Operação Rosa dos Ventos: empresários são denunciados pelo MPF por lavagem de dinheiro e sonegação

Organização criminosa teria sonegado R$ 366 milhões por meio de duas empresas; lavagem de dinheiro soma outros R$ 64,5 milhões em apenas uma denúncia

O Ministério Público Federal em Campinas (SP) ofereceu nova denúncia contra o empresário Miceno Rossi Neto, de 54 anos, desta vez por lavagem de dinheiro. Dono de diversas empresas do ramo de produção e distribuição de álcool combustível, o empresário vendia o produto mais barato aos postos de combustíveis graças a um complexo esquema de sonegação de impostos, segundo investigado na Operação Rosa dos Ventos, deflagrada em agosto pelo MPF, Polícia e Receita Federal.

Na primeira denúncia oferecida pelo MPF contra Rossi Neto pelo crime de lavagem, a procuradoria detectou um sofisticado esquema de branqueamento de capitais criado pelo advogado Marco Antonio Ruzene que envolvia a propositura de execuções (ações de cobrança) de títulos extrajudiciais entre empresas encabeçadas por testas-de-ferro remunerados ou laranjas do grupo, utilizando documentos falsos que atestavam supostas dívidas milionárias.

Contudo, o MPF demonstrou na denúncia – que narra em detalhes duas dessas ações propostas na Justiça Estadual de Campinas -, que as operações visavam somente a transferência e a ocultação da real propriedade de dinheiro e bens das inúmeras empresas de Rossi Neto, uma vez que todas as empresas envolvidas nas ações baseadas em documentos falsos eram, de fato, propriedade do empresário, que atualmente responde ao processo em liberdade.

Esta é a terceira denúncia contra Rossi Neto, acusado em setembro de 2017 de ter sonegado R$ 693 milhões por meio da Euro Petróleo e outras duas empresas do grupo.

Além do empresário e do advogado, respondem à ação Vuk Vanderlei Ilic e Áureo Demétrio da Costa Júnior, que assinam vários dos documentos falsos utilizados nas duas ações, e o testa-de-ferro Fábio Mendes França e o empresário João Batista Bisco.

Legislação facilita – Segundo a denúncia, o esquema investigado na Operação Rosa dos Ventos se beneficia da legislação que prevê a tributação do álcool combustível. Pela lei, 33% do valor de venda do álcool pelas distribuidoras aos postos deve ser convertido em tributos, o que abre caminho para inúmeras fraudes que permitem a sonegação e a posterior lavagem de recursos.

De acordo com o apurado na operação, o grupo de Rossi Neto lavou dinheiro por meio de seis métodos diferentes: I) transferência de recursos entre as diferentes empresas da organização criminosa; II) abertura de empresas em nome de laranjas e testas-de-ferro; III) participação de fundos de investimento; IV) aquisição de debêntures de empresas abertas em nome de laranjas; V) aquisição de bens em nome de terceiros e VI) execuções judiciais fundadas em documentos falsos.

A denúncia oferecida contra Rossi Neto e os demais acusados trata somente dessa última modalidade de lavagem.

Uma das ações baseadas em documentos falsos foi proposta em 2014. Nela, a empresa América Cobrança exigiu milhões de reais das empresas Kler do Brasil, Usina Santa Mercedes e Usina São Paulo, todas pertencentes de fato à Rossi Neto.

Ao final do processo, foram movimentados entre as empresas um total de R$ 54 milhões, mas toda a ação de execução é baseada num Instrumento particular de Confissão de Dívida ideologicamente falso, que não foi registrado em cartório, não tem firma reconhecida e que pode ter sido preparado a qualquer momento, visando somente a propositura da ação.

O mesmo esquema foi empregado em outra ação de execução, proposta em 2013, pela NA Fomento contra as usinas demandadas na primeira ação, a Kler e a Capital Brasil. Neste segundo caso, foram movimentados mais R$ 10 milhões entre as empresas. Novamente, a execução judicial foi baseada em documentos sem nenhum lastro de fidedignidade.

Rossi Neto e os demais acusados são denunciados pelo crime de lavagem de dinheiro reiterada cometida por organização criminosa. Com estes agravantes, caso condenados, os acusados podem receber penas de 3 a 16 anos de prisão.

Sonegação – Na segunda denúncia, o MPF acusa a mulher de Rossi Neto, Cláudia Martins Borba Rossi, e o testa-de-ferro José Damasceno Cordeiro Filho, de sonegarem R$ 17,7 milhões de imposto de renda, PIS e Cofins nas declarações da empresa Tamar Empreendimentos e Participações nos anos de 2011 e 2012, gerando uma dívida com a Receita Federal de R$ 48 milhões.

Na terceira denúncia, o MPF acusa o irmão de Rossi Neto, Adriano Rossi e Sidônio Vilelva Gouveia, controladores oficiais da empresa Tux Distribuidora de Combustíveis, e a contadora Eliane Leme Rossi, de terem montado um esquema de sonegação de PIS e Cofins entre os anos de 2005 e 2008, no valor de R$ 64 milhões. Com juros e multas, a dívida com o Fisco é de R$ 318 milhões.

Em ambos os casos de sonegação, os acusados são denunciados por dezenas de reduções de imposto com o agravante de grave dano à coletividade e pedido para aplicação do princípio do crime continuado. Com isso, as penas dos acusados, caso condenados, podem variar de 2 a 12 anos de prisão.

Referência: Processo nº 0005817-82.2016.403.6105

Juiz do caso Americanas é investigado por corrupção

O Monitor do Mercado teve acesso a documentos que mostram acusações graves envolvendo o juiz e até mesmo administradores judiciais nomeados por ele para a Americanas

O juiz responsável pela recuperação judicial da Americanas — após a empresa encontrar um rombo de pelo menos R$ 20 bilhões em suas contas — é acusado de participar de um esquema de corrupção, que, segundo o Ministério Público, tem características típicas dos casos de lavagem de dinheiro.

O magistrado Paulo Assed Estefan, titular da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, aprovou, na última quinta-feira (19), a recuperação judicial da Americanas (AMER3), com dívida declarada de R$ 43 bilhões. A decisão foi tomada poucas horas depois de a empresa fazer o pedido à Justiça.

O instituto da recuperação serve para travar cobranças, facilitar as negociações e permitir à empresa colocar-se de volta nos trilhos.

Monitor do Mercado teve acesso a documentos que mostram acusações graves envolvendo o juiz, em processo que corre no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

As denúncias contra Paulo Estefan apontam que ele privilegiaria amigos e parentes na hora de nomear administradores para empresas em recuperação judicial.

O administrador judicial é responsável por fiscalizar os atos da empresa em recuperação e por fazer com que o plano de recuperação judicial seja cumprido, da forma que foi acordado com os credores. Ele é nomeado pela Justiça e recebe (normalmente bem) para isso.

Acontece que um dos administradores judiciais nomeados para atuar em casos julgados por Estefan é casado com uma sócia do filho do próprio juiz em pelo menos três empresas (uma distribuidora de bebidas, um restaurante e uma companhia de delivery).

As investigações apontam uma “inexplicável e promíscua relação empresarial ligando membros da família do magistrado e a própria esposa de um administrador judicial em atuação perante a Vara Empresarial [da qual Estefan é titular]”.

Para o Ministério Público, as investigações têm circunstâncias típicas de crimes de lavagem de capitais e outros delitos.

Nenhuma das três empresas nas quais a esposa do administrador judicial e o filho do juiz possui empregados cadastrados, indicando que são “empresas de papel”, comumente usadas para “justificar” um aumento de patrimônio que seus sócios não podem declarar legalmente, diz documento do Ministério Público, acessado pelo Monitor do Mercado.

A acusação detalha transações financeiras do administrador judicial em questão e de sua esposa que seriam incompatíveis com seus ganhos. São cifras milionárias. “Não faltam elementos que indiciem a prática dos ilícitos apurados”, afirma o MP.

Caso aberto

As investigações levaram à abertura de dois procedimentos contra o juiz. Um deles foi arquivado. O outro chegou a ser arquivado por um “erro de sistema”, mas voltou a andar em outubro, por determinação do Corregedor Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, e segue em curso.

O ex-corregedor-geral de Justiça do TJ-RJ, Bernardo Garcez, responsável pelas investigações que deram início aos processos, diz ter encontrado vários “indícios de irregularidades nos relacionamentos entre magistrados, administradores judiciais, escritórios de advocacia e, especialmente, participação de esposas e filhos de juízes em empreendimentos mercantis associados a esposas e advogados que operavam nas varas onde os juízes eram titulares”.

Além disso, explica Garcez, existem investigação criminais contra Estefan e outros juízes investigados pelo mesmo motivo, que ainda tramitam no Órgão Especial do TJ-RJ.

Ao Monitor do Mercado, um advogado que atuou no caso arquivado, representando outro juiz acusado, aponta que foi declarada a nulidade de todas as investigações iniciadas contra os juízes, porque o CNJ teria constatado “inúmeras ilegalidades cometidas pelo então Corregedor-Geral do TJ-RJ, em especial (i) a ampliação indevida do escopo de um mero processo administrativo que possuía como objeto a melhoria na gestão de uma Vara Empresarial, e (ii) a atuação parcial e maliciosa, numa especulativa perseguição contra os magistrados e seus familiares”.

Em resposta a pedido de informações e entrevista, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirma que não pode comentar o caso que ainda corre, pois ele está em segredo de Justiça. 

A corte fez questão de reafirmar que o outro caso foi arquivado por problemas em sua origem e de ressaltar o currículo de Paulo Assed.

“O juiz Paulo Assed Estefan faz parte, como integrante eleito, aprovado por unanimidade, do FONAREF- Fórum Nacional de Recuperações Empresariais e Falências do próprio Conselho Nacional de Justiça, que tem por objetivo fiscalizar e elaborar estudos, além de propor medidas para o aperfeiçoamento da gestão de processos de recuperação judicial”, afirma nota do tribunal ao Monitor do Mercado.  

O desembargador Bernardo Garcez, corregedor à época das primeiras investigações,  já negou publicamente as acusações de que a investigação tenha sido problemática e aponta a existência das outros processos em curso como prova de que o caso é real.

Administradores judiciais da Americanas

No caso das Americanas, o juiz Paulo Estefan nomeou como administradores judiciais, para atuarem já durante o período da cautelar, a empresa Preserva-Ação, na pessoa de seu sócio administrador Bruno Rezende, e o Escritório de Advocacia Zveiter.

A nomeação do mesmo Bruno Rezende já fez a Justiça suspender, temporariamente, outro caso julgado por ele — e de grande interesse de investidores—: a recuperação judicial da João Fortes Engenharia (JFEN3).

Há pouco mais de dois anos, a recuperação da construtora, foi suspensa pela segunda instância da Justiça do RJ, porque os honorários a serem pagos para o administrador, seriam “excessivos”. Rezende receberia R$ 9,7 milhões. O Ministério Público sugeria que o valor justo seria bem menor: R$ 1,9 milhão.

O caso voltou a andar e a empresa continuou na função de administradora.

O outro escritório nomeado como administrador judicial da Americanas tem como um de seus sócios Sérgio Zveiter, ex-deputado, acusado de receber caixa 2 da chamada máfia dos transportes do Rio de Janeiro, na delação de Lélis Teixeira, ex-presidente da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro). Na mesma delação, ele diz pagar propina para nove desembargadores do TJ-RJ.

Entenda o caso Americanas

Quem tinha R$ 1 mil reais em ações da Americanas (AMER3) no início do dia 12 de janeiro foi dormir com menos de R$ 96 na conta, no fim do dia. Os papéis perderam 76% do seu valor em poucas horas de negociação.

A Bolsa bem que tentou segurar, suspendendo as negociações das ações por boa parte do dia, para acalmar os ânimos, mas a queda brutal no preço vai entrar para a história do mercado de capitais brasileiro, num mau sentido.

Tudo começou na noite de quarta-feira (11), quando a empresa emitiu um comunicado ao mercado, afirmando que fora detectado um rombo estimado em R$ 20 bilhões em suas contas.

E R$ 20 bilhões não desapareceram da noite para o dia. A empresa afirmou serem inconsistência em lançamentos ao longo de anos. Se não bastasse a cifra bilionária, a informação levou investidores a se questionarem se não há outros “esqueletos no armário”, ou seja, erros até então não encontrados.

No mesmo documento, a Americanas anunciou a renúncia de Sergio Rial ao cargo de CEO e de André Covre à posição de CFO e Diretor de Relações com Investidores. Os executivos estavam há 9 dias no cargo.

Corrida pelo dinheiro

Dias antes de aceitar o pedido de recuperação judicial da Americanas, na sexta-feira (13), Estefan já havia determinado que fosse suspensa toda e qualquer possibilidade de bloqueio, sequestro ou penhora de bens da empresa, assim como adiou a obrigação da companhia de pagar suas dívidas até que um provável pedido de recuperação judicial fosse feito à Justiça. O único banco credor que conseguiu uma decisão para “pular” esse bloqueio antes do início da recuperação foi o BTG Pactual.

O banco, que tem cerca de R$ 1,2 bilhão a receber da empresa, afirmou que ao ir à Justiça pedir tal blindagem, a rede agiu como um menino que, “após matar o pai e a mãe, pede clemência aos jurados por ser órfão”.

Todo o imbróglio, dentro e fora do Judiciário, não tem agradado em nada os investidores. As ações AMER3, que custavam R$ 11,80 no último dia 11, hoje já são negociadas abaixo de R$ 0,90.

Quem paga a conta?

A insegurança dos investidores reflete também na auditoria responsável por aprovar as contas da empresa. Como mostrou reportagem do Monitor do Mercado, os balanços foram aprovados “sem ressalvas” pela PricewaterhouseCoopers, ou PwC.

Entre as maiores do mundo, ela também “deixou passar” em suas auditorias as fraudes e desvios da Petrobras, descobertos na operação ‘lava jato’; e a situação insustentável da Evergrande, que colapsou o mercado imobiliário chinês.

Ela é uma das chamadas “Big Four”, ou seja, as quatro maiores auditorias do mundo, que são responsáveis por analisar as contas de quase todas as empresas que têm ação em Bolsa. E especialistas afirmam que elas podem ser responsabilizada por prejuízos causados a investidores, se ignoraram problemas nas contas.

Ao Monitor do Mercado, o presidente da Abradin (Associação Brasileira dos Investidores), Aurélio Valporto, disse já estudar medidas cabíveis junto à CVM e ao Ministério Público para apurar a responsabilidade dos auditores, e controladores (atuais e anteriores) no prejuízo que investidores terão.
 
“A primeira coisa que me chamou a atenção foi a absoluta incompetência dos auditores. Este fato lesa enormemente o patrimônio dos investidores e mina a credibilidade do mercado de capitais nacional”, afirma Valporto.

Também ouvidos pelo Monitor do Mercado, advogados especialistas na área de mercado de capitais apontam que a Americanas deve ter um longo e difícil caminho de disputas com seus investidores.
 Pedro Almeida, especialista em Contencioso Empresarial e Arbitragem no GVM Advogados, afirma que a responsabilização dos diretores e conselheiros é bem provável neste caso, mas dificilmente será suficiente para cobrir os prejuízos sofridos pelos investidores.
 
Como a legislação brasileira, ao contrário da estadunidense, não prevê a responsabilidade da própria companhia por danos causados pela sua administração, uma alternativa é pleitear a responsabilização dos auditores independentes, por se tratar de uma questão contábil. “No exterior, existem alguns precedentes que permitem cogitar essa possibilidade”, diz Almeida.