STJ afasta desembargador do ES e o torna réu por suposta corrupção

Robson Albanez e 14 pessoas são acusados de integrarem esquema de venda de decisões judiciais

Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Robson Luiz Albanez. 
 

Após sessão que durou mais de 7 horas nesta quarta-feira (1º), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu, por unanimidade, denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) Robson Luiz Albanez, por crime de corrupção, e determinou ainda o afastamento cautelar das funções públicas por ele ocupadas até o fim do processo.

Investigado na Operação Naufrágio, o magistrado passa a ser réu na Ação Penal (APN) 623 juntamente com outras 14 pessoas acusadas de integrar esquema de venda de decisões judiciais na Corte Estadual.

Em sustentação oral, no início do julgamento, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo lembrou que as investigações tiveram origem no Inquérito 589, que apurou a prática de comercialização de sentenças ocorrida no tribunal capixaba em 2008. Em fevereiro de 2010, o MPF apresentou denúncia contra 26 pessoas. No entanto, apenas 15 delas constam da APN 623 – cinco pessoas morreram, e os crimes de outras seis prescreveram por terem completado 70 anos de idade.

Segundo as investigações, faziam parte do esquema quatro desembargadores à época, um juiz de direito, um procurador de Justiça, serventuários da Justiça capixaba, e ainda advogados e alguns de seus clientes, que aceitavam pagar por sentenças favoráveis às suas demandas no TJES.

Na sessão desta quarta-feira, Araújo esclareceu que o prazo alongado para o início do julgamento do recebimento da denúncia teve relação direta com as sucessivas manobras apresentadas pelas defesas. “Em determinado momento, o MPF achou que poderia desmembrar o processo e mandar para a Justiça estadual do ES e ficar no STJ apenas o atual desembargador [Robson Luiz Albanez], mas o STF entendeu que todo o processo teria de ficar no STJ”, disse a subprocuradora-geral, que reconheceu a importância do julgamento conjunto dos réus porque todos os atos foram em conluio, principalmente os praticados pelo desembargador e pelos advogados.

Após detalhado voto, o relator do processo, ministro Francisco Falcão, acatou o pedido do MPF para afastar cautelarmente o desembargador Robson Albanez. Sobretudo, por este estar envolvido em suposto crime contra a administração pública, praticado no contexto de generalizada negociação de decisões judiciais, cometidos por diversos grupos de uma possível organização criminosa que teria se instaurado na cúpula do Poder Judiciário capixaba.

“Embora os fatos tenham ocorrido há mais de 12 anos, tendo o denunciado sido promovido em 2014 ao cargo de desembargador daquela Corte, considero inviável, a partir deste momento, a continuidade do exercício desta função pública. Principalmente, pela gravidade do delito do qual é acusado o referido magistrado”, afirmou.

Operações Naufrágio e Titanic
Em dezembro de 2010, o MPF denunciou 26 pessoas, entre magistrados e servidores do TJES, membro do Ministério Público estadual, advogados e alguns de seus clientes. A denúncia tem por base o Inquérito 589/DF no STJ, que culminou na Operação Naufrágio. Nas investigações foram apurados indícios da prática de infrações penais por autoridades do Poder Judiciário no Espírito Santo descobertos na Operação Titanic.

A denúncia narra a existência de esquema de corrupção no tribunal capixaba para a comercialização de decisões judiciais.

Segundo o MPF, para viabilizar a atividade criminosa, os denunciados organizaram uma rede no TJES após a posse de Frederico Pimentel como presidente do tribunal, que manteve o procedimento manual de distribuição de processos. Dessa forma, os de seu interesse eram direcionados para os magistrados integrantes do esquema.

Investigações revelaram a ocorrência de intervenções em ações judiciais, transformando o TJES em rentável balcão de negócios. Ainda segundo o MPF, o início se dava no protocolo da petição, passando pelo sorteio viciado do relator, até o julgamento do feito, que culminava em decisão conforme interesses próprios ou de terceiros em troca de vantagens pecuniárias.

A função dos advogados era a de recrutar os clientes interessados no sucesso de suas demandas, o que significava o recebimento de honorários advocatícios e de propinas para eles próprios e para os funcionários públicos.

 

Operação Naufrágio: STJ decide se recebe denúncia contra investigados no ES

A sessão de julgamento no Superior Tribunal de Justiça, que aconteceria em novembro, foi adiada para esta quarta-feira (1º)

A investigação, batizada de Operação Naufrágio, foi deflagrada pelo Superior Tribunal de Justiça em dezembro de 2008, e levou à cadeia oito investigados — entre eles, o então presidente do TJ-ES, Frederico Guilherme Pimentel, outros dois desembargadores e um juiz. Eles eram acusados de integrar um esquema de venda de sentenças.

A sessão de julgamento no Superior Tribunal de Justiça, que aconteceria em novembro, foi adiada para esta quarta-feira (1º).

Um dos juízes acusados permanece na Corte até hoje. Trata-se de Robson Luiz Albanez. Ele foi pego em um grampo da PF em uma conversa com o advogado Gilson Letaif, o Gilsinho.

No diálogo interceptado, o magistrado prometeu decidir uma ação em seu favor caso influenciasse pela sua promoção ao cargo de desembargador.

“Ôh meu querido amigo, desculpe não ter ligado prá você… mas acho que solucionei o impasse”, disse Robson a Gilsinho, que respondeu: “Ahh… como sempre Vossa Excelência é perfeito na concessão aí da jurisdição”. Na mesma conversa, o juiz cobrou: “Que você ajude mais seu amigo… aí… e consiga me promover para o egrégio tribunal. (risos)”. Do advogado, ainda recebeu a promessa: “Isso sem dúvida e tomaremos muito uísque nessa posse”.

A denúncia, recheada de grampos, não constrangeu os pares de “Robinho”, como é conhecido o magistrado. Em 2014, ele foi promovido a desembargador. No mês passado, foi eleito vice-corregedor do TJ para o biênio de 2022 e 2023. Ou seja, integrará o órgão responsável por apurar malfeitos de magistrados.

Com o julgamento do STJ, seu cargo está ameaçado, já que os ministros vão analisar um pedido da PGR para afastar os magistrados citados de seus postos.

Entre 2010 e 2013, 15 desembargadores se declararam impedidos para julgar o caso, que foi parar no Supremo Tribunal Federal, para decidir qual seria a Corte competente. Somente em maio de 2015, a Segunda Turma do STF decidiu que o STJ deveria julgar a denúncia.

As defesas, então, passaram a ser intimadas a apresentar alegações prévias no processo. Seis anos depois, a denúncia está pronta para virar, ou não, uma ação penal.

E este é só o começo, já que o processo ainda dependerá de um longo trâmite que inclui ouvir todos os acusados e o MPF. Ações como estas chegam a levar mais de dez anos até serem julgadas.

Julgamento no STF de novembro foi adiado
No dia 17 de novembro, a internet oscilava na casa do ministro Francisco Falcão, quando ele decidiu, às 7h, ir à sede do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Ele não queria que um problema técnico prejudicasse sua participação na sessão da Corte Especial, que se iniciaria duas horas mais tarde.

Falcão era relator do primeiro processo a ser julgado, um escândalo de corrupção envolvendo juízes, desembargadores e advogados no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. E tinha preparado um voto de mais de uma centena de páginas, que vai decidir se os acusados merecem ou não ir para o banco dos réus e enfrentar uma ação penal.

Nas mãos dos ministros, também está a decisão de afastar, ou não, os investigados de seus cargos públicos.

O caso demandava urgência: a denúncia completou 11 anos, e cinco investigados já faleceram. Mas, naquele dia, também não seria julgada. No começo da sessão, o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, surpreendeu os ministros: “Estou impedido (de votar), pois minhas filhas defendem um dos acusados”.

Santos teria recebido o processo na noite anterior porque a subprocuradora-geral, Lindôra Araújo, titular do processo, estava em uma viagem a Lisboa custeada pelo MPF para participar de um fórum coordenado pelo ministro Gilmar Mendes, ao lado de outros ministros do Judiciário, além de políticos como Arthur Lira (PP-AL), Rodrigo Pacheco (PSD), e Gilberto Kassab (PSD).

Falcão tentou seguir com o julgamento, mesmo sem a participação de um representante da Procuradoria Geral da República (PGR). Mas acabou convencido pelo presidente do STJ, Humberto Martins, e resolveu adiá-lo para o início de dezembro.

Em cena inusitada, Martins chegou a atender, no meio da sessão, um telefonema do procurador-geral, Augusto Aras, que sugeriu escalar um outro procurador, ainda naquele dia, para sustentar a denúncia.

Com Aras ao telefone, Martins disse a Falcão: “Pode falar, porque eu estou com o PGR, o interesse é geral”. Mas, segundo o relator, a missão era impossível. O novo representante da PGR teria horas para estudar 4,5 mil páginas de um processo que se arrasta há mais de uma década no Judiciário. E a novela acabou prorrogada para o início do mês que vem.

Na época do adiamento, a defesa de Robson Luiz Albanez foi procurada, mas não se manifestou. O subprocurador-geral Carlos Frederico Santos também não respondeu às perguntas da reportagem.

A PGR afirmou, por meio de nota, que Augusto Aras informou o presidente do STJ, Humberto Martins, que “outro subprocurador-geral da República poderia participar da sessão, no período vespertino, o que garantiria a manutenção do processo na pauta de julgamento”. Segundo o órgão, “de forma ponderada”, entretanto, “o magistrado optou pelo adiamento”.

 

Operação Boca Livre: réus ligados ao Grupo Bellini são condenados por fraudes em projetos culturais

Esta é a primeira decisão contra envolvidos em esquema que burlava Lei Rouanet. MPF já ofereceu 28 denúncias

Denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF), 12 envolvidos em desvios de recursos públicos para a promoção de atividades culturais foram condenados a penas que, somadas, passam de 145 anos de prisão. Eles foram alvo da Operação Boca Livre, deflagrada em junho de 2016. Os principais réus integram o núcleo familiar que estava à frente do Grupo Bellini Cultural, conjunto de empresas que coordenou as fraudes com quantias captadas por meio da Lei Rouanet (Lei n. 8.313/91). Estima-se que, além de privar a população de espetáculos e projetos culturais que seriam financiadas com esses recursos, as irregularidades tenham causado prejuízo superior a R$ 21 milhões aos cofres públicos.

As penas correspondem aos delitos de estelionato contra a União e organização criminosa. O empresário Antonio Carlos Bellini Amorim, responsável pela articulação dos ilícitos denunciados, foi condenado a mais de 19 anos de prisão. À esposa dele, Tania Regina Guertas, foi atribuída pena de 13 anos e três meses de reclusão. A sentença da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo também aplica sanções a dois filhos de Bellini: Felipe Vaz Amorim (17 anos e quatro meses de prisão) e Bruno Vaz Amorim (10 anos de prisão).

As fraudes que levaram à condenação dos réus foram praticadas entre 2011 e 2016, mas há evidências de que o esquema já estava em curso desde o ano 2000. O Grupo Bellini Cultural especializou-se na realização de projetos culturais para clientes privados com financiamento por meio da lei de incentivo fiscal. O montante captado de patrocinadores, que deveria se destinar a apresentações artísticas e outras programações culturais à população, acabava sendo usado para a promoção de interesses corporativos. O abatimento no imposto de renda das companhias que contratavam os serviços dos réus – benefício previsto na Lei Rouanet em troca do patrocínio de projetos culturais – revertia-se na verdade em vantagens ilícitas para essas empresas, como a produção de livros comemorativos e shows particulares com artistas de destaque.

Além de Bellini, da mulher e dos filhos, oito pessoas ligadas ao grupo foram condenadas, com penas que variam de 4 a 13 anos de prisão. Elas eram responsáveis pela parte operacional do esquema e figuravam como sócias de uma série de empresas criadas com o objetivo de omitir o nome Bellini das propostas culturais apresentadas para a captação de recursos. A atuação dessas empresas associadas à organização criminosa tornou-se mais intensa a partir de 2013. Naquele ano, o núcleo decidiu mudar sua estratégia para driblar a fiscalização do Ministério da Cultura (MinC), que já vinha restringindo a aprovação de projetos do grupo desde o surgimento das primeiras denúncias de irregularidades, em 2011.

Enquanto buscava camuflar a origem das propostas que submetia à aprovação do MinC, o Grupo Bellini mudou também a forma de execução dos projetos. De 2014 em diante, as realizações passaram a incluir “contrapartidas sociais”, eventos gratuitos direcionados ao segmento social alvo do projeto e que, embora devessem ser o objeto principal dos contratos, eram promovidos de maneira precária, somente para constar da prestação de contas.

Em abril de 2016, por exemplo, os réus organizaram um show de comédia para 700 funcionários e colaboradores de um grande escritório de advocacia em uma casa de espetáculos em São Paulo com recursos que, segundo o projeto aprovado, deveriam financiar apresentações musicais de orquestra e cantores consagrados abertas ao público geral. Para justificar o uso da Lei Rouanet, o Grupo Bellini realizou, no mesmo dia pela manhã, uma apresentação simples de piano no local, sem a presença dos artistas previstos, para uma plateia de apenas 300 pessoas, levadas ao teatro de ônibus.

“Dezenas de apresentações culturais, produto dos projetos aprovados pelo MinC, eram manipuladas pela organização criminosa, constituindo verdadeiros simulacros de projetos culturais, com um público forjado e um cenário precário que pudessem, minimamente, transmitir ao Estado a aparência de regularidade na execução de tais projetos. Isto, quando o próprio projeto cultural aprovado pelo MinC não era, desde logo, substituído diretamente pelo evento corporativo em benefício exclusivo dos supostos patrocinadores e de seus clientes ”, afirmou a procuradora da República Karen Louise Kahn, autora da denúncia do MPF que levou à condenação dos envolvidos.

“Restou comprovado pelas provas existentes nos autos que o Grupo Bellini e seus colaboradores tinham um sistema estruturado cujo principal escopo era a aprovação de projetos culturais por meio de pessoas jurídicas e físicas junto ao MinC para, posteriormente, utilizar as verbas captadas para a realização dos projetos em benefício exclusivo das próprias empresas patrocinadoras, que por sua vez deduziam tais valores do quanto devido a título de Imposto de Renda Pessoa Jurídica”, diz trecho da sentença.

Uma porcentagem do volume de dinheiro captado destinava-se aos próprios integrantes do Grupo Bellini e das empresas associadas, na forma de salários, comissões e pagamentos pelos serviços prestados. Notas fiscais falsas também eram utilizadas para maquiar o destino das quantias, como ocorreu em 2016 no casamento de Felipe Vaz Amorim, pouco antes da deflagração da Operação Boca Livre. O empresário utilizou recursos do esquema para a contratação de uma atração musical da festa, mas o dinheiro foi registrado no balanço contábil como pagamento de serviços de secretariado e cenografia em projetos culturais.

Esta é a primeira sentença condenatória proferida no âmbito da Operação Boca Livre. Outras 27 ações penais já foram ajuizadas contra integrantes do Grupo Bellini e representantes das empresas patrocinadoras envolvidas. Não há, segundo as investigações, evidências de que artistas e servidores públicos responsáveis pela aprovação dos projetos tivessem conhecimento das fraudes, por isso eles não respondem pelos crimes apurados.