CNJ pune juiz Marcos Scalercio, acusado de assédio sexual contra mulheres em SP, com aposentadoria compulsória

Defesa diz que decisão ignorou testemunhas favoráveis e que tomará medidas cabíveis. Magistrado foi afastado das funções e continuará recebendo salário de mais de R$ 32 mil. Caso foi revelado em 2022 pelo g1 após vítimas procurarem ‘Me Too’ e ‘Justiceiras’.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, puniu nesta terça-feira (23) o juiz Marcos Scalercio com aposentadoria compulsória após ele ter sido acusado de assédio sexual e importunação sexual contra ao menos três mulheres em São Paulo.

Segundo as vítimas, os crimes ocorreram em 2014, 2018 e 2020. Elas são: uma aluna do cursinho Damásio, uma funcionária do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) e uma advogada.

Os casos foram revelados em agosto de 2022 pelo g1 após as mulheres procurarem a organização que combate o assédio contra mulheres Me Too Brasil e o Projeto Justiceiras.

O magistrado, que era juiz substituto do TRT-2, sempre negou as acusações por meio de sua defesa. O magistrado estava afastado de suas funções desde setembro do ano passado pelo CNJ. O órgão havia aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) à época para apurar as denúncias feitas pelas mulheres.

Nesta manhã, Scalercio foi julgado pelo Conselho Nacional de Justiça. A sessão foi transmitida ao vivo pelo site da entidade. Os membros do órgão votaram o relatório final do PAD feito pela juíza Salise Monteiro Sanchotene. Ela sugeriu a aposentadoria compulsória como punição a Scalercio. No entendimento dela há indícios de que os assédios ocorreram.

“A condução desse processo levou exclusivamente às informações prestadas pelas três vítimas”, disse Salise durante sua fala no CNJ. Ela também informou ter possibilitado a defesa que se manifestasse durante o PAD.

Por meio de nota, a defesa de Scalercio afirmou que a decisão do CNJ “certamente não se fundou na análise das provas e ignorou as testemunhas favoráveis à defesa” e que “serão tomadas as medidas cabíveis” após a publicação do acórdão.

Segundo a juiza Salise Monteiro Sanchotene, “é a análise de todo conjunto probatório que produz a convicção do julgador” e “a palavra das vítimas têm relevância”. “Entendo cabível a pena de aposentadoria compulsória”, concluiu.
Por unanimidade, os 14 conselheiros que votaram decidiram punir Scalercio com aposentadoria compulsória. Uma conselheira não pôde votar por se considerar impedida por já ter julgado questões anteriores do mesmo caso contra o magistrado, mas no TRT-2, em São Paulo.

“Se esse juiz é tarado a esse ponto, a pena de aposentadoria compulsória é pouca”, disse o conselheiro e advogado Marcello Terto e Silva em seu voto a favor da punição de aposentaria compulsória.

Salário de mais de R$ 30 mil

Com essa decisão do CNJ, Scalercio deixará a função de juiz e passará a receber a aposentadoria proporcional, que será calculada pelo tempo de serviço. Para isso, o salário dele será usado como base de cálculo. Segundo o site do TRT-2, um juiz substituto ganha, em média, salário de mais de R$ 32 mil mensais.

A aposentadoria compulsória é considerada a punição mais grave na magistratura. Outras punições previstas são: disponibilidade (não trabalha e fica afastado, mas é limitado a um período de tempo), remoção para outra unidade, censura ou advertência.

Segundo a assessoria de imprensa do CNJ, os conselheiros que votaram são representantes do Poder Judiciário (um colegiado da Justiça estadual, federal e tribunais superiores), do Ministério Público (MP), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e membros do Senado e da Câmara. A atual presidente do conselho é a ministra Rosa Weber, integrante do Superior Tribunal Federal (STF).

“O voto da desembargadora Salise é pioneiro”, disse Rosa, que votou pela aposentadoria compulsória de Scalercio. “O que mais me dói nesse processo, a partir de tudo quanto se viu, as atitudes eram adotadas e se invocava a condição de magistrado: ‘eu posso por que sou juiz'”.

‘Que sirva de exemplo’, diz vítima após resultado

Procurada pelo g1 para comentar a decisão do CNJ, uma das vítimas, a funcionária do TRT-2, falou como se sentiu ao saber da punição de Scalercio.

“Estava acompanhando. Muito emocionada. O CNJ deu a resposta. Assim como a ministra Rosa disse, não há como sair feliz de uma situação como essa, mas houve uma efetiva apuração e uma resposta do CNJ. Que sirva de exemplo para evitarmos novos casos. Que o Judiciário saiba acolher as vítimas”, disse a funcinária do TRT-2. “Fiquei muito emocionada com o voto da Relatora e de todos os conselheiros. Foram sensíveis.”
“A sua exclusão da atividade jurisdicional [de Scalercio], pelo CNJ, preserva a magistratura, pois esse tipo de comportamento afeta a imagem da imensa maioria de juízes que atuam de modo correto e ético”, disse à reportagem o advogado José Lúcio Munhoz, que defende os interesses da funcionária do TRT-2.

“Muito satisfeita. Satisfeita com a resposta que o CNJ deu para toda a sociedade brasileira, pra todas as pessoas que são servidoras públicas. E dizendo de forma nítida que ninguém está acima da lei. É um julgamento paradigmático [no qual] foi aplicado o protocolo com perspectiva de gênero para garantir a subjetividade das vítimas e levem em consideração toda a estrutura de país que a gente tem, que sim é machista e misógino”, disse Luanda Pires, uma das diretoras do Me Too Brasil, ONG que acompanha juridicamente algumas das mulheres que denunciaram o magistrado.

“Agora ele vai ser aposentado com provento ajustado ao tempo de serviço. Vai ter que esperar 3 anos para conseguir advogar. Mas espero que a OAB declare a falta de idoneidade dele para a advocacia”, falou Luanda.

O advogado Leandro Raca, que defende Scalercio, negou todas as acusações quando foi fazer a sustentação oral no CNJ. Ele defendeu que se houvesse punição, ela fosse a de advertência ou censura. Mas seu pedido não foi aceito por nenhum dos conselheiros.

“O magistrado a teria beijado à força. Tal fato não ocorreu”, disse Raca sobre uma das acusações. “O que se pede aqui é aplicação se o caso, aplicação de pena proporcional de advertência ou censura”.
Denúncias são de 2014, 2018 e 2020

Nesse PAD que respondia no conselho, Scalercio foi acusado por uma então aluna do cursinho Damásio Educacional (voltado a estudantes de direito, onde ele dava aulas como professor); uma funcionária do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e uma advogada que o conheceu pelas redes sociais.

A ex-estudante do Damásio contou que foi atacada pelo professor quando o encontrou numa cafeteria em 2014. A funcionária do TRT-2 falou que foi assediada dentro do gabinete do magistrado no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em 2018. E a advogada disse que o juiz a importunou pelas redes sociais dele na internet, em 2020.

Todas as três mulheres acima já deram seus depoimentos ao CNJ. Elas foram ouvidas por videoconferência diretamente do TRT-2, que tem sua sede em São Paulo. Contaram por mais de 4 horas que foram abordadas sexualmente por Scalercio sem o consentimento delas.

Além disso, 15 testemunhas foram indicadas para serem ouvidas, sendo oito arroladas pelo Ministério Público Federal (MPF) e mais sete pela defesa do juiz.

Em dezembro de 2022, Scalercio foi interrogado presencialmente por mais de 4 horas, também no TRT-2, na capital paulista. Naquela ocasião, o magistrado voltou a negar as acusações de que cometeu crimes sexuais contra as mulheres.

TRT-2

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região abriu em fevereiro de 2023 um outro PAD, este no âmbito do TRT-2 em São Paulo, para investigar o juiz e professor Scalercio por novas denúncias de assédio e importunação sexual contra mulheres.

Além disso, ele responde a uma Reclamação Disciplinar (RD) no mesmo órgão também por acusações de crimes sexuais contra vítimas do sexo feminino. Até a última atualização desta reportagem, o TRT-2 não havia informado os resultados do PAD e do RD contra Scalercio.

As apurações são feitas pela Corregedoria do Tribunal. Entre as eventuais punições estão: aposentadoria, advertência e suspensão. Existe a possibilidade ainda que o magistrado seja considerado inocente, e o caso fique arquivado.

Pelo menos 22 mulheres, entre estudantes de direito e advogadas, decidiram denunciar o magistrado e docente após o g1 revelar, em agosto do ano passado, que outras vítimas o acusavam de violência sexual. Três delas levaram o caso ao Conselho Nacional de Justiça.

O Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no estado de São Paulo (Sintrajud-SP) acompanha o caso. “Esperamos uma apuração rigorosa. O ambiente de trabalho exige condições físicas, psíquicas e mentais para os trabalhadores, sendo inadmissível o assédio sexual denunciado. É preciso garantir condições de trabalho seguras para as trabalhadoras”, disse a advogada Eliana Lúcia Ferreira, do Sintrajud.

Mais de 90 mulheres acusam juiz

Os casos envolvendo o juiz e professor foram revelados em agosto de 2022 pelo g1. Mas eles chegaram inicialmente ao Me Too Brasil, movimento ligado ao Projeto Justiceiras. Os órgãos prestam assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual e haviam levado as denúncias contra Scalercio ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em São Paulo.

Em 2021, o TRT-2, decidiu, no entanto, por duas vezes, arquivar as acusações da Reclamação Disciplinar contra o magistrado. A alegação foi a de que não havia provas de que Scalercio assediou ou importunou sexualmente as três mulheres.

Mas após a repercussão dos casos na imprensa, o Me Too Brasil recebeu mais relatos de mulheres que acusam Scalercio de crimes sexuais. Até setembro, o movimento totalizava 96 denúncias. Seis delas o acusaram de estupro.

3 mulheres ouvidas pelo CNJ

Em 2022, o g1 e a TV Globo entrevistaram duas das três mulheres que acusam Scalercio de assédio e importunação sexual no Processo Administrativo Disciplinar aberto contra ele pelo Conselho Nacional de Justiça:

“Ele ficava falando de me levar livros até a minha faculdade e um dia simplesmente apareceu. Entrei no carro dele e nós fomos numa cafeteria próxima ao local, quando ele tentou me agarrar”, afirmou uma delas, que foi aluna dele no cursinho Damásio em 2014, em entrevista ao g1 e a TV Globo.
“Ele se levantou, veio perto da minha cadeira, se apoiou na minha cadeira e começou a tentar me beijar, me assustei e fui para trás com a cadeira. Mas ele forçava todo o corpo pesado nos meus braços, até que teve uma hora que ele fez menos força, e eu consegui me desvincular. Ele tentava me beijar e falava que ‘sabia que eu queria’ e, como não tinha câmeras no gabinete, eu podia ficar tranquila”, contou a servidora do TRT, também à reportagem, sobre o que ocorreu em 2018, segundo ela (veja vídeo acima).

A advogada falou ao Me Too que, em 2020, durante o início da pandemia de Covid, seguia o juiz e professor nas redes sociais dele. Ela disse que Scalercio puxou conversa e depois, sem qualquer motivo aparente, passou a perguntar sobre a vida sexual dela.

“Começou com conversas relacionadas às dúvidas, sendo solícito como professor, mas já partiu para uma conversa de cunho sexual”, disse a advogada. Como ela não deu bola, foi chamada por Scalercio de “assexuada”.

Justiça aceita denúncia e pastor investigado em Novo Hamburgo vira réu por estelionato

Advogados de defesa do religioso e do comparsa, que segue preso, alegam inocência

Polícia Civil / Divulgação

Dois veículos foram apreendidos no final do mês de julho

Justiça aceitou denúncia contra o pastor Abel Ruben Bueno, 37 anos, em um processo relacionado ao crime de estelionato. A denúncia do Ministério Público contra o religioso e o suposto comparsa, Juliano Luiz Casamalli, 35 anos, foi aceita pelo juiz da 3ª Vara Criminal de Novo Hamburgo, Ricardo Carneiro Duarte. A dupla teria prometido R$ 4 milhões às vítimas em troca do empréstimo de valores para resgatar uma herança que pertenceria a um familiar de Casamalli na China. Os advogados de defesa alegam inocência. 

Conforme a Polícia Civil, o prejuízo aos lesados teria sido de pelo menos R$ 280 mil. Os investigados são sócios de uma empresa de publicidade online inaugurada em maio do ano passado em Campo Bom. 

— Ao final do inquérito, solicitei a quebra do sigilo bancário e o bloqueio das contas para tentar ressarcir as vítimas — comentou o delegado Alexandre Quintão, que encerrou a investigação há 20 dias.  

A Polícia Civil havia solicitado ainda o bloqueio de contas de parentes e de empresas vinculadas à dupla. No entanto, o Ministério Público optou por garantir somente as movimentações dos acusados.

Os dois foram presos em 21 de julho no bairro São Jorge, em Novo Hamburgo. O pastor foi o primeiro a ser encontrado e, na sequência, segundo a polícia, Casamalli teria tentado escapar, mas acabou preso também. Em depoimento, à época, os dois negaram ter cometido os estelionatos. 

O pastor foi liberado da cadeia três dias após a prisão. Na decisão, o juiz considerou que o crime “não foi praticado com violência e o indiciado era primário”. Já Casamalli permanecia detido até esta sexta-feira (28) na Penitenciária Modulada Estadual de Montenegro. A defesa afirma que trabalha para conseguir a liberdade do cliente

Como funcionava o esquema 

O caso chegou à polícia em julho, quando um casal de fiéis suspeitou que estava sendo enganado. Os dois contaram ter sido vítimas de golpe cometido pelo pastor Abel Ruben Bueno e pelo comparsa Juliano Luiz Casamalli. O casal relatou que frequentava a igreja evangélica na qual o religioso atuava, no bairro Hamburgo Velho, e que há cerca de um ano havia sido convencido de que Casamalli, que se apresentava como filho de um empresário, tinha uma herança a receber. 

Por vezes, os dois teriam dito que o patrimônio, que pertenceria a um familiar na China, seria de R$ 2 bilhões e em outras, de até R$ 5 bilhões. Para conseguir ter acesso à fortuna, que estaria retida, no entanto, seria necessário pagar taxas, impostos e custear advogados. Conforme a polícia, não há nenhum indicativo de que a herança realmente existisse.

Essa família, segundo a polícia, entregou aproximadamente R$ 250 mil aos suspeitos, acreditando que em troca receberia R$ 4 milhões. Os fiéis e seus familiares, num total de cerca de 20 pessoas, foram ouvidos pelos policiais e entregaram os comprovantes das transações bancárias.

Após a prisão da dupla, outras pessoas procuraram a polícia e também relataram ter entregue dinheiro aos investigados. Durante a apuração do caso, dois veículos foram apreendidos, uma EcoSport e uma Tracker.  

Contraponto

A reportagem procurou os advogados dos réus. A defesa do pastor Abel diz trabalhar na produção de provas que comprovem a inocência de seu cliente. Leia a nota assinada pelo advogado Daniel Kessler de Oliveira enviada a GaúchaZH:

A defesa de Abel Rubem Bueno vem, por meio desta nota, responder ao questionamento realizado pelo Grupo RBS acerca da aceitação da denúncia pelo crime de estelionato, em face de seu cliente. A defesa esclarece que, em termos processuais, a aceitação de uma denúncia pelo juízo da vara criminal exige, apenas, a presença de indícios de materialidade de um crime e de autoria por partes dos Acusados com base nos atos de investigação, ou seja, representa um mero juízo de admissibilidade para ingresso em uma seara processual, na qual a partir da plena observância dos ditames legais, se produzirão as provas necessárias para o esclarecimento do feito e posterior julgamento.

Entende a defesa que os elementos indiciários, em que pese frágeis e produzidos unilateralmente, não apresentaram elementos que possam indicar a participação de Abel nos supostos delitos lá apurados. Todavia, a regra processual, faz com que rejeição de uma denúncia ou a absolvição sumária de um Acusado representem uma medida excepcional, que, aos olhos do juízo, não se fez presente nesse caso onde existem depoimentos e provas a serem produzidos sob a égide do processo penal e com a possibilidade da defesa, enfim, participar da produção probatória e esclarecer os fatos. 

Portanto, a defesa lamenta a exposição de Abel a um processo criminal, por fatos que não foram por ele cometidos, mas segue acreditando na realização de uma apreciação justa dos fatos e na produção de todos os elementos de provas que evidenciarão aquilo que Abel vem sustentando desde o seu primeiro depoimento: sua inocência.

Já a defesa de Juliano Luiz Casamalli afirma que o réu nega a autoria da acusação. Os advogados Rafael Noronha e Pablo Aboal garantem que os fatos serão “comprovados no decorrer do processo”. Leia a nota na íntegra: 

Juliano nega autoria da acusação. O caso deveria se tratar no âmbito cível, pois não houve o elemento fraude ou inadvertência dos envolvidos. As supostas vítimas inclusive o procuraram para ofertar auxílio, no intuito de receber benefício posteriormente. São pessoas instruídas, as quais tinham pleno conhecimento do ocorrido e detinham capacidade de averiguar tudo que lhe apresentaram. Tais fatos serão comprovados no decorrer do processo. Inclusive, não há comprovação da origem de inúmeros valores que teriam sido depositados a Juliano, o que terá que ser averiguado, ou seja, não há comprovação objetiva da suposta lesão. Neste momento se busca a soltura do Juliano pois preenche os requisitos que ensejaram o benefício a Abel. As investigações se encerraram e a acusação do Ministério Público é a mesma para ambos, o que reforça a necessidade de liberação de Juliano.

Empresário preso com Valter Araújo é condenado por outras fraudes
O Tribunal de Justiça de Rondônia negou seguimento a recurso especial apresentado pelo empresário José Miguel Saud Morheb, que tenta modificar condenação por fraude em concorrência no Detran, caso ocorrido há mais de 10 anos. Miguel ficou conhecido nacionalmente no final de 2011 quando foi preso, juntamente com o ex-deputado Valter Araújo, por formação de quadrilha e danos ao erário, descobertos na Operação Termópilas. Ele foi flagrado ainda afirmando que o pagamento de propina era investimento.
 
José Miguel Saud Morheb, o “Miguel ou Turco” é dono das empresas MAQ-SERVICE e RONDO SERVICE. Ele e os seus empreendimentos são apontados pelo Ministério Público do Estado como um dos braços econômicos que garantia impunidade à quadrilha comandada por Valter Araújo.
 
A decisão do Judiciário de Rondônia publicada no Diário Oficial nesta terça-feira, revela, no entanto, que as atividades ilícitas de José Miguel Saud Morheb são antigas no Detran. Ele tinha um parente na autarquia e, segundo a denúncia, criou uma nova empresa para ganhar dinheiro do órgão:
 
DESPACHO DO PRESIDENTE
nrº
 
Vistos.
 
José Miguel Saud Morheb interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, inc. III, a, da CF, alegando que o julgado de fls. 398/404 contrariou os arts.11, 12, II, da Lei 8.429/92, bem como contrário jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça por assim posicionar-se:
 
ACP. Cerceamento de defesa. Perícia. Licitação. Fraude.
 
Inexiste o cerceamento de defesa alegado, se demonstrada a intimação da data designada para a perícia e a indicação de assistente ténico.
Mantém-se a condenação, quando comprovado o ato improbo ante o evidente desrespeito aos princípios administrativos e a lesão ao erário.
 
É o relatório.
 
Decido.
 
Tratou-se de ação por ato de improbidade e ressarcimento ao erário proposta pelo Ministério Público em desfavor de Maurício Calixto, Célio Batista de Souza ME, José Miguel Saud Morheb, Célio Batista de Souza e Sandra Regina Gomes dos Santos, imputando a estes condutas improbas e reclamando sanções da Lei 8.429/92. O Juízo da 2º Vara da Fazenda Pública julgou procedente, em parte, o pedido inicial e condenou o recorrente José Miguel Saud Morheb nas sanções: I obrigação de ressarcimento dos valores indevidamente expropriado ao erário, no quantum apurado no laudo pericial, corrigido monetariamente; II vedação de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do Poder Público, direta ou indiretamente pelo prazo de 05 (cinco) anos; III multa civil fixada no valor correspondente a 02 (duas) vezes o valor do prejuízo apurado.
 
Interposta apelação este foi provida parcialmente apenas em relação ao pagamento da multa, pois entendeu-se que dentro do princípio da proporcionalidade e razoabilidade ser suficiente o pagamento do valor de 1 (uma) vez o valor do prejuízo apurado.
 
Daí o inconformismo do recorrente.
 
Pois bem.
 
plano se vê que a pretensão do recorrente quanto a alegação de violação ao art. 1.243 do CC esbarra no óbice da Súmula n. 7 do STJ. É que o Tribunal a quo firmou sua fundamentação na análise do conjunto fático-probatório constante dos autos, se lê do seguinte trecho do acórdão recorrido:
 
[…]
A prática do ato ímprobo é evidente.
O MP instaurou, no Centro de Atividades Extrajudicias, o Processo Administrativo n. 2002001060000511, com a finalidade de apurar o conluio para fraudar procedimento licitatório do Detran.
Diante do que foi apurado, o Ministério Público do Estado de Rondônia promoveu ação de improbidade e ressarcimento ao erário, desfavorável a Maurício Calixto, Célio Batista de Souza – ME, José Miguel Saud Morheb, Célio Batista de Souza e Sandra Regina Gomes dos Santos para apurar o direcionamento da licitação para que essa fosse vencida pela empresa Célio Batista de Souza – ME, empresa laranja da propriedade do apelante.
 
Evidenciou-se, pela prova produzida, que se uniu aos agentes da Comissão de Licitação e do DETRAN, com a finalidade de fraudar a licitação e a execução do contrato.
 
Observa-se do procedimento licitatório, que até a empresa Célio Batista de Souza – ME lograr vencedora, diversos fatos mostraram-se contrários à lei.
 
Aberta a licitação (PA n. 01260/99, Tomada de Preços – Edital n. 003/00 – documentos anexos), com o fim para selecionar na prestação de serviços de limpeza e conservação no prédio do Departamento Estadual de Trânsito, habilitaram-se as empresas Construtora e Conservadora Candelária Ltda., Célio Batista de Souza – ME e Rondonorte Prestadora de Serviços Ltda, essa última logo foi inabilitada dada a não apresentação da demonstração contábil.
 
Na segunda fase, a empresa Construtora e Conservadora Candelária Ltda. apresentou a proposta no valor de R$13.331,26, com preço total de R$159.975,12, e a Célio Batista de Souza – ME no valor de R$10.326,35 e global de R$123.916,20.
 
No entanto, as duas foram desclassificadas e, com respaldo no art. 48, §3º, da Lei n. 8.666/90, a Construtora e Conservadora Candelária Ltda. e Célio Batista de Souza – ME foram notificados para apresentação de nova proposta.
 
Então, somente a firma Célio Batista de Souza – ME apresentou nova proposta (fls. 266/275 – anexo I) muito similar a anteriormente oferecida (fls. 232/241 – Anexo I), porém com os valores majorados – R$15.225,08 e valor global de R$182.700,96.
 
A presidente da comissão de licitação então aceitou a nova proposta, sem que fossem sanadas as irregularidades que determinaram a desclassificação anterior da empresa de Célio, simplesmente acolhendo a majoração do serviço proposto pela empresa sem que sequer fossem comprovados os motivos que levaram a tal aumento.
 
Além disso, demonstrou-se que a empresa foi favorecida, pois não foi tratada com os mesmos rigores que as demais participantes, visto que foi dispensada a apresentação de caução, em desobediência ao que constava da Cláusula 17 do Contrato.
 
Acresça-se a isso que a empresa do certame estava em nome de um laranja. Explico.
José Miguel, ora apelante, por ser irmão de um procurador do Detran, não poderia contratar com a autarquia. Assim, valendo de uma empresa laranja – CÉLIO BATISTA DE Souza – ME -, da qual figurava como procurador, participou da Tomada de Preços – Edital n. 003/00 – SUPEL.
Foi provado que a empresa Célio Batista de Souza – ME foi criada por José Miguel, em nome da pessoa de Célio Batista, para que, sem qualquer impedimento, participasse e vencesse a citada concorrência.
Apurou-se que, apesar de Célio figurar como dono da empresa, ele não era o seu verdadeiro dono. O próprio Célio revelou às fls. 124 e 320:
[…] a única relação mantida entre o contestante e o Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB, que foi quem, fraudando documentos, utilizou seu nome em processo licitatório, foi de cunho empregatício […] (fls. 124).
[…] a única relação mantida com o Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB, que foi quem, fraudando documentos, utilizou seu nome em processo licitatório […]. o Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB, JUNTO COM SUA ESPOSA, aproveitando-se de sua condição de patrão, e da subordinação que impõe a relação laboral, solicitou ao apelante seis documentos para abrir uma firma, alegando que naquele momento estavam com restrições devido a problemas na suas declarações de imposto de renda, porém assim que regularizassem suas situações fiscais passariam a firma para seu nome. O argumento utilizado pelo Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB e sua esposa para convencer o apelante foi de que a firma seria utilizada na atividade comercial de alimentos” lances “no mesmo local onde ele trabalhava. Isso explica por que o endereço da empresa CÉLIO BATISTA DE SOUZA é o mesmo do Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB e também do local de trabalho do apelante, conforme atesta o contrato de trabalho estampado na CTPS […] (fl. 320 – sic).
 
Além disso, revelou-se que Célio não apresentava padrão de vida compatível com quem fazia contrato de valores elevados com a Administração, sequer possuindo casa própria, vivendo em área de invasão.
 
Ademais disso, a acusação, por meio da análise dos documentos originais do PAD n. 01260/99, mostrou que todas as assinaturas referentes à documentação da empresa, da qual, repito, o apelante era o procurador, foram falsificadas (laudo de fls. 39/43).
Nesse ponto, é importante mencionar o que disse o MP na denúncia e que restou comprovado:
[…] E a empresa do testa de ferro não passa de empresa de pasta, que como tantas outras em nosso Estado, se presta a esquentar esquemas de fraude à licitações. Essa empresa, conforme consta da denúncia (fl. 61) não possui escritório e no endereço em que afirma ter sede (rua Natanael de Albuquerque, 101, Centro) funcionava, à época, uma lanchonete e hoje uma loja de produtos esotéricos com o nome fantasia de Essência da Terra[…].
Outrossim, o parquet ainda logrou comprovar que, à época, José Miguel era sócio da empresa Rondon Service Conservação e Limpeza Ltda e requereu exclusão da sociedade em 24/4/1999 (fl. 30), cerca de um mês antes de tornar-se procurador da empresa Célio Batista de Souza – ME.
 
Registre-se que nem ao menos houve a fiscalização quanto ao cumprimento do contrato, visto que o serviço foi prestado por profissionais em menor número do que foi contratado.
 
Vê-se que houve o direcionamento explícito da licitação, de forma a permitir que essa empresa fraudulenta vencesse o certame.
Também foi exposto, por meio de perícia, que houve uma alteração considerável na metragem das áreas externas e internas, o que por fim, importou na diferença a maior do valor que foi contratado (R$2.384,22 por mês), o que em 12 meses, implicou numa diferença de R$28.610,64.
 
Vejamos:
 
Área efetiva Área comprovadamente alterada Externa: 3.663,09 m²Externa: 5.558,45 m²Interna: 3.558,45 m²Interna: 8.354,27 m²
Insta consignar que esse superdimensionamento dos prédios, constante do Projeto Básico e da Tomada de Preços n. 003, devidamente assinados por Maurício Calixto, revelou uns dos primeiros passos para o desvio de verba pública.
 
Isso porque não se sabe a origem dessas medidas, para as quais, consoante se vê da Comunicação Interna n. 13599, datada de 7/12/1999 (fls. 4 – anexo), o Diretor Administrativo e Financeiro do Detran Interino (Edney Gonçalves Ferreira) solicitou ao então Diretor Geral Maurício Calixto.
 
Portanto, é evidente o ato ímprobo, pois é claro o desrespeito aos princípios administrativos, bem como a lesão ao erário.
 
Outrossim, no que concerne à alegação de divergência jurisprudencial, o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade, porquanto a divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fático-jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base no art. 105, III, alínea “c”, da Constituição Federal (AgRg no AREsp 163891/RJ, Ministro Herman Benjamin, j. Em 16/08/2012, Dje 24/08/2012).