra”, respondeu a uma seguidora nas redes sociais.

No visto, Alan aparece como sócio de uma empresa chamada Meta Shield Information Technology L.L.C, tendo 15% das ações — o restante pertencia a um homem angolano.

O negócio tinha licença para operar nos Emirados Árabes por um ano, emitida em 2022 pelo departamento de Economia e Turismo de Dubai. Já o visto, tinha validade até outubro de 2024.

Em dezembro do último ano, após viajar para as Maldivas e o Reino Unido, Alan retornou ao Brasil com a família, se instalando em Curitiba, no Paraná. Segundo ele, para expandir os negócios.

Foi em uma viagem a São Paulo que o empresário se envolveu numa confusão em uma padaria de Barueri, na região metropolitana. Em depoimento à polícia, as pessoas que o acompanhavam relataram que, no momento do ocorrido, Alan apresentava aos colegas projetos que pretendia desenvolver.

A polícia concluiu o inquérito e o encaminhou para a Justiça.

O que diz a defesa

Procurado pelo g1, o advogado que representa Alan Barros enviou a nota a seguir.

A defesa de Alan Deivid de Barros e da empresa Unimetaverso Gestão de Ativos Digitais e Marketing LTDA., representada pelo Dr. Leonardo Bueno Dechatnik, vem a público esclarecer informações a respeito da Operação Fast, na qual nosso cliente é investigado.

Desde o início das investigações, temos mantido uma postura colaborativa com as autoridades, buscando esclarecer os fatos da forma mais transparente e eficaz possível. É importante salientar que o processo corre em segredo de justiça, o que nos impede de divulgar detalhes específicos sobre o caso neste momento. No entanto, é do interesse de nosso cliente que a verdade seja plenamente esclarecida.

Refutamos categoricamente a alegação de que nosso cliente tenha subtraído a quantia de R$ 100.000.000,00 ou que tenha prejudicado entre 5 a 22 mil pessoas. Esses números, mencionados no relatório policial, são baseados em suposições da autoridade policial, sem comprovação efetiva. Até o momento, somente um número ínfimo dessas supostas vítimas efetuou denúncias formalmente, sendo a maior parte destas ex-colaboradores e concorrentes no setor empresarial.

Nosso cliente e sua empresa nunca foram objeto de processos por parte de investidores. Ademais, no relatório policial, identifica-se o caso de um indivíduo que se passou por vítima, mas que cometeu furtos de ativos virtuais da empresa e admitiu ter hackeado a plataforma. Sua confissão foi devidamente documentada em ata notarial, que foi anexada ao Boletim de Ocorrência e à notícia-crime, apresentada à delegacia de crimes cibernéticos de Curitiba.

Quanto à alegação de que os recursos subtraídos alcançam a cifra de R$ 100.000.000,00, é questionável a metodologia usada para chegar a tal conclusão, baseada em evidências frágeis como capturas de tela de conversas em aplicativos de mensagens e comentários não verificados.

Ressaltamos que a decisão de decretar prisão preventiva parece desproporcional, considerando que o caso não envolve violência ou grave ameaça, e que existem medidas cautelares mais adequadas para assegurar o andamento do processo. Alan Deivid de Barros, réu primário, profissional dedicado, não representa risco à sociedade.

A defesa está atuando de maneira criteriosa no acompanhamento da operação, e medidas judiciais estão sendo adotadas para corrigir o que consideramos ser uma arbitrariedade.

Estamos comprometidos em demonstrar a inocência de nosso cliente e esclarecer os fatos, sempre respeitando o processo legal e colaborando com as autoridades para a justa resolução deste caso.

MP pede afastamento de prefeito cearense sumido há meses da cidade, além de multa de R$ 333 mil

Prefeito foi visto em público pela última vez em janeiro de 2023. Ministério Público pediu condenação do gestor por improbidade administrativa.

O Ministério Público do Ceará (MP-CE) solicitou o afastamento do prefeito de Limoeiro do Norte, José Maria Lucena (PSB), pelo período de 90 dias, a condenação dele por improbidade administrativa e o pagamento de uma multa no valor de R$ 333 mil. Lucena não é visto em público há quase 9 meses e sua ausência vem sendo investigada pelo MP.

O pedido do MP foi protocolado pelo promotor de Justiça do município, Felipe Carvalho de Aguiar, no domingo (8) na Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte. Na denúncia, o Ministério Público afirma que ficou comprovada a “completa ausência” de Lucena “no cotidiano da administração superior do município, recebendo remuneração indevida”.

Conforme o Ministério Público, o afastamento do gestor por 90 dias é necessário para “evitar a eminente prática” de atos ilícitos. Na peça em que pede o afastamento de Lucena, o MP pede que o prefeito devolva R$ 166.500,00 referentes a remunerações pagas a ele em 2023 por Limoeiro do Norte, uma vez que, conforme o órgão, Lucena não estaria exercendo suas funções.

O Ministério Público também pede que, além de devolver as remunerações recebidas, o prefeito pague uma multa no valor de R$ 166.500,00, totalizando, portanto, R$ 333 mil.

A última vez que Lucena foi visto em público foi no dia 12 de janeiro de 2023, portanto, há quase nove meses. Desde então, o gestor não aparece em compromissos oficiais nem promove audiências com vereadores ou aliados.

No processo administrativo conduzido pelo MP, é apontado que, embora o Lucena esteja teoricamente ausente, o Executivo municipal continua enviando projetos para a Câmara – o que levanta o questionamento de quem está exercendo as funções do prefeito.

Segundo assessores e advogados de Lucena, o prefeito está realizando tratamento de hemodiálise em Fortaleza, a 200 quilômetros de Limoeiro do Norte, três vezes por semana, para combater problemas renais.

Apesar disso, o gestor não solicitou licença médica e seus assessores garantem que Lucena está cumprindo plenamente suas funções de chefe do Executivo do município de 55 mil habitantes, um polo regional do Vale do Jaguaribe.

A oposição aponta que a ausência do prefeito viola a Lei Orgânica do município, que funciona como uma espécie de “Constituição” da cidade. De acordo com a lei, o prefeito não pode se ausentar do município por mais de 15 dias sem permissão da Câmara dos Vereadores, sob pena de perda do mandato.

Denúncia no Ministério Público
José Maria Lucena, conhecido em Limoeiro do Norte como Dr. Zé Maria, foi eleito prefeito em 2016 e reeleito em 2020.

Sua família tem forte envolvimento político: uma das filhas, Juliana Lucena, é deputada estadual pelo PT; outra filha, Andrea Lucena, é secretária de Governo de Limoeiro; a esposa de Zé Maria, Maria Erivan, é ex-prefeita da cidade e atual secretária de Assistência Social.

Nas eleições de 2020, já era de conhecimento público que o prefeito tinha problemas renais crônicos, conforme um morador com quem o g1 conversou. “Ele já tava bem debilitado, mas tipo, era um debilitado de aparecer nos eventos públicos, de dar com a mão, dar umas duas, três palavras, o discurso dele sempre muito curto”, relembra.

A partir do segundo semestre de 2022, conforme relatos, Lucena começou a se ausentar mais longamente. Em fevereiro de 2023, o MP-CE recebeu uma denúncia de um vereador de oposição de que o prefeito estava ausente do município há meses e sem permissão da Câmara. Em março, o órgão abriu um processo administrativo para investigar a situação.

Para averiguar o funcionamento da gestão, o promotor de Limoeiro do Norte, Felipe Carvalho de Aguiar, convocou membros da gestão para oitivas no dia 30 de março. Lucena participou apenas por videochamada.

Na descrição do momento, o MP-CE destacou que o prefeito estava sendo “quase a todo momento conduzido no depoimento pelo seu advogado”, e que em alguns momentos em que falou só, disse frases desconexas.

Entre os pontos que o Ministério Público investiga estão a capacidade do prefeito para exercer as funções para as quais foi eleito e, na ausência dele, quem tem comandado a prefeitura. Isto porque no período em que, segundo a denúncia, o prefeito está internado em Fortaleza, os documentos continuam a ser assinados e enviados para a Câmara de Vereadores.

“É evidente que a gestão da municipalidade não se encontra em situação de normalidade, haja vista a caracterização de ausência do prefeito no trato com os diversos atores que rotineiramente se relacionam, despacham, postulam e necessitam de atendimento pelo Chefe do Poder Executivo. […] Ao que se vislumbra, sempre há neste ano de 2023, interpostas pessoas para despachar ou dar andamento na gestão do Município ao invés do próprio prefeito exercendo suas funções”, aponta o relatório do MP-CE assinado pelo procurador Felipe Carvalho de Aguiar.
Há relatos de que Lucena está há meses internado e os únicos com acesso a ele são as filhas e os secretários municipais, que para despachar com o prefeito vão a Fortaleza. Os vereadores de Limoeiro do Norte chegaram a protocolar na Câmara pedidos oficiais para reuniões com Lucena, mas não tiveram resposta.

Segundo apuração do g1, a resistência de Lucena em pedir afastamento vem porque, neste caso, assumiria sua vice-prefeita, Dilmara Amaral (PDT), com quem o prefeito é rompido politicamente.

Vereadores rejeitaram denúncia contra prefeito
No dia 21 de setembro, a Câmara de Vereadores rejeitou o pedido de investigação acerca do sumiço do Dr. Zé Maria. O placar foi de nove votos contra, quatro a favor e uma abstenção.

Após a sessão, moradores dividiram pizzas na entrada da Casa Legislativa, em alusão à expressão “acabou em pizza”, que diz respeito à impunidade na política brasileira.

Para que a denúncia fosse aceita e fosse aberto um processo que poderia levar a cassação do prefeito, eram necessários oito votos, entre os 15 vereadores. Com o placar, a denúncia será arquivada.

Em junho, a Câmara já havia arquivado uma série de documentos enviados pelo Ministério Público acerca da investigação sobre o sumiço do prefeito.

O g1 entrou em contato com o presidente da Câmara de Vereadores, o vereador Darlyson de Lima Mendes, mais conhecido como Paxá, para obter um posicionamento sobre a situação do município e a votação, mas não obteve resposta.

 

Empresa pede reparação por abusos em operação da PF

Chegou à Justiça Federal do Distrito Federal mais um desdobramento de uma investigação “célebre” da Polícia Federal. A holandesa Agrenco BV, holding e sócia controladora da hoje em recuperação judicial Agrenco do Brasil, entrou com pedido de reparação contra a União, pelos efeitos devastadores da investigação que foi apelidada de “operação influenza” pela PF. A companhia pede R$ 734 milhões por danos materiais e morais decorrentes das apurações.

A operação foi conduzida em conjunto pela PF e pela Receita Federal. Investigou crimes financeiros como lavagem de dinheiro, fraude em licitações e práticas cambiais ilegais, deflagrada no dia 20 de junho de 2008. Segundo o relatório da PF, divulgado no mesmo dia, a Agrenco do Brasil fazia parte de organização criminosa que “internalizava divisas de forma ilegal” por meio de operações cambiais com doleiros e empresas-laranja com sede em paraísos fiscais, ocultação de bens e documentos falsos. Ainda segundo a PF, os integrantes da tal organização corromperam funcionários públicos para conseguir dar cabo de seus crimes.

Em dezembro de 2010, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região trancou a ação penal que decorreu da influenza por ilegalidades nas investigações. O caso tramitou em segredo de Justiça. Consta da ementa da decisão que a denúncia foi feita à Justiça Estadual de Santa Catarina que, de pronto, autorizou a interceptação telefônica dos acusados (entre eles, Antonio Iafelice, dono da Agrenco do Brasil).

O grampo durou de 9 de agosto a 19 de novembro de 2007. Depois disso, foi reconhecida a incompetência da Justiça Estadual no caso e os autos foram remetidos à Justiça Federal em Santa Catarina. Lá, o juízo autorizou a continuidade das escutas. Com base nessas escutas, foram determinadas diversas medidas cautelares de busca e apreensão, prisões e oitiva dos denunciados.

A anulação veio, então, da Vara Federal Criminal de Florianópolis, por causa de uma questão processual. À época, a juíza do caso afirmou que o devido processo legal foi violado porque não houve protocolo e distribuição dos pedidos de interceptação às varas criminais da Comarca. “Não se trata de vício formal, mas de verdadeira afronta à garantia constitucional do juiz natural, corolário da parcialidade do juiz e fundamental para o Estado Democrático de Direito”, afirmou. O TRF-4 confirmou o entendimento.

Informe trimestral
No pedido de indenização feito pela Agrenco BV à Justiça Federal do DF, a companhia, que tem sede em Amsterdã, faz suas alegações na qualidade de acionista prejudicada. A empresa holandesa afirma que, dois dias depois da diligência da PF, apresentava dívida de R$ 860 milhões em decorrência da queda abrupta no valor das suas ações negociadas na bolsa de valores.

À época da deflagração da operação influenza, a Agrenco BV detinha 47% das ações da Agrenco Brasil, empresa de capital aberto. Segundo a petição da companhia holandesa, quando a Polícia Federal foi à sede da controlada brasileira, apreendeu todos os documentos e registros da companhia. E isso, de acordo com as alegações da inicial, foi feito dez dias antes do fechamento do segundo trimestre de 2008.

Como todos os documentos de repente ficaram em poder da PF, não foi possível declarar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais brasileiro, seu Informe Trimestral (ITR).

A partir daí, a Agrenco Brasil se viu em situação difícil de se recuperar. Como não pôde fazer seu ITR e era alvo de uma operação midiática da Polícia Federal, a CVM suspendeu a negociação de suas ações. A petição da Agrenco BV colaciona uma série de laudos técnicos de auditorias atestando a liquidez da companhia até o dia 20 de junho de 2008, data da deflagração da operação influenza.

Sem poder negociar, a Agrenco Brasil se viu em um inevitável processo de recuperação judicial. Uma das execuções, pelo Deutsche Bank, foi no valor de R$ 88,8 milhões. “Os credores passaram, então, pressionados pelo escândalo provocado ilegalmente pela Polícia Federal, a atuar como algozes de última hora”, diz a empresa.

A companhia afirma ainda que para pagar as dívidas que foram cobradas na Justiça pelos credores, teve de se desfazer de imóveis que ainda nem haviam sido ocupados. O caso mais significativo foi o da fábrica que foi construída em Marialva (PR). A unidade foi arrendada, às pressas, por R$ 37 milhões pela empresa BS Bios. Dois meses depois, apenas 50% dessa fábrica foram alienados pela Petrobras pelo va R$ 55 milhões.

No Supremo
A operação influenza está longe de ser a única anulada pelo Judiciário por métodos ilegais de coleta de prova. A diferença é que o Ministério Público Federal nunca a levou ao Superior Tribunal de Justiça. Mas ao time da influenza se juntam outras operações célebres da Polícia Federal, como satiagraha, castelo de areia e kaspar II, por exemplo.

O que é inusitado no caso da influenza é o fato de um acionista ir à Justiça pleitear indenização pelas perdas sofridas em decorrência da operação. Mas é praticamente consensual entre os ministros dos tribunais de Brasília como a jurisprudência deve se consolidar.

A grande maioria dos ministros ouvidos pelo Anuário da Justiça Brasil 2012, feito entre outubro e dezembro de 2011, defendeu que a União deve, sim, indenizar vítimas de abusos em investigações policiais.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal foram menos assertivos que os do Superior Tribunal de Justiça, mas concordam com a tese agora defendida pela Agrenco BV. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, ponderou que “a investigação, por si só, não viola as regras básicas do Estado de Direito, desde que se saiba que ela tem um motivo plausível”.

Luiz Fux entende que o Estado deve indenizar por exageros e ilegalidades em investigações, “mas desde que isso não represente uma camisa de força nos poderes investigatórios da polícia”. “Se efetivamente a parte conseguir comprova que houve abuso do direito, não no afã de investigar, mas no de expor a pessoa através de um procedimento irregular, com o objetivo de apenas chamar a atenção e denegri-la de maneira irreversível, aí, dependendo do caso concreto, pode ser que surja o germe de uma responsabilidade civil.”

O ministro Dias Toffoli entende que cabe reparação apenas se há dolo ou má-fé comprovada dos agentes do Estado na condução da investigação. “A União pode ser responsabilizada e, depois, entrar com ação de regresso contra os agentes que agiram mal. Contudo, nos casos em que não há dolo, mas má-formação ou até incompetência do agente, a União pode ser responsabilizada pelo caráter negligente de seu agente e não terá direito de regresso”, avalia.

No mesmo sentido pensa o ministro Ricardo Lewandowski. Para ele, “se houver uma grave violação à imagem do investigado ou a outros direitos subjetivos, como o direito à intimidade, à privacidade, cabe, em tese, a responsabilização da União ou do estado, a depende do foro da investigação”.

O ministro Teori Zavascki, hoje no Supremo Tribunal Federal, quando foi entrevistado pela reportagem do Anuário, era ministro do STJ. Para ele, “é o mesmo problema de saber se o Estado tem de ser condenado por erro do Judiciário ou do Ministério Público, por erro da máquina administrativa. A investigação é um ato legítimo do Estado e, sendo assim, não é indenizável.”