Coronel alvo de CPI e ex-auditor fiscal preso: irmãos suspeitos de fraude na intervenção também foram investigados na pandemia

Glaucio e Glauco Octaviano Guerra, os irmãos Guerra, voltam a ser investigados em denúncias de fraudes em licitações com o poder público. Terceiro irmão foi expulso da PF e também já foi preso.

Os agentes da Polícia Federal que investigam a suspeita de corrupção durante o período de intervenção militar no Rio de Janeiro se debruçaram, nos últimos meses, sobre a vida dos irmãos Glaucio e Glauco Octaviano Guerra, os irmãos Guerra.

Glaucio, conhecido Coronel Guerra, é coronel da Aeronáutica reformado desde 2016. Seu irmão mais novo, Glauco, é ex-auditor fiscal. Alvos da Operação Perfídia, os dois também foram investigados por contratos suspeitos durante a pandemia da Covid (veja detalhes abaixo).

A operação desta terça também mirou outros militares e empresários suspeitos de fraudes com verbas do Gabinete da Intervenção Federal (GIF). Entre os investigados está o general Walter Souza Braga Netto, nomeado interventor, que teve o sigilo telefônico quebrado pela Justiça.

Segundo a decisão assinada pela juíza Caroline Figueiredo, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, os irmãos Guerra são donos da MHS Produtos e Serviços, empresa que representou a norte-americana CTU Security LLC no Brasil.

A PF apura os crimes de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção e organização criminosa na contratação da CTU para aquisição de 9.360 coletes balísticos com sobrepreço de R$ 4,6 milhões durante a intervenção federal no Rio.

Coronel alvo de CPI por venda de vacinas
Na decisão da Justiça Federal, Glaucio é apontado como “responsável por todo o estudo financeiro, confecção dos contratos, documentos e prospecção de empresas estrangeiras para fornecimento de materiais diversos” da MHS.

O documento ainda cita que ele também tem a função de captar investidores para financiar os custos de produção da MHS.

Essa não é a primeira vez que Glaucio se envolve com problemas na Justiça. Nascido em 1970, no Rio de Janeiro, ele ficou conhecido no Brasil como Coronel Guerra, ao ser citado em mensagens com o representante da empresa americana Davati Medical Supply, o cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominguetti.

Os dois foram personagens da CPI da Covid, em 2021, quando Dominguetti teve o celular apreendido pelos parlamentares. Na ocasião, o Fantástico revelou as mensagens que indicavam que o PM negociava por cada dose de vacina vendida uma comissão de 25 centavos de dólar.

Em uma das mensagens, Dominguetti escreve para o coronel Guerra: “Podemos falar com Serafim e ajustar ambos os assuntos: Vacina e AU”.

Glaucio então responde: “Vamos sim. Deixa eu sair do DOD. Não dá para usar telefone aqui”.
Em outra troca de mensagens, essa no dia 31 de maio de 2021, Dominguetti demonstra preocupação com o desfecho de um suposto acerto na venda de vacinas.

“Acredito que seria bom o senhor dar uma ligada ao Serafim. Estão bastante descontentes com a falta de comunicação. Estou tentando ajustar para não cair”, teria escrito o PM.

O coronel Guerra responde de forma direta: “Dominguetti, tá tudo alinhado”.
No dia 7 de junho daquele ano, algumas mensagens de Guerra apontaram que ele tinha contato direto com o presidente da Davati, Herman Cárdenas.

“Bom dia. O Herman e isolou das calls com a AZ (a CPI suspeita que a sigla AZ refere-se à Astrazeneca) desde quinta-feira. Acredito que ele esteja analisando a documentação (…) Estou no aguardo da call dele. Americano é um pouco fdp”, acrescentou o coronel.

Cargo oficial e empresas nos EUA
Atualmente na reserva, Glaucio foi coronel da Aeronáutica até setembro de 2016. Antes de se aposentar, o investigado ocupou um cargo internacional de bastante relevância na estrutura militar.

Em 2013, Guerra foi designado para ser chefe da Divisão de Logística da Comissão Aeronáutica Brasileira em Washington, na capital dos Estados Unidos. A portaria foi assinada pelo então ministro da Defesa, Celso Amorim.

Desde fevereiro de 2014, o então tenente-coronel tinha autorização das Forças Armadas para se ausentar do país. A partir de março do mesmo ano, ele já começaria a receber os encargos da nova função.

Além da MHS, o coronel também é proprietário da empresa Guerra International Consultants, no estado de Maryland, Estados Unidos. A cidade é famosa por abrigar empresas da indústria de defesa dos EUA e diversas companhias internacionais ligadas ao setor militar.

Preso por compras suspeitas na pandemia
Irmão do coronel, Glauco Octaviano Guerra é um ex-auditor da Receita Federal e chegou a ser preso em maio de 2020 durante a Operação Mercadores do Caos, que investigou suspeitos de fraudes na saúde do Rio de Janeiro.

Um dos processos investigados pelo Ministério Público e pela polícia do Rio é o da compra de 300 respiradores mecânicos. A empresa responsável pelo fornecimento e a MHS, que tem como sócio Glauco.

No desdobramento das investigações, foram presos nomes como os dois ex-subsecretário estadual de Saúde Gabriell Neves e Gustavo Borges da Silva.

Segundo os investigadores, a proposta da MHS foi entregue menos de uma hora depois do documento de referência ser assinado por Gustavo. A agilidade, de acordo com a decisão judicial que determinou as prisões, levou à suspeita de direcionamento.

As investigações apontaram ainda que o suspeito aceitou a proposta da MHS sem analisar a capacidade técnica e econômica de fornecer os produtos ao governo do Estado.

Por conta da investigação, Glauco foi preso em Belém, no Pará. Segundo os procuradores do MP, uma das empresas investigadas por fraude na venda de respiradores para o governo do RJ no combate à Covid-19 fez a subcontratação dos aparelhos de outra empresa, que enfrenta acusações semelhantes no Pará, para fechar o negócio. Os aparelhos nunca foram entregues.

Glauco Guerra também fez parte de um grupo de auditores da Receita Federal investigados pela Corregedoria do órgão por enriquecimento ilícito. Meses depois, Glauco foi exonerado pelo ministro Paulo Guedes por ato de improbidade administrativa.

Outro irmão preso
Além dos dois irmãos alvos da operação sobre suspeita de corrupção durante intervenção militar no RJ, a família Guerra conta com mais um integrante envolvido com possíveis crimes.

Fora dessa investigação, o irmão mais velho dos Guerra é o ex-policial federal Cláudio Octaviano Guerra, que foi expulso da corporação por acusação de corrupção.

Em 2007, ele foi preso por suspeita de favorecer presos durante a escolta em operação que mirava o jogo do bicho.

Segundo a Polícia Federal, na época, os agentes aproveitavam as ocasiões que deveriam fazer escoltas e levavam os presos para churrascarias e outros programas. Os fatos apurados pela PF apontaram para os crimes de formação de quadrilha, prevaricação e corrupção, pelos quais foram condenados.

O que dizem os citados
Na época da CPI da Covid, Glaucio Octaviano Guerra afirmou, em nota, que não teve vínculo empregatício nem contrato assinado com a Davati e que não é porta-voz da empresa.

“Nunca recebi nenhuma remuneração da empresa por qualquer tipo de negociação ou serviço prestado”, afirmou.

Ele se disse amigo há dois anos de Herman Cardenas, dono da Davati, que tem sede nos Estados Unidos. Afirmou que apresentou Cristiano Carvalho a Cardenas em 25 de fevereiro deste ano, “compartilhando o telefone de um com o outro”.

Ele afirmou que eventualmente atua como tradutor para o empresário. “Por vezes, a pedido do Herman, atuo como tradutor nas ligações comerciais com pessoas que não dominam a língua inglesa”, disse.

PF prende 25 acusados de fraude em Manaus

A Polícia Federal prendeu ontem 25 pessoas, em Manaus, entre auditores fiscais (dez) do Ministério do Trabalho, empresários (7), executivos (7) e um contador, acusados de envolvimento num esquema de fraudes na fiscalização dos ambientes e regularidade de contratações trabalhistas.
A chamada operação Zaqueu, deflagrada na madrugada de ontem, cumpriu 41 mandados de busca e apreensão, em Manaus e São Paulo. Foram apreendidos nas residências dos fiscais carimbos do ministério para rescisões contratuais, documentos relativos a atuações realizadas em 1997 -para as quais, conforme a lei, as penalidades já estariam prescritas-, além de três lanchas, armas e R$ 84 mil em dinheiro.
O esquema começou a ser desvendado pela Polícia Federal em setembro do ano passado, quando um empresário do setor de segurança privada denunciou ao Ministério Público Federal a tentativa de extorsão de um auditor fiscal. Para livrá-lo de multa, o fiscal queria o pagamento em toras de madeira. E chegou a detalhar em um bilhete as espécie que queria receber.
A base das investigações é a quebra de sigilos fiscal, telefônico e bancário, além de escutas telefônica autorizadas pela Justiça. Os suspeitos foram fotografados e filmados pelos agentes federais em situações nas quais estariam fazendo “negócios”.
Os fiscais envolvidos -quase um quarto do total em atividade no Amazonas, que conta com 39 profissionais para a fiscalização- são acusados de atuar de duas formas: reduziam o valor das multas decorrentes de autuações ou deixavam de fiscalizar empresas, mediante o pagamento de um “salário” mensal.
A ação do grupo não seguia uma coordenação única. Os fiscais atuavam individualmente. Às vezes, dividiam “negócios” entre si, segundo a PF. Não há informações sobre o valor de propina. Mas o cruzamento de dados dos sigilos fiscais e bancários dos auditores do Trabalho revelou incompatibilidade entre os valores que recebiam como funcionários públicos -com salário mensal bruto de R$ 9.000- e o patrimônio que construíram.
O êxito da operação Zaqueu -alusão ao nome de um fiscal corrupto que se converteu, conforme conta a Bíblia- foi anunciado pelo delegado federal Reinaldo de Almeida César, no final da manhã, em Manaus. Às 12h, só um mandado de prisão não havia sido cumprido: João Luís do Valle Nogueira, ligado à empresa Tecnocargo, estava foragido. No início da noite, também foi preso.
A movimentação financeira dos fiscais foi intensa até 1998, ano em que a Receita Federal passou a cruzar dados de recolhimento da CPMF (“imposto do cheque”) com a declaração de renda e patrimônio enviada ao fisco.
Desde então, conforme dados que compõem o inquérito 466/03, em tramitação na 4ª Vara da Justiça Federal de Manaus, os auditores teriam buscado outros meios para movimentar o dinheiro, entre eles a compra de imóveis.
Os indícios levantados apontam para abertura de duas novas frentes de investigação: sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

Remessas
Os acertos finais da operação aconteceram às 22h da segunda-feira, quando os 120 policiais, vindos de quatro Estados, além de nove auditores fiscais do Trabalho, dividiram-se em 28 equipes para cumprir os mandados.
Na casa de Gianfranco Menezes Han, diretor em Manaus da LG Electronics, a PF encontrou diversos comprovantes de remessas de dinheiro para o exterior, além de três armas. Conforme o inquérito, Han teria beneficiado a LG e, amigo de auditores, também teria intermediado redução de multas trabalhistas de outras empresas.
Na casa do fiscal Roberto Said de Oliveira, os policiais encontraram uma pistola. Três outras armas foram achadas na lancha Saulomano, que seria de Oliveira, em cuja residência a PF também encontrou processos de autuações trabalhistas de 1997. Um eventual crime detectado nos documentos estaria hoje prescrito.
No sítio que pertence a outro fiscal, Linton de Vasconcelos, a PF encontrou três caseiros que estariam trabalhando sem carteira assinada. Também no conjunto apreendido na propriedade de Vasconcelos há uma lista relacionando nomes de pessoas físicas e jurídicas a valores em reais.