Berço da Lava Jato e da Carne Fraca, Paraná é palco de conflitos históricos

Família do procurador Deltan Dallagnol possui latifúndios no noroeste do Mato Grosso, em região de litígio com o Incra; em cinco anos, De Olho nos Ruralistas mostrou como políticos como Ricardo Barros e empresários como Ratinho multiplicam terras e fortunas

O procurador da República Deltan Dallagnol ganhou notoriedade por coordenar a força-tarefa da Lava Jato, que investigou denúncias de irregularidades na Petrobras e em outras estatais brasileiras. Seus discursos anticorrupção ganharam as manchetes dos jornais. O leitor do De Olho nos Ruralistas sabe, porém, que o “herói nacional” pintado pela mídia comercial é membro de um clã que possui dezenas de milhares de hectares no noroeste do Mato Grosso.

Em 2019, o observatório detalhou informações sobre os latifúndios, em uma série de reportagens. Do desmatamento aos conflitos agrários (numa região onde protagonistas da disputa foram assassinados), do histórico fundiário peculiar ao atual litígio com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) descortina-se um país bem diferente daquele que a operação procurou apresentar ao país.

Essa é uma das muitas histórias contadas pelo De Olho, que acaba de completar cinco anos. Em comemoração ao aniversário, cada Unidade da Federação ganha a partir desta semana um balanço específico do que publicamos desde 2016. Os dois primeiros textos, de 27, foram sobre o Rio Grande do Sul, usina de ruralistas, e Santa Catarina, conexão Amazônia. Na sequência migraremos para as regiões Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste, a representar a expansão econômica e territorial do agronegócio no Brasil.

Abrimos a série sobre Dallagnol com as desapropriações feitas pelo Incra em 2016, durante os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff. O processo inclui fraudes cometidas por funcionários públicos: “Incra diz que desapropriação de R$ 41 milhões no MT que beneficiou pai, tios e e primos de Deltan Dallagnol foi ilegal“. Outra reportagem oferece uma perspectiva histórica: “Família Dallagnol obteve 400 mil hectares de terras no Mato Grosso durante a ditadura“.

Entre os personagens do clã destacam-se dois tios de Deltan. Um deles, Leonar Dallagnol, conhecido na região por um apelido: “Conhecido como Tenente, tio de Deltan Dallagnol foi acusado de invadir terras ao lado de ‘Pedro Doido’”. Outro, o advogado Xavier Dallagnol, é um dos expoentes jurídicos dessa família de advogados e procuradores. De Cuiabá, ele comanda a defesa dos latifúndios em Nova Bandeirantes (MT): “Tio de Deltan, Xavier Dallagnol foi flagrado em grampo sobre compra de sentenças“.

Ao lado de Leonar, Xavier e sua esposa, Maria das Graças Prestes, eles protagonizam os casos de desmatamento diretamente ligados ao clã, em plena região conhecida como Portal da Amazônia, já na floresta: “Três tios de Deltan Dallagnol figuram entre desmatadores da Amazônia“. Mas a maior beneficiada foi a filha de Xavier, prima de Deltan: “Em 2016, prima de Dallagnol ficou em décimo lugar entre maiores beneficiados por recursos agrários no país“.
RATINHO, O FAZENDEIRO, TEM TERRAS COM HISTÓRICO DE GRILAGEM
Outro paranaense de destaque nacional retratado pelo De Olho é o apresentador Carlos Roberto Massa, mais conhecido como Ratinho, que já tomou conta do noticiário por defender intervenção militar no país, “fuzilamento de denunciados” e “limpar mendigos” das cidades. Aliado do presidente Jair Bolsonaro e pai do governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), ele montou um verdadeiro império do agronegócio. Além de empresas em setores diversificados — de emissoras de rádio e TV a marcas de tintas, ração, café e cerveja  —, possui hoje ao menos quinze fazendas.
Na série Ratinho, o Fazendeiro, publicada em julho, contamos que duas dessas propriedades rurais, localizadas em Tarauacá (AC), são fruto de um processo de grilagem e exploração de mão de obra. Em 2002, o comunicador pagou por volta de R$ 330 mil a um grupo de empresários de Londrina (PR), donos do Café Cacique, da Viação Garcia e do Bamerindus. As glebas, denominadas de Paranacre A e Paranacre B, em referência à companhia, já pertenceram a Altevir Leal, que depois se tornou senador biônico pela Arena.
Elas estão até hoje registradas em nome da Radan Administração e Participação Ltda, com sede em Curitiba e cujo sócio-administrador é o pecuarista Dante Luiz Franceschi. Em entrevista a Amaury Júnior, da Band, em 2018, Ratinho comentou que a área tem na verdade 200 mil hectares e que planeja explorar madeira no local.
Coincidentemente, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP-AC), que é sócio da madeireira Marmude Cameli desde 1997, pretende regularizar a exploração de florestas públicas por empresas privadas. O Projeto de Lei (PL) nº 225/2020, em tramitação na Assembleia Legislativa (Aleac), atinge o Complexo do Rio Gregório, em Tarauacá (AC), onde ficam as fazendas do apresentador do SBT. A proposta é criticada por organizações de extrativistas e povos indígenas, que preveem sérios impactos socioambientais. Leia mais aqui.
Três dias após o início da publicação de reportagens sobre seu império agrário, o Grupo Massa emitiu uma nota relativa às terras no Acre, tema do segundo texto da série. O governo do Paraná, chefiado por Ratinho Júnior, também divulgou uma nota afirmando desconhecer as informações sobre os nove despejos realizados no estado: “Ratinho, o Fazendeiro (IV) — Apresentador diz que suas terras no Acre têm 149.500 hectares
DIÁLOGO DA CARNE FRACA UNE TEMER, LOURES E SERRAGLIO
Deflagrada pela Polícia Federal (PF) em março de 2017, a Operação Carne Fraca também foi destaque no De Olho. As investigações atingiram as maiores empresas do ramo — a JBS, dona das marcas Seara, Swift, Friboi, e Vigor, e a BRF, dona da Sadia e da Perdigão. Elas foram acusadas de adulterar a carne que vendiam nos mercados interno e externo.
Este observatório tratou das relações — nada republicanas — entre alguns dos personagens principais da trama: o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP), o deputado federal Osmar Serraglio (MDB-PR) e o ex-deputado Rocha Loures (MDB-PR). Releia aqui.

Gravação mostra fiscal e funcionário da Seara referindo-se a Loures como braço-direito de Temer. (Reprodução/PF)
Ao nomear Serraglio como ministro da Justiça, em 07 de março daquele ano, Temer matou dois coelhos com uma só cajadada: colocou o ruralista no comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), para atender aos interesses da bancada do agronegócio, e abriu uma vaga para Loures, o primeiro suplente do MDB paranaense , voltar à Câmara – e, assim, obter foro privilegiado.
Num diálogo divulgado pela própria PF, Rocha Loures – um empresário agropecuário – é descrito como o braço direito de Temer. Daniel (Gonçalves Filho) era o superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, indicado pela bancada paranaense do MDB. Preso e indiciado, foi apontado pela polícia como “um dos líderes da organização criminosa”. Serraglio o chamava de “grande chefe”.
Em outro trecho, Serraglio é acusado – junto a Daniel – de beneficiar um empresário concorrente: “Carne Fraca”: Record mostra que Osmar Serraglio protegia frigorífico“.
A JBS teve participação ativa na eleição de Serraglio para a Câmara. Confira: ““Carne Fraca”: JBS foi maior doadora de campanha de Osmar Serraglio“. A empresa também foi a maior doadora de campanha para a eleição da chapa Dilma-Temer, que reelegeu Dilma Rousseff como presidente e Michel Temer como vice-presidente – até ele ser levado ao poder de forma indireta.
Gravado pela JBS, em vídeo, recebendo R$ 500 mil de propina numa mala, Loures aparece em mais uma reportagem do De Olho. É que a Nutrimental Indústria e Comércio de Alimentos, da família do político, estava entre as cerca de 2 mil instituições apoiadoras do projeto “10 Medidas Contra a Corrupção“, lançado pelo Ministério Público Federal.
PIVÔ DE ESCÂNDALO DA COVAXIN, RICARDO BARROS TEM FACE RURAISTA
Depois de muito relutar, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) abriu o jogo durante seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e revelou o nome do chefe do esquema de venda superfaturada da vacina indiana Covaxin. Trata-se de mais um paranaense, o líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O político, empresário e fazendeiro foi citado pelo próprio presidente, quando Miranda denunciou o esquema para o capitão. Leia mais aqui.
Bolsonaro e Barros são aliados de longa data. Foram companheiros de partido por dez anos, como mostra o 13º vídeo da série De Olho no Genocídio:

O avô do pepista, Odwaldo Bueno Neto, enriqueceu comprando terras de pequenos produtores na região de Maringá (PR), reduto eleitoral do político. O próprio Barros aumentou sua fortuna durante sua carreira. Em 2006, quando foi candidato, ele declarou R$ 1.255.746,74 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2018, esse valor tinha quadruplicado: R$ 5.529.650,21. O observatório falou sobre sua face agrária na reportagem “Novo líder do governo na Câmara tem latifúndio em região de conflitos no Piauí”.

PRESIDENTE DA FPA RECEBEU DOAÇÃO DE INVESTIGADO

Além de Barros, Serraglio e Loures, o Paraná é berço de outros políticos ruralistas, incluindo o atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Sérgio Souza (MDB-PR). Ex-senador, ele não declarou bens rurais à Justiça Eleitoral, em 2014. De R$ 2,2 milhões que recebeu de financiamento de campanha, porém, mais de R$ 400 mil vieram de empresas – ou donos de empresas – do agronegócio.

O sexto maior doador foi Valdecio Antonio Bombonatto, presidente da Fortesolo, com R$ 50 mil. Ele o irmão Almir Jorge Bombonatto foram conduzidos coercitivamente pela PF em 2017 para prestar esclarecimentos, no âmbito da Carne Fraca. A doação para Souza – dentro da legalidade – foi a maior feita por Bombonatto naquele pleito. Leia mais aqui.

Sérgio Souza: financiado por empresas do agronegócio. (Foto: Divulgação)

Há ainda casos como o de Luiz Nishimori (PR-PR), que vendeu durante anos pesticidas em Maringá, Marialva e Luiziana, no noroeste do Paraná. Ele é o relator do PL do Veneno, o PL 6299/2002, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no Brasil. O parlamentar, membro da FPA, e a esposa, Akemi Nishimori, controlam a Mariagro Agrícola Ltda. A frente tem interesse direto na aprovação do projeto, como mostramos aqui.

Figurinha carimbada nos atos antidemocráticos registrados em apoio a Bolsonaro, a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR) também foi perfilada recentemente. Apesar de se referir a camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como invasores, oportunistas e covardes, ela foi a escolhida para presidir a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural . Cabe ao órgão, entre outras atribuições, discutir políticas fundiárias e de reforma agrária, em diálogo com movimentos do campo.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas terá ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Assista ao vídeo do aniversário:

Nos próximos dias, vamos inaugurar a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Também em setembro estreia uma campanha de internacionalização do observatório.
Você pode apoiar todos esses projetos aqui.

Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2021/09/10/berco-da-lava-jato-e-da-carne-fraca-parana-e-palco-de-conflitos-historicos/

Dono de mansão que matou policial a tiros em SP ao confundi-la com assaltante estava sob efeito de álcool e remédios, diz laudo

Polícia quer saber se substâncias encontradas em Rogério Saladino provocaram alucinações e o fizeram achar que policiais fossem criminosos. Empresário matou investigadora Milene Estevam. Outro policial matou dono da casa e vigilante na troca de tiros nos Jardins, em 2023.

O dono da mansão em São Paulo que matou a tiros uma investigadora da Polícia Civil ao confundi-la com uma assaltante estava sob efeito de bebidas alcoólicas e de remédios quando cometeu o crime, segundo laudo pericial da Polícia Técnico-Científica.

O caso ocorreu em 16 de dezembro de 2023 entre as ruas Guadelupe e Venezuela, nos Jardins, área nobre da capital. Câmeras de segurança gravaram o tiroteio, que deixou três pessoas mortas no total (veja vídeo acima).

Morreram: o proprietário da residência, o empresário Rogério Saladino dos Santos, de 56 anos, o vigilante particular dele, Alex James Gomes Mury, de 49, e a investigadora Milene Bagalho Estevam, de 39. A policial nem chegou a atirar, mas foi baleada por três disparos feitos pelo dono da mansão.

O empresário e o vigilante foram mortos em seguida pelo investigador Felipe Wilson da Costa, de 44 anos, que reagiu aos tiros dados por Rogério. O empresário levou um tiro e morreu. Alex tentou pegar a arma do patrão e atirar contra os dois agentes, mas também foi baleado pelo policial e não resistiu. Felipe, que atirou em legítima defesa, não foi atingido.

Segundo o Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Rogério achou que Milene e Felipe eram criminosos e por isso atirou neles.

Os investigadores foram até o imóvel pedir imagens de câmeras de segurança que pudessem ter gravado ladrões furtando uma residência vizinha dias antes. Eles estavam com distintivos e haviam se identificado como policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), mas o empresário não acreditou.

O DHPP investiga o tiroteio nos Jardins como “homicídio” e “morte decorrente de intervenção policial”. Agora com o laudo, o departamento quer saber dos peritos se as substâncias encontradas no corpo de Rogério podem ter provocado alucinações ou confusão mental que o fizeram achar que policiais fossem bandidos.

O Instituto Médico Legal (IML) encontrou 13 dg/L de álcool etílico no sangue do empresário. Os efeitos dessa dosagem variam de acordo com peso, sexo, idade e metabolismo, mas, segundo dados do Cisa (Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool), a partir de 8 dg/L a pessoa pode apresentar sintomas como falha de coordenação motora, visão dupla e desconexão da realidade.

Também foram encontradas substâncias químicas no organismo do empresário. Elas estão presentes em remédios para depressão e distúrbios do sono. Esses medicamentos, associados a álcool, também poderiam contribuir ou agravar um estado de alucinação, segundo policiais.

O DHPP voltará a questionar o IML quais efeitos essas substâncias podem ter causado em Rogério. Independentemente das respostas, o inquérito policial deverá ser arquivado pela Justiça, já que o autor do crime morreu no tiroteio.

A polícia informou ter encontrado “porções de maconha” e outras drogas, como haxixe e substâncias sintéticas, na residência de Rogério. Apesar disso, os peritos não encontraram vestígios delas no corpo do empresário.

Milene estava havia sete anos na Polícia Civil. Ela deixou uma filha de 5 anos. Na cerimônia de despedida, diversas viaturas da Polícia Civil ligaram suas sirenes em sua homenagem.

CAC, laboratório e namorada

Segundo a Polícia Civil, Rogério tinha autorização para ter armas em sua casa, já que era CAC (sigla para Caçador, Atirador e Colecionador de Armas). Apesar de policiais terem dito que as duas armas do empresário estavam regularizadas, o boletim de ocorrência do caso informa que uma delas estaria irregular: uma pistola calibre .45. A outra, pistola .380 está legalizada.

Rogério era sócio-presidente do Grupo Biofast, empresa brasileira que desde 2004 atua no mercado de medicina diagnóstica, entregando resultados de exames médicos para os setores público e privado. Entre as análises realizadas estão as clínicas, anatomia patológica e biologia molecular.

O empresário namorava a modelo e arquiteta Bianca Klamt, de 37 anos. Ela chegou a postar vídeos e fotos do casal nas suas redes sociais com mensagens como “muita saudade”. Rogério deixa um filho, de 15 anos, fruto de um relacionamento anterior.

Homicídio, agressão e crime ambiental
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que Rogério tinha passagens criminais anteriores pela polícia por “homicídio, lesão corporal e crime ambiental”.

Por meio de nota, enviada ao g1 pela assessoria de imprensa da família de Rogério, os parentes do empresário lamentaram as mortes dele e das outras duas pessoas. E rebateram as acusações de crimes atribuídos ao empresário no passado. Ele foi enterrado num cemitério da capital.

“Nós não sabemos ao certo qual informação ele [Rogério] recebeu, não temos noção de qual informação ele recebeu que explicasse essa reação que ele teve [de atirar nos policiais]. De maneira que, com a impossibilidade de ele pode explicar o que aconteceu, é muito difícil discutirmos sobre os fatos”, falou o advogado da família de Rogério, Marcelo Martins Oliveira.

 

Presos na operação hashtag são condenados com base na Lei de Terrorismo

A Lei de Terrorismo sancionada em 2016 foi a base para a condenação de oito réus presos na operação hashtag. Todos haviam sido presos preventivamente pouco antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016 e foram apenados, entre outros crimes, por promoverem a recrutamento de pessoas para o Estado Islâmico, organização terrorista com forte presença no Oriente Médio e que faz atentados terroristas ao redor do mundo.

O juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal do Paraná, explicou que os réus criaram comunidades virtuais no Facebook e em aplicativos de mensagens instantâneas para debater sempre o mesmo tema: a supremacia de uma visão sectária da religião islâmica, a crença de que a imposição da ‘sharia’ tal como proclamado pelos integrantes do autodenominado Estado Islâmico deve se dar à força, inclusive mediante ações de destruição em massa de indivíduos, raça ou propriedade; o desprezo e a discriminação de quem integre grupo com visões de mundo, étnica, religiosa, estética ou sexual distintas.

Em sua defesa, os réus disseram que nunca tiveram a intenção de colocar na prática o que era debatido na internet. Porém, o Josegrei discorda: “Há elementos indicativos fortes de que estavam associados com sentimento de permanência para, não fosse a intervenção policial, o cometimento de crimes”.

Condenados
Foram condenados Leonid El Kadre de Melo (15 anos de reclusão, sendo 13 anos em regime inicial fechado); Alisson Luan De Oliveira (seis anos de reclusão, sendo cinco em regime inicial fechado); Oziris Moris Lundi dos Santos Azevedo (seis anos de reclusão, sendo cinco em regime inicial fechado); Levi Ribeiro Fernandes De Jesus (seis anos de reclusão, sendo cinco em regime inicial fechado); Israel Pedra Mesquita (seis anos de reclusão, sendo cinco em regime inicial fechado); Hortencio Yoshitake (6 anos de reclusão, sendo cinco em regime inicial fechado); Luis Gustavo de Oliveira (seis anos de reclusão, sendo cinco em regime inicial fechado); e Fernando Pinheiro Cabral (cinco anos de reclusão em regime inicial fechado).

Greve de fome
 a advogada Zaine Alcadre, que defende Leonid El Kadre de Melo, afirmou que vai recorrer da sentença. Ela afirma que seu cliente está em greve de fome e que foi condenado sem mesmo que o inquérito estivesse encerrado.

Prerrogativas violadas
Em julho de 2016, quando os agora condenados foram presos preventivamente, a Defensoria Pública relatou uma série de violações das prerrogativas da defesa. O órgão afirmou que depoimentos foram colhidos sem a presença dos advogados e que os réus eram mantidos em prisões federais para impedir o contato entre preso e advogado.

Por meio da Portaria 4/2016, do Ministério da Justiça, os suspeitos tiveram seu direito de defesa severamente cerceado. A norma estabelece que os profissionais só podem ter contato com seus clientes uma vez por semana e apenas por um advogado constituído.

Além disso, os advogados estão proibidos de transmitir informações que não têm relação direta com o “interesse jurídico processual do preso” de forma verbal, escrita ou por qualquer forma não audível, “inclusive mímica”.

Reação da classe
As restrições impostas aos advogados provocaram reações da classe. O Instituto dos Advogados Brasileiros afirmou que a portaria é uma “genuína expressão do abuso de poder”. Por meio de nota assinada pelo presidente Técio Lins e Silva, a entidade afirmou que a medida “cerceia o livre exercício da profissão de advogado” e defendeu que a assistência jurídica não pode ser negada “sob nenhuma justificativa, independentemente da gravidade da infração”.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pediu ao então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, hoje no Supremo Tribunal federal, que alterasse a portaria que limita o acesso de advogados em presídios federais para defender seus clientes. Claudio Lamachia, presidente da OAB, afirma que essas regras provocam o cerceamento do regular exercício profissional e violam o Estatuto da Advocacia. E que a portaria não pode revogar dispositivos de uma lei federal, como é o caso do estatuto, que garante ao advogado o direito de se comunicar com seu cliente, mesmo sem procuração nos autos. O Ministério da Justiça anulou a portaria.