Médico usou conta da mãe de 89 anos para receber dinheiro de propina, diz PF

Ibsen Trindade está preso na Casa de Prisão Provisória de Palmas, ele é apontado com um dos líderes de esquema de corrupção que fraudou licitações na Secretaria de Saúde.

O médico Ibsen Suetônio Trindade teria usado a conta bancária da mãe dele, de 89 anos, para receber dinheiro de propina. A informação está no relatório da Polícia Federal da operação Marcapasso, que investiga fraudes em licitações da Secretaria de Saúde. A Justiça interpretou o fato como uma tentativa de lavagem de dinheiro.

A PF não especificou se a mulher teria ou não conhecimento do esquema. A força-tarefa da operação chegou a pedir a condução coercitiva dela, mas o pedido foi negado. Na decisão que transformou a prisão de Ibsen em preventiva, ela é tratada pelo juíz federal João Paulo Abe como uma mulher ‘senil’, termo usado para pessoas idosas que sofrem de algum tipo de demência.

O outro médico apontado como líder do esquema, Andrés Gustavo Sánchez Esteva, também teve a prisão preventiva decretada. O juiz entendeu que os dois têm facilidade para destruir provas e fugir do país caso fossem soltos. Sánchez tem dupla nacionalidade, já que nasceu no Uruguai. A Justiça também aponta que os investigados têm influência sobre outros profissionais da área e o alto escalão do governo estadual.

O escândalo estourou na última terça-feira (7), quando agentes da PF prenderam Ibsen, Andrés e outras nove pessoas, a maioria médicos. A investigação aponta que pacientes foram submetidos a diversas cirurgias cardiológicas sem necessidade. O objetivo seria a utilização de órteses, próteses e materiais especiais adquiridos de forma fraudulenta e com superfaturamento.

Os outros investigados foram liberados pela Justiça após pagamento de fiança. A defesa de Ibsen e Andrés tentou argumentar que eles não poderiam ficar presos porque são os únicos especialistas em cateterismo de Palmas, mas o juiz identificou pelo menos outros três médicos que poderiam fazer os procedimentos na capital.

A defesa dos dois médicos informou que vai recorrer da decisão e disse que ainda não teve acesso completo aos autos do processo para rebater todas as acusações.

O esquema

A decisão da Justiça que autorizou os mandados de prisão e de busca e apreensão diz que os próprios médicos passavam para a empresa fornecedora uma planilha com a quantidade de cirurgias realizadas, materiais utilizados e o valor mensal a ser recebido como propina.

“Mensalmente pagava em média o valor de R$ 80, R$ 90 e até R$ 100 mil para três cardiologistas”, diz trecho da delação dos empresários Antônio Bringel e Cristiano Maciel à Polícia Federal.

A empresa deles, a Cardiomed, disponibilizava os materiais para procedimentos médicos de urgência realizados nas dependências da Intervcenter, tanto para pacientes do SUS, quanto para pacientes do Plansaúde.

“Quando era utilizado algum dos OPMEs [órteses, próteses e materiais especiais] em procedimento cirúrgico emergencial, a empresa notificava a Cardiomed acerca da utilização do material e esta, por sua vez, emitia a nota fiscal”, diz trecho da decisão.

Ainda segundo as investigações, o valor dos materiais era superfaturado e junto com a nota fiscal era emitido um boleto para pagamento com “desconto”. Esse desconto era “exata e precisamente, o valor da propina que era repassada para a Intervcenter, para que fossem repartidas entre os sócios deste centro médico.”

Os delatores forneceram 350 notas fiscais à polícia, sendo que totalizaram o valor de R$ 3.724.696,03, dos quais, R$ 1.698.125,72 seriam de pagamento das vantagens indevidas aos médicos integrantes do esquema, entre 2010 a 2016.

Os investigados que ocuparam cargos públicos também são suspeitos de receber propina para direcionar as licitações e compras dos materiais, além de utilizar equipamentos da rede pública em suas próprias clínicas e hospitais.

A soma do dinheiro que teriam recebido indevidamente é de R$ 4,5 milhões. Diante disso, a Justiça Federal determinou o bloqueio de mais de R$ 7,2 milhões em bens dos suspeitos.

Polícia Federal prende médicos suspeitos de corrupção no Tocantins

A Polícia Federal realiza, nesta terça-feira, 07, no Tocantins e em outros nove estados, uma operação para desarticular uma organização criminosa acusada de fraudar licitações para a compra de equipamentos hospitalares conhecidos como OPMEs (sigla para órteses, próteses e materiais especiais). O grupo, formado por médicos, empresários e servidores da Secretaria de Estado da Saúde, superfaturava a aquisição dos insumos. 

A “Marcapasso”, como foi batizada a ação, cumpre 137 mandados judiciais expedidos pelo juiz federal da 4ª Vara Federal Criminal de Palmas, João Paulo Abe. São 12 mandados de prisão temporária, 41 mandados de condução coercitiva contra empresários e 84 mandados de busca e apreensão, no Tocantins, Distrito Federal, São Paulo, Goiás, Paraná, Bahia, Ceará, Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Mais de 300 policiais participam da operação. 

Os mandados de prisão são contra 11 cardiologistas e um representante comercial. Já as ordens de condução coercitiva têm como alvos, entre outras pessoas, um ex-titular da Sesau, o ex-secretário municipal da Saúde da capital, Luiz Teixeira, o pai do governador Marcelo Miranda (PMDB), Brito Miranda e alguns médicos como Charlston Cabral Rodrigues. A Justiça Federal determinou o bloqueio de mais de R$ 7,2 milhões dos suspeitos. 

As pessoas envolvidas no esquema criminoso poderão responder por corrupção passiva e ativa, fraude à licitação, associação criminosa e outros crimes.

Os investigados que tiveram a prisão decretada são: Andrés Gustavo Sánchez Esteva, Antônio Fagundes da Costa Júnior, Carlos Alberto Figueiredo Novo, Fábio D’ayala Valva, Fernando Motta, Genildo Ferreira Nunes, Ibsen Suetônio Trindade, Leandro Richa Valim, Marco Aurelio Vilela Borges de Lima, Silvio Alves da Silva, Rafael Iassuda de Oliveira e Henrique Barsanulfo Furtado

Apenas o médico Fernando Motta não foi localizado. Um segundo investigado não foi preso porque está fora do país e um terceiro porque encontra-se no interior do estado. 

Investigações

De acordo com a PF, a investigação teve início em 2016, quando os sócios de uma empresa de produtos médicos e hospitalares foram presos em flagrante por terem, na qualidade de proprietários da empresa, fornecido à Secretaria de Saúde do Tocantins produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, cujos prazos de validade de esterilização se encontravam vencidos. Os empresários delataram a existência da máfia das próteses. 

Ao longo das investigações, a polícia descobriu um vasto esquema de corrupção destinado a fraudar licitações no estado, mediante o direcionamento de processos licitatórios. A polícia diz que o esquema montado possibilitava o fornecimento de vantagens ilícitas a empresas, médicos e empresários do ramo, bem como a servidores da Sesau.

O Ministério Público Federal explica que os médicos envolvidos atuavam em paralelo com os setores de compras da secretaria, providenciando pareceres técnicos em pregões presenciais, que tinham por função eliminar empresas não alinhadas ao grupo, na compra de OPMEs. Confirmada a contratação da empresa visada, o ganho de capital proporcionado pelo superfaturamento (as órteses, próteses e materiais especiais adquiridos apresentavam valor superior ao de mercado), era dividido com os cardiologistas. Estima-se que eles tenham recebido cerca de R$  4,5 milhões para participar do esquema. 

Na decisão que determinou a prisão dos médicos, o juiz federal João Paulo Abe cita que os cardiologistas investigados chegavam a usar equipamentos do Hospital Geral de Palmas em clínicas particulares. É o caso de um aparelho de hemodinâmica do HGP, que serve para identificar obstruções das artérias ou avaliar o funcionamento das válvulas e do músculo cardíaco.

O MPF também identificou fraudes em pagamentos do PlanSaúde. Conforme apurado, o plano de saúde pagava para o médico um valor x, mas o profissional repassava para a empresa prestadora de serviço uma quantia inferior. Essa diferença era o valor da propina. 

Brito Miranda

Brito Miranda, pai do atual governador, Marcelo Miranda, é investigado na Operação Marcapasso por suposto tráfico de influência. Ele foi conduzido coercitivamente à sede da Superintendência da PF, em Palmas, e está proibido de ter acesso a qualquer órgão público do Poder Executivo do Estado, sob pena de decretação da prisão preventiva.

Nome da operação

Segundo a PF, o nome da operação é uma alusão a um dos itens mais simbólicos e conhecidos da área de cardiologia, o marcapasso.

Governo do Tocantins

Em nota, a Secretaria de Estado da Comunicação Social afirmou que os órgãos da administração estadual estão colaborando com as investigações da operação Marcapasso. “Sobre o envolvimento de médicos e outros servidores públicos no esquema, a Secretaria da Comunicação esclarece que vai esperar o fim das investigações para tomar as providências em relação àqueles que, por ventura, tiverem a participação comprovada”, destacou a nota da Secom.

CRM

O Conselho Regional de Medicina do Tocantins declarou que não foi informado oficialmente da investigação e lamentou o envolvimento de médicos no esquema. O CRM disse que espera que a Justiça cumpra o seu papel caso sejam confirmadas as ilegalidades. 

Outro lado

A defesa de Carlos Alberto Figueredo Novo declarou que vai provar a inocência do médico em juízo e que as alegações feitas são “inverídicas e infundadas”, uma vez que o cardiologista sempre atuou em ajuda à população.

Os médicos Silvio Alves da Silva e Antônio Fagundes da Costa Junior também negaram envolvimento no esquema investigado pela Polícia Federal e disseram que prestaram todos os esclarecimentos necessários em depoimento ao delegado responsável pelo caso.

O advogado de Charlston Cabral Rodrigues, Rodrigo Dourado Berlamino, informou que não há provas da participação do seu cliente no esquema e criticou a condução coercitiva do médico. Rodrigues diz que a verdade será esclarecida e que é pouco provável que haja denúncia com as provas que há no inquérito da PF.  

REDE TO busca contato e aguarda resposta de outros investigados na Operação Marcapasso. O espaço está aberto para que eles possam se manifestar. O email para envio de notas é [email protected]