Camilo Cristófaro é cassado por fala racista com 47 votos a favor e 5 abstenções; veja como cada vereador se posicionou

Câmara de SP é composta por 55 vereadores e nenhum votou ‘não’. É a primeira vez que um vereador perde mandato por racismo na cidade.

A Câmara Municipal de São Paulo cassou, nesta terça-feira (19), o mandato do vereador Camilo Cristófaro (Avante), por quebra de decoro parlamentar no episódio em que teve um áudio vazado no plenário da Casa usando uma frase tida como racista.

O placar foi de 47 votos pela perda do mandato e 5 abstenções. Nenhum vereador votou contra a cassação.

Veja como cada vereador votou:
Adilson Amadeu (União Brasil) – Sim
Alessandro Guedes (PT) – Sim
Andre Santos (Republicanos) – Sim
Arselino Tatto (PT) – Sim
Atílio Francisco (Republicanos) – Abstenção
Aurelio Nomura (PSDB) – Sim
Beto do Social (PSDB) – Sim
Major Palumbo (PP) – Sim
Celso Giannazi (PSOL) – Sim
Coronel Salles (PSD) – Abstenção
Cris Monteiro (Novo) – Sim
Danilo do posto de Saúde (Podemos) – Sim
Dr. Nunes Peixeiro (MDB) – Sim
Dra. Sandra Tadeu (União Brasil) – Sim
Edir Sales (PSD) – Sim
Elaine do Quilombo Periférico – Sim
Eli Corrêa (União Brasil) – Sim
Eliseu Gabril (PSB) – Sim
Ely Teruel (Podemos) – Ausente
Fabio Riva (PSDB) – Sim
Fernando Holiday (PL) – Sim
George Hato (MDB) – Sim
Gilson Barreto (PSDB) – Sim
Helio Rodrigues (PT) – Sim
Isac Félix (PL) – Sim
Jair Tatto (PT) – Sim
Janaína Lima (MDB) – Sim
João Ananias (PT) – Sim
João Jorge (PSDB) – Sim
Jorge Wilson Filho (Republicanos) – Sim
Jussara Basso (PSOL) – Sim
Luana Alves (PSOL) – Não vota por representar a acusação
Luna Zarattini (PT) – Sim
Manoel Del Rio (PT) – Sim
Marcelo Messias (MDB) – Sim
Marlon Luz (MDB) – Sim
Milton Ferreira (Podemos) – Sim
Milton Leite (União Brasil) – Sim
Paulo Frange (PTB) – Abstenção
Professor Toninho Vespoli (PSOL) – Sim
Ricardo Teixeira (União Brasil) – Sim
Rinaldi Digilio (União Brasil) – Sim
Roberto Tripoli (Partido Verde) – Sim
Rodolfo Despachante (PSC) – Sim
Rodrigo Goulart (PSD) – Sim
Robinho Nunes (União Brasil) – Sim
Rute Costa (PSDB) – Abstenção
Sandra Santana (PSDB) – Sim
Sansão Pereira (Republicanos) – Abstenção
Senival Moura (PT) – Sim
Sidney Cruz (Solidariedade) – Sim
Silvia da Bancada Feminista (PSOL) – Sim
Thammy Miranda (PL) – Sim
Xexéu Tripoli (PSDB) – Sim

É a primeira vez que um vereador perde mandato por racismo na cidade de São Paulo.

A Câmara é formada por 55 vereadores. Nem Cristófaro nem a vereadora Luana Alves (PSOL), que representa a acusação contra o parlamentar, votaram no julgamento. Uma vereadora, Ely Teruel (Podemos), não compareceu.

A sessão, conduzida por Milton Leite (União), vereador e presidente da Câmara, aconteceu quase um ano e cinco meses depois do episódio, registrado em maio de 2022.

Na ocasião, Cristófaro participava de uma sessão da CPI dos Aplicativos de forma remota, quando foi ouvido dizendo: “É coisa de preto”.

O vereador Marlon Luz (MDB) foi o relator do caso e deu parecer favorável à cassação do mandato do parlamentar à Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo por avaliar que houve quebra de decoro.

Luana, em sua fala no momento destinado à acusação, afirmou: “Eu, que estava presente [à sessão em que o áudio vazou], nunca vou esquecer da expressão de todos os presentes naquela sessão que se sentiram violentados pela fala. Foi um desrespeito profundo a todos os que estavam presentes e a toda a população negra de São Paulo”.

“O quê que ‘coisa de preto’ significa? É uma ‘piada’ que trabalha com elemento narrativo de estereótipo que as pessoas negras fazem coisas erradas. Que as pessoas negras fazem coisas malfeitas. Que as pessoas negras não seriam competentes para ocupar um lugar de intelectualidade, de poder”, disse a vereadora.

“Quando você diz que ‘coisa de preto’ é uma coisa malfeita, você diz que os brancos fazem melhor que os pretos. Isso é um elemento ideológico do racismo que segue operando na sociedade brasileira. Dizer para o povo que não há problema em falar uma frase racista, é dizer para o povo que as pessoas negras podem ser desrespeitadas”, afirmou.

Camilo Cristófaro dividiu o tempo de defesa com seu advogado. Acusou manifestantes de terem sido pagos para acompanhar a sessão e Luana de fazer política por “luz, câmera, ação”, para aparecer na TV. Segundo o vereador, ela teria dito: “Camilo eu sei que você não é racista, mas você é rico, tem como pagar advogado”. “Esta é Luana Alves”, disse.

E afirmou que, em seu gabinete, 60% dos funcionários são negros e, na Subprefeitura do Ipiranga, de 16 funcionários, 14 são negros, incluindo o subprefeito. “Eu sei que está tomada a decisão aqui hoje porque os vereadores me telefonaram me dizendo que eu não sou racista.”

“Eu conheço esta Casa como poucos. Calar-me? Jamais. Eu não tenho medo de ninguém. Tenho medo de Deus”, afirmou Cristófaro.

Na etapa destinada à defesa de Cristófaro, seu advogado, Ronaldo Andrade, destacou: “Que haja julgamento, que haja Justiça. Um negro que está defendendo o branco. Eu sei que não houve preconceito. Houve uma fala mal colocada, de mau gosto. Porque é uma fala infeliz, mas daí a transformar isso em preconceito, pior do que preconceito, racismo…”

E emendou: “Eu estou com o Djonga: ‘Fogo nos racistas’. Eu sou contra o racismo, mas racismo. Não tirar do contexto uma frase mal colocada e taxar isso de racismo. Não é brincadeira que se faça, só que ele fez com um amigo dele”.

A sessão foi entrecortada por interrupções vindas das galerias do plenário e repetidos pedidos de silêncio do presidente da Casa. Durante a exposição da defesa, houve a necessidade de reforçar a segurança do advogado, depois de o vereador Adilson Amadeu (União) quase agredir o advogado que fez referência ao episódio em que ele se referiu de forma preconceituosa aos judeus. Adilson foi contido por outros vereadores.

Com a decisão, Cristófaro fica inelegível por oito anos, a partir de dezembro de 2024, quando se encerra esta Legislatura.

Após a sessão, Luana afirmou ao g1: “Imagino que antes talvez tivesse algum tipo de tranquilidade pra falar com racista quando não tinha nenhum preto presente [no plenário]. Mas agora não vai ter mais tanta tranquilidade”.

Sobre a acusação feita por Cristófaro, ela negou: “É uma mentira deslavada desse vereador, o que mais uma vez utiliza um mecanismo muito baixo, uma tática muito baixa, que é o desrespeito, que é a mentira, que é tentar de alguma forma criar um clima de absoluto desrespeito”.

Milton Leite avaliou que “a Corregedoria fez um grande trabalho”.

“O plenário reconheceu que a Corregedoria encaminhou e examinou propondo por fim um mandato por prática de racismo que era uma decisão que eu acreditava nela. O que representa o julgamento? É um grande exemplo para o país, uma grande capital mostrando que o racismo não tem espaço. Não é possível conviver mais com o racismo”, completou.

Protestos

Antes do julgamento, houve protesto nos arredores da Casa pela cassação do vereador. Uma multidão de manifestantes gritava “fora Camilo, fora racista”, no ritmo de duas baterias. Embaixo de uma árvore, havia uma roda de capoeira com direito a berimbau.

Nas calçadas, diversas pessoas se espalhavam com bandeiras com frases contra o racismo como “coisa de preto é cassar racista”. Muitos deles vestiam camisetas brancas com frases como “pela cassação do vereador racista Camilo Cristófaro” e “diga não ao racismo”.

Com o início da sessão, parte dos manifestantes entrou no plenário para acompanhar o julgamento. De um lado das galerias, cerca de 85 pessoas que defendem a cassação. Do outro, cerca de 40 apoiam o Cristófaro. Entre os dois, foram posicionados policiais, para evitar possíveis confusões.

Do lado que defende a cassação, pessoas como Maria Rute Brito, de 65 anos, professora aposentada que falou ao microfone, ao som de palmas e batuques: “Esse cara tem que perder o mandato. Eu estou com 65 anos e essa é a primeira vez que isso vai acontecer”.

Do outro, que defende a manutenção do mandato do vereador, pessoas como Eduardo Santos Neto, 52 anos, homem negro que conta que participou da fundação de mais de um movimento negro: “Tem que educar, não reprimir. Repressão é conotação de guerra nas comunidades”.

Histórico
Cristófaro é o primeiro vereador cassado na Câmara Municipal em 24 anos. Desde 1999, época do escândalo que ficou conhecido como Máfia dos Fiscais, o Legislativo paulistano não tem um vereador cassado.

Naquele ano, os vereadores Vicente Viscome e Maeli Vergniano foram acusados de cobrar propina de ambulantes e comerciantes nas antigas administrações regionais (as atuais subprefeituras) e perderam seus mandatos.

Quem ingressa no lugar de Cristófaro é o vereador suplente Adriano Santos, do PSB, partido pelo qual o hoje vereador do Avante foi eleito, mas foi desfiliado compulsoriamente após a fala vazada em plenário.

Santos já tinha tomado posse no ano passado, durante uma curta licença do vereador Eliseu Gabriel, que é do mesmo PSB.

Pedido de mandado de segurança
Para tentar barrar a votação desta terça (19), Cristófaro ingressou com pelo menos duas ações na Justiça de São Paulo, na tentativa de paralisar a votação no plenário da Casa.

Na primeira ação, protocolada na sexta-feira (15), Camilo solicitou um mandado de segurança com pedido de liminar contra a Câmara, alegando que é idoso e, por isso, deveria ter “prioridade na tramitação dos processos e procedimentos judiciais”.

No processo, o vereador também alega que teve o direito de defesa cerceado no processo disciplinar na Corregedoria da Câmara, ao não ser convocado para falar por último na ação. A defesa dele argumenta que na esfera criminal não existe crime de racismo imputado a ele pelos vereadores e que está sendo vítima de um “irreparável prejuízo à imagem política do parlamentar levado de maneira exaustiva à exposição pública como autor de crime de racismo, absolvido pela justiça criminal”.

“Flagrante afronta à Democracia e ao Estado Democrático de Direito, com supressão total das garantias dos nobres Edis e do Vereador Representado, que estão sendo amordaçados e coagidos a votarem contra sua vontade pela cassação do Vereador Representado, sob pena de incorrerem em desfiliação partidário, nominalmente notificados sobre tal decisão extraordinária convocada para este fim, ocorrida no dia 15/09/2023”, alegaram os advogados de Cristófaro no processo.

O juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública, Fausto José Martins Seabra, se disse incompetente para julgar o caso nessa segunda (18) e o remeteu o processo para os desembargadores do Tribunal de Justiça.

No TJ, o desembargador Souza Meirelles foi o escolhido para apreciar o pedido. Ele disse que tem um prazo regimental de cinco dias para analisar o processo. Apesar da expectativa dos vereadores e da própria defesa de Cristófaro, o desembargador não tomou decisão sobre o caso ainda nesta terça.

Na última vez em que se manifestou publicamente sobre o assunto, o vereador do Avante disse que teve “uma frase de apenas dois segundos tirada de contexto”.

“Estão querendo me cassar. E eu pergunto: o que vale mais, uma frase fora de contexto de dois segundos, ou as milhares de horas que eu me dedico às comunidades mais carentes dessa cidade. Eu fui inocentado pelo Tribunal de Justiça criminal dessa cidade. Agora, uma palavra fora de contexto, tirar esse trabalho de um vereador, que luta por tudo e por todos, e pelos mais humildes, é muito triste”, declarou.

Outras versões sobre a frase
Na época em que o áudio vazou, o vereador do Avante tinha dado duas versões sobre a frase. Na primeira delas, ao justificar a fala para os colegas, o parlamentar afirmou em vídeo que se referia a “carros pretos que são f… e não é fácil para cuidar da pintura”.

“São 11h20 da manhã e estou fazendo uma gravação aqui. Estou dizendo exatamente que esses carros pretos dão trabalho. Que os carros pretos são f… Estou dizendo aqui que carro preto não é fácil para cuidar da pintura. Então, se a vereadora Luana olhou pro outro lado, 70% das pessoas que me acompanham, vereadora, são negros. Então, a senhora não vem com conversa. Olha só, estão lavando aqui. Estou dizendo que carro preto dá trabalho, que carro preto é f… dão mais trabalho para polir”, disse Cristófaro.

Mais tarde, naquele mesmo dia 3 de maio de 2022, ao participar do Colégio de Líderes da Câmara com outros parlamentares, ele deu uma nova versão, dizendo que estava conversando com um colega negro, de nome Anderson Chuchu, a quem ele consideraria como um irmão.

“Eu ia gravar um programa que não foi gravado lá no meu galpão de carros. Eu estava com o Chuchu, que é o chefe de gabinete da Sub do Ipiranga, e é negro. Eu comentei com ele, que estava lá. Inclusive no domingo nós fizemos uma limpeza e, quando eu cheguei, eu falei: ‘Isso aí é coisa de preto, né?’ Falei pro [Anderson] Chuchu, como irmão, porque ele é meu irmão”, afirmou o vereador.

O parlamentar pediu desculpas pelo caso ao colegas de Câmara e disse que se tratava de uma “brincadeira” com o amigo.

“Se eu errei, é porque eu tenho essa intimidade com ele, porque ele me chama de carequinha, ele me chama de ‘veínho’. Nós temos essa intimidade. Ele é um irmão meu. (…) Se alguém se sentiu ofendido, e deve se sentir, eu peço desculpas por um contexto que eu fiz com ele e que ele faz comigo”, completou.

Decisão da Corregedoria

As várias versões do vereador para o caso não convenceram a Corregedoria da Câmara que, no final de agosto, aprovou o relatório do vereador Marlon Luz (MDB), pedindo a cassação do vereador por quebra de decoro parlamentar.

Ao analisar o caso e ouvir as partes, Marlon Luz disse que viu na fala do colega um “evidente comportamento que consiste em manifestar a crença de que existem seres humanos superiores a outros”.

“Isso ocorre porque a ofensa, (embora suas testemunhas tenham dito que teria sido direcionada ao Sr. Anderson Silva Medeiros) ela acabou sendo direcionada a um grupo de pessoas negras na sociedade, e ao estabelecer uma conexão entre um trabalho manual deficiente e a população negra, o Vereador Camilo Cristófaro reforçou a percepção socialmente abominável de que as pessoas negras são necessariamente encarregadas de executar trabalhos manuais e que sua suposta ineficiência está relacionada à sua etnia, o que, por si só, já caracterizaria uma quebra de decoro parlamentar.”

Para o relator, a fala do colega “não apenas prejudica a imagem da Câmara Municipal como instituição, mas também a representatividade de seu mandato” e a “representação política é uma das bases da democracia”.

O relatório de Marlon Luz foi aprovado com cinco votos a favor e uma abstenção, com o colegiado decidindo enviar ao plenário o processo final contra o parlamentar, que tem histórico de brigas e outras confusões dentro e fora da Câmara Municipal de São Paulo.

Absolvição na Justiça
Em virtude da fala vazada na Câmara, Camilo chegou a ser processado na Justiça pelo crime de racismo pelo Ministério Público , a pedido da vereadora Luana Alves (PSOL) – também autora do requerimento na Corregedoria que levou ao pedido de cassação do vereador.

Em 13 de julho, a Justiça de São Paulo absolveu o parlamentar.

Na decisão, o juiz Fábio Aguiar Munhoz Soares afirmou que “era necessário que ficasse devidamente comprovada nos autos não somente sua fala, mas também a consciência e a vontade de discriminar, pois não fosse assim e bastaria que se recortassem falas de seus contextos para que possível fosse a condenação de quem quer que fosse”.

O juiz ainda disse que “a fala do acusado, como se demonstrou de forma exaustiva pelas testemunhas ouvidas em juízo, foi extraída de um contexto de brincadeira, de pilhéria, mas nunca de um contexto de segregação, de discriminação ou coisa que o valha”.

O Ministério Público de SP recorreu da decisão, e o processo contra o vereador está em análise na segunda instância.

Registro Espúrio: PGR denuncia 26 pessoas por organização criminosa no Ministério do Trabalho

Investigações apontaram a concessão de registros sindicais em troca de vantagens políticas e econômicas

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou 26 pessoas por organização criminosa com atuação junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O grupo é acusado de fazer negociações ilícitas de registros sindicais. Entre os denunciados estão o ex-ministro do Trabalho, Helton Yomura, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, cinco deputados federais, além de servidores e ex-servidores da pasta. Os fatos foram investigados na Operação Registro Espúrio deflagrada após investigações que duraram cerca de um ano e foram iniciadas após apresentação de uma notícia-crime. A denúncia foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (27) e, inicialmente, será analisada pelo relator do inquérito, o ministro Edson Fachin.

Na denúncia, a PGR detalha o funcionamento da organização criminosa que era dividida em cinco núcleos, quatro dos quais foram objeto da denúncia: administrativo, político, sindical e captador. O esquema consistia na cobrança de vantagens indevidas – como o pagamento a servidores públicos, apoio, financiamento e votos aos partidos/agentes políticos – em troca da concessão fraudulenta de registro sindical. “Os elementos probatórios reunidos no inquérito indicaram que representantes das entidades sindicais ingressam no esquema criminoso em razão da burocracia existente na Secretaria de Relações do Trabalho, que dificulta – e muitas vezes impede – a obtenção de registro àqueles que se recusam a ofertar a contrapartida ilícita que lhes era exigida.”, destaca a PGR.

As provas que embasam a denúncia foram obtidas por meio de medidas cautelares, como quebras de sigilo e buscas e apreensões realizadas em três fases da Registro Espúrio. Também foram consideradas informações prestadas pelo ex-coordenador de Registro Sindical, Renato Araújo Júnior, que celebrou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal. Além de prestar declarações, o ex-servidor forneceu documentos e esclareceu o significado de outros que haviam sido aprendidos pelos investigadores. Ainda durante a fase preliminar da investigação, foram recebidas informações da Controladoria Geral da União (CGU).

Ao longo de 91 páginas, a denúncia detalha a participação dos 26 acusados, a partir da divisão de tarefas e dos núcleos estabelecidos. Foram incluídas trocas de mensagens entre parte dos denunciados, as quais, comprovam tanto o desrespeito à ordem cronológica quanto as cobranças de vantagens indevidas para a concessão dos registros. As conversas, bem como os documentos juntados ao processo, referem-se a uma quantidade significativa de entidades sindicais localizadas em todo o país, Também é destacado o fato de que as irregularidades já foram confirmados em depoimentos que integram uma ação civil pública em andamento na Justiça Federal, em Brasília. Quatro servidores são alvo da ação proposta em 2017 pelo MPF.

 Além da condenação dos investigados por organização criminosa, agravada pela participação de funcionário público, a PGR pede a decretação da perda da função pública para os condenados detentores de cargo ou emprego público ou mandato eletivo e pagamento do valor mínimo de R$ 4 milhões por danos materiais e outros R$ 4 milhões por morais. Raquel Dodge também solicitou a abertura de novos inquéritos para continuidade das apurações, inclusive quanto aos crimes de corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

Mais sobre o funcionamento dos núcleos da organização criminosa:

Núcleo administrativo – As investigações revelaram que, pela divisão de tarefas estabelecida pela organização criminosa, cabia ao núcleo administrativo acelerar os processos de registro sindical, burlando a ordem cronológica para análise, além de elaborar decisões, pareceres, despachos e relatórios “fabricados” para beneficiar entidades sindicais. “Ali se encontra a produção dos atos ilegais desejados pelos políticos, comprados pelos sindicatos, negociados pelos lobistas, com geração de capital (produto de crime) dissimulado e ocultado pelos integrantes do núcleo financeiro”, pontuou a procuradora-geral, sobre a atuação do núcleo administrativo, que era subdividido em dois subnúcleos.

O subnúcleo SRT era responsável pela condução direta dos processos de registros sindicais, manipulando pareceres e decisões para favorecer as entidades ligadas à organização criminosa. Integravam o núcleo os servidores da Secretaria de Relações de Trabalho – Carlos Cavalcante de Lacerda, Renato Araújo Júnior, Leonardo Cabral Dias, Jéssica Mattos Rosetti Capeletti e Renata Frias Pimentel, denunciados nesta sexta-feira.

Já o subnúcleo de influência era formado por ocupantes de altos cargos comissionados, que utilizavam o prestígio dentro do órgão para também direcionar o resultado de pedidos de registros sindicais. Cabia aos integrantes repassar os comandos dos integrantes dos núcleos político e sindical aos membros do “subnúcleo SRT”. Participavam desse núcleo, segundo a PGR, Maurício Moreira da Costa Júnior, Luís Carlos Silva Barbosa, Julio de Souza Bernardo, Adriano José Lima Bernardo, Leonardo José Arantes, João Bertolino de Oliveira Neto, Julio de Souza Bernardo e Rogério Papalardo Arantes. Todos foram denunciados.

Núcleo político e sindical – Os integrantes deste núcleo – formado por parlamentares, dirigentes de partidos, seus assessores diretos – eram os responsáveis por indicar e manter os integrantes do núcleo administrativo em suas funções comissionadas. Além disso, determinavam a manipulação dos processos de registro sindical para favorecer as entidades a eles ligadas em troca da obtenção de capital político e recursos financeiros. Estão vinculados a esse núcleo: o ex-ministro do Trabalho Helton Yomura, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, os deputados federais Jovair Arantes (PTB-GO), Cristiane Brasil (PTB-RJ), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Wilson Filho (PTB-PB), Paulo Pereira da Silva (SDD-SP), o ex-deputado Ademir Camilo (MDB-MG) e os assessores Norberto Paulo de Oliveira Martins, Marcelo de Lima Cavalcanti e Paulo Roberto Ferrari.

Ao descrever a atuação dos núcleos político e sindical, a PGR lembra que, desde 2016, o Ministério do Trabalho está sob influência do PTB e do Solidariedade, partidos responsáveis por indicações para cargos estratégicos. Segundo Raquel Dodge, Roberto Jefferson atua no apadrinhamento, indicação e manutenção de pessoas em postos chaves na estrutura do órgão, com o apoio de Norberto Martins. A denúncia enviada ao STF detalha a participação do presidente do PTB, que atuava em favor de entidades sindicais em troca de apoio político e votos de afiliados. Diálogos mantidos entre Renato Araújo Júnior e Norberto explicitam a atuação e o “poder de mando” de Jefferson. Em uma das conversas objeto de análise com autorização judicial, Renato diz que está “à disposição para priorizar os casos do presidente”.

De acordo com a denúncia, Cristiane Brasil trabalhava para reforçar o núcleo administrativo, conduzindo processos fora da ordem cronológica e manipulando registros. Diálogos entre integrantes do esquema criminoso, que foram juntados aos autos, revelam que mesmo não tendo um cargo oficial no MTB, a deputada fortalecia a atuação do “núcleo PTB”. “Destaca-se que Cristiane Brasil determina a prática de uma grave e séria decisão administrativa, com repercussão na representatividade de toda uma categoria, com vistas a atender aos seus anseios pessoais, usando a máquina administrativa para se favorecer politicamente”.

Os também deputados federais Wilson Filho e Jovair Arantes são acusados de indicar apadrinhados para cargos estratégicos, para que atuassem na defesa de seus interesses. No caso de Jovair Arantes, os indicados foram dois sobrinhos: Rogério e Leonardo Arantes. Segundo Renato Araújo, o Ministério foi entregue a Arantes após o seu trabalho como relator do impeachment da então presidente Dilma Roussef. As investigações revelam que, alçado à posição de “líder”, Arantes tinha ascendência e controle sobre todo o grupo criminoso, incluindo o próprio Yomura, então ministro, que indicado para o cargo para permitir a continuidade dos crimes.

“Os elementos reunidos indicam que, no lugar de Cristiane Brasil, a organização colocou no cargo máximo do Ministério do Trabalho alguém devidamente compromissado com os interesses do grupo e já envolvido com manipulação, inclusive cronológica, dos processos de registro”, relata trecho da denúncia. Já na posição de ministro, Yomura, também passou a ter participação ativa no esquema, avalizando e orientando a atuação da Coordenação-Geral de Registro Sindical.

Já o deputado Nelson Marquezelli atuava por meio do seu assessor, Jonas Antunes Lima, que intercedia na concessão dos registros de entidades sindicais indicadas pelo parlamentar. No caso do ex-deputado Ademir Camilo, a acusação é de que ele agiu em defesa da União Geral dos Trabalhadores (UGT), utilizando o cargo de parlamentar e de liderança sindical para influenciar indevidamente a tramitação de processos de registro sindical de quase 20 entidades.

O partido Solidariedade atuava no esquema também para beneficiar as entidades ligadas ao partido e à Força Sindical, central ligada ao deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força. A contrapartida também era a oferta de capital político ou filiação à Central Sindical presidida por Paulinho. O braço direito do parlamentar era Carlos Lacerda, que dava a última palavra na concessão dos registros, enquanto o assessor Marcelo de Lima Cavalcanti era o responsável por transmitir as ordens de Paulinho.

Núcleo captador e financeiro  Formado principalmente por lobistas e advogados, o núcleo arregimentava entidades interessadas em obter o registro sindical mediante o pagamento de vantagens indevidas. O grupo – composto por Verusca Peixoto da Silva, Sílvio Barbosa de Assis – enviava os dados das entidades ao núcleo administrativo, para que os processos fossem priorizados. Em alguns casos, os próprios integrantes dos esquema elaboravam a minuta das manifestações que seriam assinadas pelos servidores do MTE. Os denunciados são ligados aos sobrinhos de Jovair Arantes. Parte do pagamento era feito de forma dissimulada, com a formalização de um contrato fictício de prestação de serviços de consultoria ou assessoria jurídica, “comprovando-se a sofisticação do grupo criminoso para conferir aparência de licitude aos proveitos de suas empreitadas criminosas”, diz a denúncia. Eles chegavam a cobrar R$ 3,5 milhões por registro.

Lista de denunciados por ordem alfabética:

1) Ademir Camilo Prates Rodrigues

2) Adriano José Lima Bernardo

3) Carlos Cavalcante de Lacerda

4) Cristiane Brasil Francisco

5) Helton Yomura

6) Jéssica Mattos Rosetti Capeletti

7) João Bertolino de Oliveira Neto

8) José Wilson Santiago Filho

9) Jonas Antunes de Lima

10) Jovair de Oliveira Arantes

11) Júlio de Souza Bernardes

12) Leonardo Cabral Dias

13) Leonardo José Arantes

14) Luís Carlos Silva Barbosa

15) Marcelo de Lima Cavalcanti

16) Maurício Moreira da Costa Júnior

17) Nelson Marquezelli

18) Norberto Paulo de Oliveira Martins

19) Paulo Pereira da Silva

20) Paulo Roberto Ferrari

21) Renata Frias Pimentel

22) Renato Araújo Júnior

23) Roberto Jefferson Monteiro Francisco

24) Rogério Papalardo Arantes

25) Sílvio Barbosa de Assis

26) Verusca Peixoto da Silva