Escândalo dos Gafanhotos: 15 anos depois, mais de 45 processos aguardam julgamento do maior esquema de corrupção em RR

Operação ‘Praga do Egito’ foi deflagrada pela Polícia Federal em 26 de novembro de 2003. G1 fez levantamento para saber sobre andamento das ações 15 anos depois.

Ex-governador Neudo Campos é apontado pelo MPF e pela PF como mentor do esquema — Foto: Reprodução/Rede Amazônica Roraima/Arquivo

Ex-governador Neudo Campos é apontado pelo MPF e pela PF como mentor do esquema.

Mais de 85 denunciados em 52 processos por um desvio superior a R$ 230 milhões de verbas públicas para o pagamento de 5,5 mil servidores fantasmas. 42 pessoas presas em um único dia de ações policiais. Os números que impressionam são do maior esquema de corrupção já registrado pela Justiça de Roraima: o escândalo dos gafanhotos. Deflagrada no domingo, em 26 de novembro de 2003, a operação Praga do Egito completa nesta segunda (26) 15 anos de execução.

Com base em documentos cedidos pelo Ministério Público Federal em Roraima,  levantamos a analise 52 ações principais relacionadas ao caso. Mais de uma década depois, apenas cinco destes processos chegaram a uma resolução com sentença transitada em julgado (tramitação concluída). A maioria das demais receberam sentença da Justiça Federal de Roraima, mas aguardam julgamento em graus de recurso.

Entretanto, o número de réus e processos é maior. O volume de trabalho gerado pela operação foi tamanho, que não se sabe com precisão quantas pessoas foram denunciadas, condenadas, inocentadas ou quantos processos ela gerou.

Coordenadas pelo MPF-RR e pela Polícia Federal em Roraima, a operação Praga do Egito apontou uma máfia que desviava recursos públicos federais e estaduais entre os anos de 1998 e 2002 para deputados estaduais, federais e conselheiros do Tribunal de Contas de Roraima.

As investigações do MPF e da PF apontaram que o ex-governador do estado, Neudo Ribeiro Campos, foi o mentor do esquema de corrupção. Ele teve a prisão decretada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em 2016, após condenação em 2ª instância a 10 anos e oito meses de reclusão. Atualmente ele cumpre prisão domiciliar. Dos 52 processos consultados, Neudo é parte em 36.

Entre os diversos crimes aos quais os réus da operação respondem, estão peculato, estelionato, formação de quadrilha e improbidade administrativa. Dos 85 réus levantados, Neudo é um dos poucos presos.

O procurador do MPF responsável pelas investigações, Rômulo Moreira Conrado, explicou que a demora no julgamento dos processos ocorre nos tribunais superiores e em razão de normas sobre prerrogativa de foro que não eram bem definidas na época do escândalo.

“A demora não se deve ao juiz federal. Nesse caso dos gafanhotos houve uma tramitação muito rápida em primeiro grau. Ela se deve mais a essa estrutura judiciária”, disse, acrescentando que a demora não contribui para a resolução dos processos. “A gente esperava que isso se tramitasse mais rápido”.

A reportagem também entrou em contato com o juíz Helder Girão Barreto, responsável pelo julgamento de boa parte das ações na Justiça Federal, entretanto, o magistrado informou que era impedido legalmente de falar sobre o caso dos gafanhotos.

Réus no poder

Da esquerda para direita: os deputados Jalser Renier (SD), Mecias de Jesus (PRB) e Aurelina Medeiros (PODE) são os réus na operação Gafanhotos, dentre os processos analisados pelo G1, que seguem nos cargos políticos atualmente em Roraima — Foto: Reprodução/Assembleia Legislativa de Roraima

Da esquerda para direita: os deputados Jalser Renier (SD), Mecias de Jesus (PRB) e Aurelina Medeiros (PODE) são os réus na operação Gafanhotos, dentre os processos analisados pelo G1, que seguem nos cargos políticos atualmente em Roraima.

Quinze anos após a deflagração da operação, alguns dos políticos apontados como líderes no esquema seguem no poder. Neudo Campos é esposo da atual governadora de Roraima, Suely Campos (PP). Suely assumiu a corrida eleitoral em 2014 após Neudo ser impedido de concorrer pela lei da Ficha Limpa. Ela perdeu a candidatura a reeleição nas Eleições 2018.

Além dele, os deputados estaduais Jalser Renier (SD), Aurelina Medeiros (PODE) e Mecias de Jesus (PRB) são réus em processos do escândalo. Os conselheiros do TCE, Marcus Hollanda e Henrique Machado também são.

Jalser é atualmente presidente da Assembleia Legislativa de Roraima. Ele vai para o sexto mandado em 2019, após ter sido o parlamentar mais votado nessas eleições.

Renier chegou a ser condenado a oito meses de reclusão pelo crime de peculato. Ele foi preso em 2017, porém, uma decisão do Supremo Tribunal Federal anulou a condenação e o parlamentar foi solto. O processo voltou para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Um novo julgamento da ação está previsto para esta quarta-feira (28).

Mecias de Jesus foi eleito deputado estadual seis vezes consecutivas, desde 1995. Nas Eleições 2018, Mecias foi eleito senador pela primeira vez.

nos tivemos acesso a quatro processos em que o parlamentar consta como réu. Todos aguardam julgamento.

A outra parlamentar ré na Justiça Federal é Aurelina Medeiros. Reeleita este ano, ela também vai para o sexto mandato no próximo ano. Em setembro de 2014, Aurelina foi condenada a pagar multa civil de R$ 159.985.88 e a ressarcir R$ 1.599.588,88 aos cofres públicos, mas recorreu e o processo segue em tramitação no TRF-1.

Conselheiros Henrique Machado (à esquerda) e Marcus Hollanda (à direita) também são réus em ações dos gafanhotos — Foto: Reprodução/TCE-RR/Arquivo

Conselheiros Henrique Machado (à esquerda) e Marcus Hollanda (à direita) também são réus em ações dos gafanhotos. 

Atual corregedor do TCE-RR, o conselheiro Marcus Hollanda, é outro réu da operação que segue em cargo público. Em 2014 foi condenado, mas recorreu ao TRF-1. Já o conselheiro Henrique Machado foi condenado por peculato e está afastado da função desde 2016.

Ele recorreu da decisão e o processo segue no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na última quarta (21), a ação foi para julgamento no tribunal e o relator do caso manteve a condenação. O voto foi acompanhado por outro membro da Corte, no entanto, o ministro Herman Benjamin pediu vistas e o julgamento foi suspenso.

A reportagem entou em contato com todos os citados e aguarda retorno.

Como funcionava o esquema

o Ministério Público Federal explica em detalhes como funcionava o esquema de corrupção. Ao todo, foram identificados cinco atores:

Organização Criminosa – Afilhado preso na casa de Confúcio durante a Termópilas e empresário que disse “propina é investimento” são condenados de novo
Organização Criminosa – Afilhado preso na casa de Confúcio durante a Termópilas e empresário que disse “propina é investimento” são condenados de novo

Rômulo da Silva Lopes escondeu R$ 10 mil em propina na cueca. O dinheiro foi repassado por José Miguel Saud Morheb

Porto Velho, RO – O juiz de Direito Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho, condenou mais uma vez Rômulo da Silva Lopes, ‘afilhado’ de Confúcio Moura, ex-governador e senador eleito pelo MDB, e o empresário José Miguel Saud Morheb pela prática de improbidade administrativa.

Morheb é conhecido pela célebre frase: “Propina não é desperdício, propina é investimento”.

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Exclusivo – Justiça de Rondônia corrige erro e aumenta punição financeira a propineiros da gestão Confúcio Moura

Além deles, a empresa Higiprest Serviços de Limpeza Ltda, à época de propriedade de José Miguel Saud, também foi alvo da sentença proferida pelo magistrado (confira ao fim da matéria os termos da decisão). Cabe recurso.


Depoimentos em processo criminal delinearam as condutas ilegais de Rômulo da Silva


José Miguel Morheb e sua célebre frase sobre propina

Operação Termópilas, prisão na casa do governador e propina na cueca

As alegações do Ministério Público de Rondônia (MP/RO) baseiam-se em processo criminal que aborda basicamente os mesmos fatos.

Conforme apurado em inquérito policial, Rômulo da Silva e José Miguel Morheb integravam organização criminosa que agia no Governo de Rondônia, já comandado por Confúcio Moura, “praticando uma série de crimes e atos de improbidade administrativa que objetivam enriquecimento ilícito à custa do patrimônio público”.


MP/RO revela: Rômulo Silva foi preso na casa de Confúcio Moura

À época, Morheb atuava como empresário e possuía inúmeros contratos de prestação de serviços com diversos órgãos públicos do Estado de Rondônia na área de prestação de serviços de limpeza, dentro os quais a Secretaria de Justiça (Sejus/RO).

Dono de fato e de direito da MAQ-SERVICE (que após a deflagração da Operação Termópilas mudou de nome para Higiprest), além de outras empresas em nome de laranjas, como a Contrat Serviços Especializaados Ltda, José Miguel obtinha e mantinha seus contratos com órgãos governamentais através do pagamento de propina, “dentre outras práticas ilícitas”.


Rômulo possuía “estreito vínculo de amizade e confiança” com Confúcio Moura, diz MP/RO

Rômulo da Silva Lopes, à ocasião, era assessor especial justamente na Sejus/RO e usava de sua influência e livre acesso nos mais variados órgãos e repartições públicas estaduais para, mediante pagamento de propina e outras vantagens ilícitas, favorecer  empresários, a exemplo de Morheb.

Abaixo, o MP/RO relata todo o ocorrido e ainda transcreve trechos primordiais que revelam a mais inóspita faceta dos calabouços da corrupção iniciados ainda no primeiro ano da gestão emedebista, em 2011.


Diálogos comprovam que Miguel Morheb sugeriu a Rômulo que guardasse a propina na cueca

Decisão

Após analisar as provas nos autos, o juiz Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa sacramentou:

“No caso em exame, o Requerido Rômulo agiu de forma ardil e valendo-se do cargo público para praticar o ilícito informado, consistente em corrupção passiva e facilitação processual. Enquanto Miguel, utilizando-se de sua empresa, promovia do pagamento de propina com o fim e manter seu contrato renovado”, apontou.

Destacou, ainda, que a conduta de ambos “é gravíssima e, portanto inaceitável, assim aplicando um juízo ponderado tenho que a pena a ser estabelecida, sem incorrer em violação ao princípio da razoabilidade, consiste em: perda da função pública; multa civil no valor equivalente a duas vezes o valor recebido ilicitamente ao tempo dos fatos, assim como a vedação de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do Poder Público, direta ou indiretamente, pelo prazo de três anos da Administração Pública e, ainda, suspensão dos direitos políticos pelo mesmo prazo, três anos”, concluiu.

Termos da sentença

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, e por tudo mais que dos autos constam, JULGO PROCEDENTE a ação, com fundamento nos arts. 3º e 9º, I e IX e 12, III, todos da Lei n. 8.429/92, para condenar:

ROMULO DA SILVA LOPES

1. Na perda do cargo público, considerando a gravidade dos fatos caracterizando ato improbo;

2. No pagamento de multa civil no valor equivalente a 02 (duas) vezes o valor percebido ilicitamente, corrigidos monetariamente a partir do arbitramento e incidentes juros contados do trânsito em julgado da SENTENÇA;

3. Na vedação de recebimento, direta ou indiretamente, de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do Poder Público, ainda, que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) ano

4. Na suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 03 (três) anos.

JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB e HIGIPREST SERVIÇOS DE LIMPEZA LTDA

1. No pagamento de multa civil no valor equivalente a 02 (duas) vezes o valor REPASSADO ilicitamente, corrigidos monetariamente a partir do arbitramento e incidentes juros contados do trânsito em julgado da SENTENÇA;

2. Na vedação de recebimento, direta ou indiretamente, de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do Poder Público, ainda, que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos;

3. Na suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 03 (três) anos.

Resolvo a lide com julgamento do MÉRITO, na forma do art. 487, I do Código de Processo Civil. Condeno os Requeridos no pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação em favor do Estado de Rondônia, bem como no pagamento das custas processuais.

PRIC. SENTENÇA não sujeita ao reexame necessário. Porto Velho-RO., 09 de outubro de 2018.

Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa
Juiz de Direito