Omissão de socorro: entenda o crime pelo qual foi autuado porteiro que viu agressões ao ator Victor Meyniel

Criminalistas explicam em que circunstâncias uma pessoa pode ser acusada e como ela deve agir para ajudar alguém em perigo sem se arriscar.

O caso do ator Victor Meyniel, agredido por um homem que havia conhecido em uma boate, trouxe à tona o crime de omissão de socorro.

Após analisar as câmeras de segurança, que registraram as agressões na portaria de um prédio, a delegada Débora Rodrigues, da 12ª DP, em Copacabana, autuou o porteiro pelo crime.

Isso porque o funcionário, Gilmar José Agostini, aparece vendo o espancamento, sentado em seu lugar, sem interferir ou pedir ajuda.

A cena provocou debates. Quais as obrigações de uma pessoa que vê alguém ser espancado? Há obrigação de se correr algum risco para defender alguém? Como agir sem se colocar em perigo?

O g1 consultou advogados criminalistas para saber o que é o crime de omissão de socorro e o que é possível fazer nessa situação.

O que é a omissão de socorro?
O crime consta no artigo 135 do Código Penal: “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”

O criminalista e professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) Vitor Codeço Martins, explica que, nesses casos, o cidadão tem a obrigação legal de prestar socorro diretamente ou, não podendo, deve chamar auxílio de alguém que possa prestar.

“Pode ser uma outra pessoa ou alguma autoridade. O que não pode é ficar inerte diante da situação”, explica.
Caso contrário, comete o crime de omissão de socorro, cuja pena é de um a seis meses de detenção ou multa. No caso de a consequência da omissão resultar em lesão grave, a pena será duplicada e, caso resulte em morte, triplicada.

Tenho que me meter na briga ou me arriscar por alguém?
Não. Segundo o advogado criminalista e professor de direito penal da PUC-Rio André Perecmanis, todo cidadão tem obrigação de socorrer, desde que o socorro não o coloque em risco. A obrigação não se sobrepõe à própria segurança.

“Não precisa entrar na briga de ninguém. Basta sair de perto, gritar por socorro, chamar a polícia, gritar para os vizinhos. Qualquer coisa, desde que fique evidenciado que você não esteja se colocando em risco”, ressalta.
A justificativa do porteiro, de que não queria ‘se meter’, é válida?
A polícia ainda precisa concluir o inquérito, que será enviado ao Ministério Público e, caso denunciado, o porteiro ainda poderá se defender na Justiça. Porém, para o criminalista e professor de direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Thiago Bottino, a postura do porteiro pode, sim, ser considerada omissão de socorro.

“Comete crime quem escolhe deliberadamente não agir. A pessoa pode até não se sentir apta a agir, mas tem a obrigação de pedir socorro. Se não socorre, nem pede socorro, comete crime.”
Além de casos de agressão, quais outros exemplos de omissão?
Comete o crime de omissão de socorro ainda quem se omite de ajudar (de alguma forma):

criança abandonada ou extraviada;
pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente perigo – caso, por exemplo, de acidentes de trânsito.
O caso
No sábado (2), o ator Victor Meyniel foi espancado, em um prédio em Copacabana. A polícia foi chamada, e Yuri de Moura Alexandre, autor das agressões, foi preso.

O porteiro Gilmar José Agostini aparece na câmera de segurança sentado e tomando um copo de café enquanto Yuri de Moura Alexandre dava uma longa sequência de socos em Meyniel. Ele foi autuado por omissão de socorro pela delegada Débora Rodrigues, titular da 12ª DP (Copacabana).

“Ele viu tudo e não fez nada. Ele não precisava se meter na briga, claro, pela integridade física dele, mas ele tinha o dever de pedir socorro”, destacou.
 

Operação Hefesta: oito pessoas são presas por fraudes e desvio de R$ 7,9 milhões em obras do Museu do Trabalhador

MPF pediu o sequestro de bens dos envolvidos; também foram cumpridos oito mandados de condução coercitiva e 16 de busca e apreensão em SP, RJ e DF

Coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira. Foto: Diego Mattoso - Ascom MPF/SP

Coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira. 

Oito pessoas foram presas nesta terça-feira, 13 de dezembro, por envolvimento em fraudes e desvio de pelo menos R$ 7,9 milhões durante a construção do Museu do Trabalho e do Trabalhador, em São Bernardo do Campo/SP. As prisões temporárias, de cinco dias, foram autorizadas pela Justiça após pedido do Ministério Público Federal em São Paulo. Também foram cumpridos oito mandados de condução coercitiva (quando a pessoa tem sua liberdade restringida por algumas horas até que preste esclarecimentos à polícia) e 16 mandados de busca e apreensão. A ação faz parte da Operação Hefesta, deflagrada em conjunto com a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União (CGU).

Entre os presos estão os atuais secretários municipais de Obras e Cultura de São Bernardo do Campo, Alfredo Buso e Osvaldo de Oliveira Neto, e o ex-secretário de Obras, Sérgio Suster, bem como gestores de construtoras que participaram das irregularidades. Segundo as investigações, pelo menos 18 pessoas, entre agentes públicos e empresários, formaram organização criminosa para obter vantagens ilícitas por meio de fraude à licitação e na execução de contrato, peculato, inserção de dados falsos no sistema de gestão de convênios do governo federal e falsidade ideológica.

A operação foi autorizada pela 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo, que aceitou todos os requerimentos do Ministério Público Federal. Os mandados foram cumpridos em nove cidades brasileiras, simultaneamente: São Paulo, São Bernardo do Campo, Brasília, Santana do Parnaíba, Santos, São Vicente, Rio de Janeiro, Barueri e Brasília. Foram apreendidos documentos, grandes quantias em dinheiro e bens, como veículos de luxo. A sede do Ministério da Cultura também foi alvo de busca e apreensão e o envolvimento de agentes do ministério será apurado.

A Justiça determinou ainda o arresto e sequestro de bens de 29 pessoas, com o objetivo de garantir a reparação integral dos prejuízos causados ao erário. Os valores desviados poderiam ter chegado a R$ 11 milhões, mas parte dos recursos referentes ao convênio firmado entre o MinC e o Município de São Bernardo do Campo para a criação do museu ainda não foram efetivamente pagos às empresas envolvidas.

A operação também garantiu que outros R$ 19 milhões em recursos federais deixassem de ser desviados pelo esquema. Isso porque obteve o bloqueio do projeto de incentivo cultural aprovado em 2013 junto ao Ministério da Cultura, por meio da empresa Base 7, que visava a captação do valor via Lei Rouanet. O projeto tinha o mesmo objetivo do convênio firmado em 2010 para construção do museu, representando um duplo gasto de recursos que resultaria em novos danos aos cofres públicos.

O CONVÊNIO. O Museu do Trabalhador, conhecido popularmente como “Museu do Lula”, deveria ter sido concluído em janeiro de 2013, com o custo inicial de R$ 18 milhões. A obra, contudo, permanece inacabada, após três prorrogações do contrato. O valor atual do convênio passa de R$ 21 milhões, dos quais R$ 14,6 milhões caberiam ao Ministério da Cultura e R$ 7 milhões, ao município de São Bernardo do Campo, na forma de contrapartida. Entre as causas para o aumento do valor total do projeto estão o superfaturamento de serviços de engenharia e arquitetura, o desvio de recursos mediante o pagamento em duplicidade pela realização de trabalhos, a modificação do projeto original com custo acima do teto legal e as prorrogações indevidas do contrato.

LICITAÇÃO. O inquérito policial mostra que os envolvidos buscaram diminuir o caráter competitivo da licitação que deveria escolher a construtora responsável pela obra, incluindo no edital exigências de qualificação técnica ilegais. Como consequência, apenas sete empresas apresentaram propostas. Por outro lado, os agentes públicos não aferiram a idoneidade e capacidade econômica das concorrentes, permitindo que a “Construções e Incorporações – CEI Ltda.” vencesse a competição por apresentar o menor preço – uma empresa fantasma, com receita de R$ 41 mil, desprovida de patrimônio, empregados e experiência, e cujos sócios admitiram ser laranjas.

As provas colhidas até agora indicam a existência de ajuste prévio entre os envolvidos para beneficiar duas outras construtoras, a Cronacon e a Flasa, que indiretamente ficaram responsáveis pela execução da obra. Além desta interposição fraudulenta, ficou comprovada a subcontratação de inúmeras outras empresas ao longo do convênio, o que era proibido pelo contrato. Para elaboração do projeto executivo, por exemplo, a CEI recebeu R$ 1,5 milhão, mas terceirizou o serviço por R$ 850 mil para a Apiacás Arquitetos Ltda. Esta quarteirizou a demanda para a Brasil Arquitetura por R$ 723 mil, que por fim quinteirizou o projeto a outros prestadores por R$ 346 mil.

Tal forma de terceirização também foi apurada na execução da obra em si. Mas, apesar de terem conhecimento destas violações, os secretários Municipais de Obras, Alfredo Buso, e de Cultura, Osvaldo de Oliveira Neto, não rescindiram o contrato nem aplicaram qualquer penalidade à CEI. “A subcontratação, sem autorização do Poder Público, acarreta um significativo aumento no custo global da obra, com prejuízos ao erário municipal e federal, que poderiam ter pago preço global menor caso a licitante vencedora tivesse condições de executar diretamente os serviços”, reforça a procuradora da República Fabiana Rodriguez de Sousa Bortz, responsável pela investigação.

Também ficou comprovado o desvio de recursos públicos mediante o pagamento de trabalhos não realizados. Entre 2012 e 2013, a CEI deveria elaborar o projeto executivo, instalar o canteiro de obras, iniciar os serviços de terraplenagem e as fundações, entre outras atividades. Contudo, neste período não houve obra alguma. Ainda assim, Osvaldo de Oliveira Neto e o secretário Municipal de Obras à época, Sérgio Suster, atestaram a execução integral dos serviços pela empresa e autorizaram os pagamentos. A construtora emitiu notas fiscais frias cobrando por mão de obra não utilizada e materiais não fornecidos. Ao todo, entre 2012 e 2016, ela recebeu R$ 15 milhões.

AUMENTO DO CUSTO. Em 2012, o Município determinou a paralisação do contrato e a alteração do projeto arquitetônico para suprimir o auditório no subsolo e elevar o nível da obra em relação à rua, o que elevou os custos do projeto em mais de R$ 3,6 milhões. A justificativa para a mudança foi a probabilidade de chuvas e alagamentos na região do Paço Municipal, onde está sendo construído o museu. Porém, o risco de enchentes no local já era historicamente conhecido antes mesmo da abertura da licitação. Para o MPF, a inclusão do auditório servira apenas para justificar a inclusão de cláusulas restritivas no edital, de forma a direcionar o resultado da disputa à CEI, e, em um segundo momento, permitir a celebração de aditivos de valor ao contrato.

Além disso, em 2014, os agentes públicos determinaram novamente a paralisação das obras retomadas no ano anterior, alegando falta de recursos financeiros, mesmo havendo mais de R$ 6 milhões disponíveis. Estes episódios levaram a prorrogações indevidas do contrato e acarretaram vantagem à CEI calculada em R$ 3 milhões, em virtude do reajuste anual de preços. Tais dilatações do prazo ainda foram autorizadas em momentos em que o contrato já havia vencido, o que significou reativação de acordo extinto e, por consequência, recontratação sem licitação.

OUTRAS FRAUDES. As irregularidades no caso do Museu do Trabalhador podem ser percebidas antes mesmo da celebração do convênio com o MinC, tendo em vista que o processo no Ministério foi apresentado, analisado e aprovado em apenas quatro dias úteis, sem que fosse exigido o projeto básico. “A União aprovou proposta, formulada em termos tão inexatos, insuficientes e confusos, criando, assim, obrigação de dispêndio de mais de R$ 14 milhões em verbas federais, sem definir precisamente com o quê e como esse dinheiro seria gasto”, destaca a procuradora.

Em relação ao Município de São Bernardo do Campo, a contrapartida devida pela Prefeitura não foi disponibilizada dentro dos prazos previstos, mas os agentes públicos inseriram dados falsos no sistema de gestão de convênios do governo federal, informando depósitos não realizados. Ficou comprovado ainda que o projeto básico do museu foi superfaturado, com aporte de R$ 1,3 milhão em 2010. No ano seguinte, os envolvidos pagaram em duplicidade pela elaboração de novo projeto básico, gerando prejuízo de R$ 563 mil. Até o momento foi apresentada apenas a prestação de contas parcial do convênio por parte da municipalidade.