Operação Navalha: Três senadores podem estar na lista de suspeitos da PF. Lista deve incluir ainda governadores, prefeitos e grande número de parlamentares federais e estaduais

BRASÍLIA – As atenções sobre o desenrolar da Operação Navalha recaem agora sobre a divulgação da lista de políticos relacionados aos valores e presentes na contabilidade da construtora Gautama – apontada pela Polícia Federal como a maior beneficiada da máfia das obras. A lista deve incluir governadores, prefeitos e grande número de parlamentares federais e estaduais, entre os quais pelo menos três senadores. A PF encontrou indícios que um possa ser o senador Delcídio Amaral (PT-MT). Os investigadores não sabem ainda se citação está ou não relacionada a alguma atividade ilícita.

O nome do senador foi encontrado numa das pastas pessoais do dono da construtora, Zuleido Veras, presas na operação. Preenchida pela secretária particular do empresário, a pasta contém a relação de políticos com as quais a construtora se relacionava. O nome “Delcídio” aparece ao lado de um valor – R$ 24 mil, seguido da descrição da despesa “aluguel de jatinho”. Até este horário, 13h20, o senador não havia retornado às ligações para comentar a informação.

Junto com as pastas, que trazem a contabilidade legal e uma paralela com supostos pagamento de propina a políticos, a PF apreendeu na sede da empresa, durante a operação, realizada em nove Estados e no Distrito Federal na última quinta-feira, 17, também uma planilha eletrônica de controle que registra nomes de políticos. Aos nomes desses políticos, em sua maioria parlamentares, estão associados valores de emendas orçamentárias. Estão relacionados políticos de vários Estados, sobretudo de Alagoas, Bahia e Maranhão.

Além das anotações de valores, ao lado de vários nomes aparecem também citações de presentes, inclusive bens valiosos como carros. Mas também aparecem anotações de mimos como gravata, uísque, passagem aérea e hospedagem em hotel. Uma parte dos documentos está arquivada num dos computadores da empresa. Nas escutas telefônicas, essa contabilidade paralela da Gautama é citada por alguns executivos da empresa como “folha B”.

Toda a documentação já está em Brasília e será analisado pela Diretoria de Inteligência da PF a partir desta segunda-feira, com o auxílio de peritos do Instituto Nacional de Criminalística (INC).

Advogados
O acesso dos advogados dos presos na Operação Navalha aos clientes foi autorizado pela direção da Polícia Federal, depois de um pedido formal feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na manhã deste sábado, 19, o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, recebeu reclamações de que os advogados não tinham acesso às dependências da PF.

A autorização foi dada depois de uma conversa entre autoridades da Polícia Federal e o advogado Ibaneis Rocha Barros Junior, integrante da Comissão de Prerrogativas do Conselho Federal da OAB. Segundo informação da assessoria da OAB, na quinta-feira, dia em que foi deflagrada a Operação Navalha, o ministro da Justiça, Tarso Genro, informou a Cezar Britto que havia determinado à Policia Federal a garantia do acesso dos advogados aos autos do processo e o respeito ao direito de defesa.

A Polícia Federal também passou a providenciar a remoção para Brasília, em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), em carretas e viaturas, dos materiais e bens apreendidos em poder da quadrilha de fraudadores de licitações de obras públicas desmantelada na quinta-feira, 17, pela operação. Além da prisão dos envolvidos, a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que preside o inquérito, decretou o bloqueio das contas e a indisponibilidade dos bens dos 48 presos na operação.

Bens apreendidos
Entre os bens apreendidos constam dez automóveis de luxo, inclusive o Citroen C5, calculado em R$ 110 mil, dado como mimo ao ex-governador do Maranhão, José Reinaldo Tavares, por sua atuação na liberação de medições fraudulentas de obras em favor da construtora Gautama, pivô do escândalo.

Parte do material apreendido chegou da noite de quinta-feira, junto com o primeiro lote de prisioneiros oriundos da Bahia e do Maranhão. Outro lote, procedente do Piauí, chegou na sexta. Mas o maior volume de apreensões virá em lotes por terra e ar neste fim de semana e na segunda-feira.

O bloqueio das contas e a indisponibilidade dos bens destinam-se a cobrir eventuais danos aos cofres públicos a serem apurados. A PF estima-se que seja de mais de R$ 100 milhões o volume dos contratos em favor da Gautama fraudados pela quadrilha mediante medições fraudulentas de obras, superfaturamento e desvios.

Entenda a Operação Navalha
Foram presos 46 membros da organização pela operação – 43 já foram transferidos para a sede da superintendência da PF, em Brasília. A expectativa é que a PF comece a tomar os depoimentos dos presos na segunda-feira, 21. Estima-se que a quadrilha tenha desviado R$ 100 milhões em um ano, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. A organização já havia se estruturado para fraudar contratos e desviar verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O STJ determinou o bloqueio de contas e a indisponibilidade dos bens dos acusados.

Segundo a PF, o esquema foi iniciado pelo sócio-diretor da Construtora Gautama Ltda., Zuleido Soares Veras, preso na operação, que articulou uma rede de empregados, sócios e lobistas, que cooptavam funcionários públicos de diversos escalões nos níveis federal, estadual e municipal. A quadrilha atuava desde a aprovação até o pagamento das obras.

Lista dos presos
Confira a lista dos presos na Operação Navalha:

Ivo Almeida Costa – Assessor Especial do Ministério das Minas e Energia
Sérgio Luiz Pompeu de Sá – Assessor do Ministério de Minas e Energia
José Reinaldo Tavares – Ex-Governador do Maranhão
Geraldo Magela Fernandes Rocha – Ex-assessor do ex-govenador José Reinaldo Tavares
Nilson Aparecido Leitão – Prefeito de Sinop/MT
Luiz Carlos Caetano – Prefeito de Camaçari/BA
Flávio José Pin – Superintendente de Produtos de Repasse da Caixa Econômica Federal em Brasília
Pedro Passos Júnior – Deputado distrital
Ernani Soares Gomes Filho – Servidor do Ministério do Planejamento – Atualmente à Disposição da Câmara dos Deputados
José Ivam de Carvalho Paixão – Ex-deputado federal pelo PPS-SE
Roberto Figueiredo Guimarães – Consultor Financeiro do Maranhão e Atual Presidente do Banco Regional de Brasília (BRB)
João Alves Neto – Filho do Governado João Alves Filho
Francisco de Paula Lima Júnior – Sobrinho do Atual Governador do Maranhão
Alexandre de Maia Lago – Sobrinho do Atual Governador do Maranhão
Flávio Conceição de Oliveira Neto – Ex-Chefe da Casa Civil do Governo João Alves Filho – Atual Conselheiro do Tribunal de Contas Estadual
Zuleido Soares Veras – Empresário-Dono da Gautama Rodolpho de Albuquerque Soares de Veras – Filho de Zuleido-Empresário
Maria de Fátima Palmeira – Diretora Comercial da Gautama
Flávio Henrique Abdelnur Candelot – Empregado Gautama
Humberto Dias de Oliveira – Empregado Gautama
Abelardo Sampaio Lopes Filho – Engenheiro e Diretor da Gautama
Bolivar Ribeiro Saback – Empregado-Lobista Gautama
Rosevaldo Pereira Melo – Lobista Gautama
Tereza Freire Lima – Funcionária Gautama
Florencio Brito Vieira – Empregado Gautama
Gil Jacó Carvalho Santos – Diretor-Financeiro Gautama
Jorge E. Dos S. Barreto – Engenheiro da Gautama
Vicente Vasconcelos Coni – Diretor Gautama no Maranhão
Dimas Soares de Veras – Irmão Zuleido – Empregado Gautama
Henrique Garcia de Araújo – Administra Uma Fazenda do Grupo Gautama
Ricardo Magalhães da Silva – Empregado da Gautama
João Manoel Soares Barros – Empregado da Gautama
José Edson Vasconcelos Fontenelle – Empresário
Jair Pessine – Ex-Secretário Municipal de Sinop/MT
Zaqueu de Oliveira Filho – Servidor do Município de Camaçari/BA
Jorge Targa Juni – Presidente da Companhia Energética do Piauí
Iran César de Araújo Filho – Secretário de Obras do Município de Camaçari/BA
Edílio Pereira Neto – Assessor de Iran César de Araújo Filho
Everaldo José de Siqueira Alves – Subsecretário de Iran César de Araújo Filho
Adeilson Teixeira Bezerra – Secretário de Infra-Estrutura de Alagoas
Denisson de Luna Tenório – Subsecretário de Infra-Estrutura de Alagoas
José Vieira Crispim – Diretor de Obras da Secretaria de Infra-Estrutura de Alagoas
Eneas de Alencastro Neto – Representante do Governo de Alagoas em Brasília
Marcio Fidelson Menezes Gomes – Secretário de Infra-Estrutura de Alagoas
Ney Barros Bello – Secretário de Infra-Estrutura do Maranhão
Sebastião José Pinheiro Franco – Fiscal de Obras do Maranhão
José de Ribamar Ribeiro Hortegal – Servidor da Secretaria de Infra-Estrutura do Maranhão

Justiça decreta prisão de lideranças do tráfico por morte de monitor de ONG preso por engano

Na presença dos criminosos Urso, Abelha, Doca e Gadernal, o tribunal do tráfico da Vila Cruzeiro decidiu pela morte de Marcos dos Nascimento Tavares Carreira. Ele foi apontado pelos traficantes como ‘X9’ da polícia.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) decretou mais uma vez a prisão preventiva de quatro traficantes que estão entre as lideranças da maior facção criminosa do estado. Dessa vez, os criminosos Urso, Abelha, Doca e Gadernal são investigados pela morte do monitor de ONG Marcos dos Nascimento Tavares Carreira, de 19 anos.

O jovem, que era estudante universitário de fisioterapia, trabalhava em uma farmácia e dava aula de percussão numa ONG, foi preso por engano em fevereiro de 2022, por suspeita de roubar duas turistas na Praia de Ipanema, na Zona Sul. Segundo a família, ele só foi preso por ser negro. Ele acabou solto dois dias depois, após o juiz entender que as investigações deveriam ser aprofundadas.

Contudo, em agosto, os traficantes da Vila Cruzeiro apontaram Marcos como ‘X9’, ou seja, um informante da polícia. Na presença dos criminosos Urso, Abelha, Doca e Gadernal, o tribunal do tráfico da Vila Cruzeiro decidiu pela morte de Marcos.

Uma semana depois, a família do jovem recebeu a notícia que ele havia sido inocentado da acusação de roubo em Ipanema.

A Polícia Civil indiciou e o Ministério Público denunciou os quatro traficantes pela morte de Marcos. Eles vão responder por homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver. A Justiça, então, emitiu os mandados de prisão preventiva contra:

Edgar Alves de Andrade, o Doca, principal chefe do tráfico no Complexo da Penha;
Carlos da Costa Neves, o Gadernal, apontado como segurança do tráfico e braço direito de Doca;
Pedro Paulo Guedes, o Urso, homem de confiança do tráfico de drogas na Vila Cruzeiro;
e Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, chefe da maior facção criminosa do estado.
Mais procurado do RJ
No início da semana, em coletiva sobre os ataques aos 35 ônibus na Zona Oeste, o governador Claudio Castro (PL) citou Abelha como um dos criminosos mais procurados do estado.

Abelha está foragido da justiça desde agosto de 2021, quando deixou o Presídio Vicente Piragibe, em Bangu, pela porta da frente, por erro da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP).

Abelha foi filmado cumprimentando o então secretário, Raphael Montenegro. O secretário foi preso depois da soltura ilegal do chefe do tráfico. Contudo, a ação contra ele foi trancada pela Justiça no ano passado.

Fora da prisão, segundo a polícia, Abelha tem sido um dos articuladores da expansão da facção criminosa no Rio, e de conflitos armados vistos em vários pontos da cidade.

No mês passado, Abelha, Doca e Gadernal foram apontados pela polícia como mandantes da execução dos traficantes que assassinaram três médicos na Barra da Tijuca por engano.

Atualmente, Abelha tem sete mandados de prisão em aberto. Doca tem 20 mandatos contra ele. E Gadernal, quatro. Já Urso, tem sete mandados de prisão.

Prisão por engano
Marcos foi preso aos 19 anos, em fevereiro de 2022, acusado de roubar duas turistas do Maranhão, na Praia de Ipanema.

O motivo da prisão foi por ele ter sido reconhecido pelas vítimas, por ter pele preta e cabelo descolorido. Familiares e amigos se revoltaram com a prisão.

“Marcos é um garoto incrível. Sonhador, ele ta sempre pensando no futuro, sempre pensando em ajudar o próximo, uma pessoa que saiu pra curtir o feriado com os amigos e acabou sendo preso injustamente. simplesmente pelo fato dele ser negro”, disse uma amiga do jovem.

A soltura de Marcos aconteceu em audiência de custódia comandada pelo juiz Antonio Luiz da Fonsêca Lucchese, que decidiu pela liberdade provisória dele.

O juiz acolheu o posicionamento do Ministério Público pela liberdade provisória, entendendo que as investigações devem ser aprofundadas sobre a autoria do crime.

O juiz destacou na decisão que um menor apreendido junto com Marcos revelou que as vítimas do roubo também apontaram outros acusados, mas que Marcos e outro indiciado só foram presos por não possuírem documentos de identidade no momento da abordagem policial.

Tribunal do Tráfico
Em agosto do ano passado, Marcos foi vítima de mais uma injustiça. Traficantes da Vila Cruzeiro, favela onde ele morava, o acusaram de ser informante da polícia e ordenaram a morte dele de forma brutal.

Em conversa com o pai, Marcos mandou um áudio antes de ser assassinado.

“Sei nem o que tá acontecendo, po. Do nada, vem um cara lá da boca querendo falar comigo na farmácia. Sei de nada não, to esperando aqui. Vou esperar. Ele quer desenrolar, vamos desenrolar”, disse Marcos.

O pai de Marcos soube da morte e, em um ato de desespero, foi perguntar pelo filho aos traficantes da favela.

“Ele pegou e falou na minha cara: ‘Teu filho morreu queimado. A gente queimou ele. Ele e mais dois colegas dele, sem dó, sem pena, e mandamos jogar pneu, jogar gasolina. Jogamos para não sobrar nada pra vocês'”, relatou.

Nos depoimentos dados à polícia, o pai de Marcos detalhou como procurou os traficantes para entender o que tinha acontecido com o filho. O relato mostra como agem os criminosos que dominam o tráfico no complexo das favelas, e toda a violência a que a população fica submetida.

No dia 31 de agosto a noite, o pai de Marcos se encontrou no QG do grupo com os quatro chefes do tráfico, conhecidos pelos codinomes Urso, Abelha, Doca, e Gadernal.

‘Denúncia’ frágil e sentença
Segundo o depoimento do pai de Marcos, Urso teria dito que soube através de uma menina que Marcos seria um ‘x9’ da polícia e por isso colocou o garoto vivo em pneus banhado com gasolina.

“Ele disse de imediato que soube através de uma menina que marcos era x9 da polícia e por esse motivo foi colocado ainda vivo em pneus e banhado com gasolina. Urso ainda enfatizou que todos os traficantes ali presentes participaram”, dizia um trecho do depoimento.

Urso teria dito ainda ao pai que durante a queima jogaram mais gasolina para que não sobrasse nada. Os traficantes ainda teriam dado risadas dos três moradores enquanto queimavam e aos prantos falavam que eram inocentes.

O traficante também teria dito que chegou a procurar a menina que tinha afirmado que Marcos era x-9, mas não conseguiu encontrar e mesmo assim decidiu matar os jovens porque a acusação era “muito grave”.

Depois de denunciar o que aconteceu com o filho, o pai teve que se mudar do local que morou por 23 anos.