Cinco dias após crise de energia, Prefeitura de SP anuncia ação civil contra a Enel por ‘descumprimento de acordo’ com a cidade

Gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que também irá notificar o Procon e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para que medidas também sejam tomadas contra a concessionária.

A Prefeitura de São Paulo anunciou nesta quarta-feira (8) que a Procuradoria Geral do Município ingressará na Justiça com uma ação civil pública contra a empresa Enel, responsável pelo fornecimento de energia da capital.

O anúncio aconteceu cinco dias depois da crise de energia que afetou os municípios da Grande SP.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz que o processo contra a concessionária de energia é por “descumprimento de acordo da empresa com a cidade e de outras normas legais”.

Além disso, a Prefeitura diz que também irá notificar o Procon e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que medidas sejam tomadas contra a concessionária.

Desde junho de 2022, a gestão municipal e a Enel tinham um termo de cooperação assinado, que previa protocolos da concessionária de energia no atendimento às demandas da cidade para poda e remoção de árvores caídas, especialmente em situações de emergência.

O documento deixa claro que o manejo e poda das árvores é responsabilidade de gestão municipal, mas em caso de árvores em contato com a fiação elétrica, a Enel deve apoiar as equipes de manejo da prefeitura no serviço, especialmente em situações de queda de árvores sobre a fiação elétrica.

A cláusula sétima do documento fala que, em caso de descumprimento dos prazos e itens do contrato, a Enel sofreria penalidades administrativas por parte da gestão municipal. O acordo tem validade até 2024.

5º dia de imóveis na escuridão

Apesar da promessa de resolver o problema de falta de energia na cidade até o final da noite de terça-feira (7), a cidade ainda tem milhares de imóveis sem luz. O problema se estende, inclusive, à municípios da Grande SP.

A data havia sido informada pela Enel, concessionária que administra a rede elétrica da área, como a final para a conclusão do restabelecimento de energia para todos os clientes afetados pela chuva que atingiu a região na última sexta-feira (3).

O presidente da Enel, Max Lins, disse em entrevista ao Estudio I da GloboNews que não é possível dar datas para o restauro completo.

“Evidentemente, é impossível você prever uma restauração de uma rede, onde derrubou-se postes, transformador, cabo”, disse.
“É preciso um trabalho de cooperação muito forte entre as partes para que a gente possa levar isso a termo”, completou.

A Enel informou que 107 mil imóveis ainda estão sem energia na Grande São Paulo na noite desta terça-feira (7). Desse total, 30.200 foram afetados diretamente pelo temporal de sexta-feira (3). A empresa começou a dividir entre clientes afetados pela chuva ou não apenas a partir de segunda-feira (6). Antes, o número informado era geral. No primeiro dia da chuva, sexta, 2,1 milhões de imóveis ficaram sem luz na Grande São Paulo.

Moradores de regiões afetadas chegaram a bloquear rodovias e avenidas de São Paulo para protestar contra a falta de luz.

Em nota, a empresa informou que “está atuando com mais de 3 mil técnicos nas ruas e que têm trabalhado de forma incansável para reconstruir trechos inteiros da rede elétrica, garantindo a energia para todos”.

A reportagem da TV Globo flagrou diversos caminhões da Enel parados nos pátios da empresa nesta manhã. Questionada, a concessionária ainda não se manifestou sobre o assunto.

Escolas e Unidade de Saúde sem luz
A falta de energia afetou o funcionamento de escolas municipais e estaduais, além de unidades de saúde.

Na Zona Leste da capital paulista, pais se depararam novamente com os portões fechados da Escola Estadual Alcides Boscolo. Segundo a Secretaria Estadual da Educação, a energia foi reestabelecida no local por volta das 11h. A unidade será reaberta para atender alunos no período da tarde.

Na UBS/AMA do Jardim Santo André, também na região de São Mateus, um papel informava sobre a falta de luz. “Estamos sem energia. Atendimento manual”. Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, a luz já foi reestabelecida na unidade.

Ainda de acordo com a pasta, cerca de 30 unidades ainda registram falta de luz.

Nestes equipamentos, os usuários estão sendo acolhidos e orientados sobre seus atendimentos. Os procedimentos que estavam agendados e não puderam ser realizados serão remarcados para datas próximas.

Todos os hospitais e unidades da rede de Urgência e Emergência sob gestão municipal seguem operando normalmente.

Cobranças e investigação
Nesta segunda-feira (6), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se reuniu com o governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) para cobrar explicações sobre os problemas no fornecimento de energia.

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) vai abrir, ainda nessa semana, uma investigação para apurar se houve omissão da concessionária Enel no restabelecimento de energia para os consumidores da Região Metropolitana de São Paulo.

A Defensoria Pública de São Paulo também enviou um ofício à Enel, nesta segunda-feira (6), pedindo esclarecimentos sobre interrupção de energia elétrica na capital.

Mortes
Das oito pessoas que morreram em decorrência das fortes chuvas, cinco foram atingidas por queda de árvores.

Especialistas ouvidos pelo g1 apontam uma série de problemas de responsabilidade da gestão municipal: falta de manutenção, planejamento, além de árvores plantadas de forma irregular e podas malfeitas.

Ricardo Nunes afirmou que as chuvas de sexta atingiram até “árvores saudáveis” e disse que pedirá à Enel, em reunião agendada na tarde desta segunda, no Palácio dos Bandeirantes, um plano de contingência para evitar desastres por conta de mudanças climáticas. “A prefeitura está se preparando, eu preciso que a Enel também se prepare”, defendeu.

Empresa de reboque que presta serviço para o Detran sem licitação tem ligação com deputado do RJ

A empresa Opção Ativa, com sede em Duque de Caxias, opera na Baixada Fluminense e na capital do estado, o que pode ser irregular. Sua concorrente, a APL, teve seu contrato com o Detro suspenso, após investigação da Alerj.

A Opção Ativa, uma empresa de reboques com sede em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, vem prestando serviços de forma irregular ao Detran-RJ. Sem licitação, a companhia passou a receber solicitações quando sua concorrente teve o contrato com o órgão público suspenso, após ser investigada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

A equipe do RJ2 apurou que a Opção Ativa tem ligações com o deputados estadual Márcio Canella do União Brasil, com influência política no Detran-RJ.

A reportagem flagrou ao longo dos últimos meses a atuação dos reboques da Opção Ativa em Duque de Caxias, Mesquita e Nova Iguaçu, além do município do Rio de Janeiro.

Segundo o Código Brasileiro de Trânsito, o serviço de remoção, depósito e guarda de veículos pode ser realizado por órgão público diretamente ou por particular contratado por licitação pública.

Até agosto, os carros apreendidos pelo Detran eram levados para os pátios do Departamento de Transportes Rodoviários (Detro), administrados pela APL, empresa contratada por meio de licitação.

No fim de setembro, o Detro parou de comandar o reboque de carros nas operações do Detran. A decisão foi anunciada na CPI da Alerj que investigou supostas irregularidades no contrato da APL com o Detro.

Desde então, os quatro depósitos do departamento deixaram de receber carros apreendidos pelo Detran. Contudo, antes mesmo da APL ser suspensa, a empresa Opção Ativa passou a ser vista nas operações do Detran.

A Opção Ativa é legalmente contratada pelo município de Duque de Caxias para gerenciar o depósito público dos veículos apreendidos e abandonados na cidade. Contudo, atualmente, a empresa tem sido usada em operações do Detran no Rio e em outras cidades da Baixada Fluminense, o que pode ser ilegal, de acordo com o advogado Osmar Berardo Filho, especialista em direito administrativo.

“Pelo código Brasileiro de Trânsito, é obrigação do Detran licitar a contratação desse serviço para as cidades a que ele atende, inclusive o Rio de janeiro. Os órgãos de controle, o MP e o TCE poderão aferir melhor a legalidade dessa contratação. Se afigura uma contratação direta e caso haja ilegalidade os responsáveis podem estar sujeitos às penalidades previstas na lei de improbidade administrativa, como ter que ressarcir os prejuízos causados aos cofres públicos”, explicou Osmar.

“Em regra, o Detran é obrigado a contratar com licitação para cada um dos municípios, esse tipo de serviço. Se ficar comprovado que esse serviço foi contratado para a cidade do Rio de forma direta, pode ser configurado crime”, completou o especialista.

A reportagem entrou em contato com as prefeituras de Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita e Rio de Janeiro. Todas negaram ter qualquer tipo de contrato ou convênio com a empresa Opção Ativa.

Já o Detran informou que a empresa tem contrato apenas com o município de Duque de Caxias e por isso pode atuar em outros municípios. O Detran também enviou documentos mostrando que tem convênios de colaboração com os municípios para a remoção dos carros.

“Como somente Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, cumpriu essa obrigação, optou-se pelo encaminhamento de todos os veículos eventualmente removidos nas operações de trânsito, na região, para o pátio do município”, dizia a nota enviada pelo Detran.
Deputados influentes no Detran
Segundo a Receita Federal, o sócio administrador da Opção Ativa é Felipe Correia da Cruz. No órgão, a empresa aparece com o capital social de R$ 2 milhões.

Apesar de ser sócio da Opção Ativa, Felipe mora em um bairro simples de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Ele atende como recepcionista na empresa. Foi Felipe que recebeu a reportagem do RJ2 nas duas vezes que a equipe esteve no depósito.

Ao ser perguntado como os carros rebocados em outros municípios acabavam parando no pátio da empresa em Duque de Caxias, ele disse que o Detran “pede reboques da Opção Ativa quando precisa”, e que a empresa é o “depósito municipal de Duque de Caxias”, que teria um “convênio com o Detran”.

Felipe é irmão de Hugo Correa da Cruz, conhecido como Hugo Canelão. Ele é um líder político em São Gonçalo e braço direito, na região, do deputado estadual Márcio Canella, presidente do União Brasil no Rio. Nas últimas eleições, em 2020, Hugo esteve à frente da campanha de Canella.

A ponte entre a Opção Ativa e o Detran também passa pelo deputado Márcio Canella, segundo apuração do RJ2.

O atual presidente do Detran, Marcus Amim, já recebeu das mãos de Canella a Medalha Tiradentes, a maior honraria entregue pelo legislativo estadual. Além disso, o vice-presidente do órgão, Bruno Cabral Pereira, teria sido indicado pelo deputado.

Bruno é homem de confiança do deputado estadual Rafael Nobre (União Brasil), do mesmo partido de Márcio Canella. Nobre tem reduto político em Nilópolis, na Baixada Fluminense. A cidade também é onde mora outro integrante do quadro de sócios da Opção Ativa, Marcos Reis Fernandes, o Marquinhos.

O que dizem os citados
A reportagem esteve na Alerj para entrevistar o deputado Márcio Canella, mas ele não compareceu. Por telefone, ele negou qualquer relação com a empresa Opção Ativa. O deputado também disse que na política acaba se relacionando com muita gente e não tem como responder pelas atitudes de outras pessoas.

A Prefeitura de Duque de Caxias informou que não tem convênio com o Detran e que o depósito e os reboques não pertencem ao município, e sim a uma empresa particular.

De acordo com a prefeitura, o contrato da Opção Ativa com Caxias não impede que o depósito receba veículos de outras cidades.

A Opção Ativa informou que há seis anos venceu uma licitação para a prestação de serviços públicos, em Caxias, tendo como objetivo principal reboque e guarda de veículos. E que a empresa presta serviços para as polícias civil, militar e outros órgãos, tudo conforme convênios, contratos e dispositivos legais.

A opção Ativa confirmou que reboca veículos em outros municípios, de acordo com a deliberação do Cetran, o Conselho Estadual de Trânsito. A Opção Ativa informou também que o sócio Marcos Reis, não atua há mais de 4 anos, na escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, inexistindo qualquer tipo de vínculo entre a empresa e agremiação.

O deputado Rafael Nobre, do União Brasil, confirmou a amizade com Bruno Cabral. Ele disse que não sabe quem o indicou para o cargo de vice-presidente do Detran, mas disse que confia e acredita no trabalho dele.

O Detran informou que não tem relação com qualquer empresa prestadora de serviço de reboque e que não vê ilegalidade em remover um veículo em um município e encaminhar para depósito em outra cidade.

Sobre a van localizada pela reportagem, na rua do sócio da Opção Ativa, em São Gonçalo, o Detran disse que o veículo estava sob a responsabilidade de um funcionário do órgão e que serviria de apoio em uma ação social, agendada para esta semana, na Zona Norte do Rio.

A equipe do RJ2 não conseguiu falar com Felipe Correa da Cruz, Hugo Correa da Cruz e Marcos Reis Fernandes.

Quatro contratos entre a Prefeitura de Caxias com empresas que repassaram R$ 12 milhões a vereador preso serão investigados

O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a 105ª DP (Petrópolis) vão investigar quatro contratos firmados pela Prefeitura de Duque de Caxias com empresas de prestação de serviços, entre os anos de 2013 e 2018, por indícios de fraudes em contratações. De acordo com denúncia feita pelo MP, o vereador Carlos Augusto Pereira Sodré, o Carlinhos da Barreira (MDB), preso preventivamente nesta sexta-feira, teria recebido através de repasses feitos por essas empresas mais de R$ 12,7 milhões. O parlamentar era uma dos alvos da Operação Barreira Petrópolis, acusado por suspeita de crimes de agiotagem, extorsão e lavagem de dinheiro.

O montante entrou na conta da empresa Sodré Serviços de Transportes Locação de Máquinas e Equipamentos, da qual Carlinhos é sócio. No total, em cinco anos (entre janeiro de 2015 e agosto de 2020) a Sodré Serviços movimentou mais de R$ 62,3 milhões sem possuir receitas que justificassem tamanha movimentação financeira. Para o MPRJ, o real beneficário dos contratos entre as prestadoras de serviço e o município é a empresa do vereador preso.

— Essas quatro empresas que tem contratos com a Prefeitura ( de Duque de Caxias) que somam R$ 125 milhões, elas transferiram R$ 12, 3 milhões para a conta da empresa do vereador. Uma delas transferiu todo o montante que recebeu da Prefeitura para a empresa do vereador. Então, há indícios fortíssimos de que o real beneficiário deste contrto foi a empresa do vereador. Vamos analisar o material apreendido e vai ser instaurado um procedimento para investigar os quatro contratos suspeitos de terem favorecido o vereador Carlinhos da Barreira — explicou Rogério Sá Ferreira, um dos promotores integrantes do Gaeco responsáveis pelo caso.

Só uma prestadora de serviço, do ramo de comércio de locações de máquinas, a mesma mencionada pelo promotor repassou para a empresa do vereador um valor de R$ 8.546.367,18, dividido em 109 operações financeiras.

Nesta sexta-feira, policiais da 105ª DP e o Ministério Público deflagraram a Operação Barreira Petrópolis, que prendeu Carlinhos da Barreira. Segundo o MPRJ e a Polícia Civil, que apuram o caso, o parlamentar preso é suspeito de comandar um esquema de agiotagem e extorsão, que conta com a participação de dois policiais militares. Os PMs também alvos da ação foram presos nesta manhã.

Carlinhos Barreira foi preso em casa, em Duque de Caxias. O PM Ricardo da Silva Santos foi preso por agentes da corregedoria da PM em casa, também em Duque de Caxias. Já o PM Carlos Alexandre da Silva Alves foi preso ao chegar para trabalhar no 2ºBPM (Botafogo).

A operação cumpriu 17 mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos investigados. O vereador teve ainda o sequestro de seus bens imóveis e de recursos financeiros. Entre eles estão dois sítios em Guapimirim e um apartamento em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Carlinhos da Barreira ainda é acusado de lavagem de dinheiro e fraude à licitação.

Segundo as investigações, o vereador cobrava juros extorsivos ao emprestar dinheiro. Entre os casos apurados, um empresário do setor de compra e venda de automóveis, fez o empréstimo no valor de R$ 1 milhão em janeiro de 2019, a juro mensal de 3,5%, equivalente a R$ 35 mil. Os dois PMs foram chamados por Carlinhos para ameaçar de morte o empresário quando ele não conseguiu, após um ano, arcar com a dívida.

— A investigação iniciou-se há pouco mais de um ano a partir de uma denúncia de um empresário petropolitano. Ele contou ter recebido (empréstimo) de R$ 1 milhão de Carlinhos Barreira em espécie. E que, após pagar juros extorsivos, não aguentou mais a situação e procurou a polícia, dizendo que vinha recebendo ameaças de morte. A partir daí, foi instruído um inquérito. Conseguimos comprovar que o vereador, inclusive, contava com o auxílio de dois policiais militares para concretizar as ameaças. Eles também eram uma espécie de operadores financeiros do parlamentar. Era, eles que recebiam as quantias em espécie dos juros extorsivos. Eram, portanto, responsáveis também pela parte financeira, além de constituir o braço armado — disse o delegado João Valentim, da 105ªDP.

Em nota, a Prefeitura Municipal de Duque de Caxias (PMDC) “informa que não interfere nas atividades empresariais realizadas por suas contratadas, limitando-se a fiscalizar o fiel cumprimento do objeto do contrato firmado mediante licitação. A empresa de titularidade do vereador detido não era contratada pela PMDC, razão pela qual nenhuma fiscalização acerca da mesma foi realizada até o momento”.

Em nota, a Câmara Municipal de Duque de Caxias afirma “que está isenta de quaisquer atos individuais dos vereadores, sendo o mandado único e exclusivamente destinado ao gabinete” do vereador. E que está à disposição da Justiça para elucidações que se fizerem necessárias. Agentes que participaram da operação estiveram na Casa nesta manhã.

Segundo o documento enviado pela Casa Legislativa, o vereador preso só poderá ser afastado de suas funções 31 dias após a ordem de prisão. Neste caso, com subsídio de R$ 15.230 suspenso. Porém só estará sujeito a perda do cargo após uma sentença condenatória transitar em julgado. Ou seja, não corre risco de deixar de ser vereador antes do caso ser julgado em todas instâncias pela Justiça.

Berço da Lava Jato e da Carne Fraca, Paraná é palco de conflitos históricos

Família do procurador Deltan Dallagnol possui latifúndios no noroeste do Mato Grosso, em região de litígio com o Incra; em cinco anos, De Olho nos Ruralistas mostrou como políticos como Ricardo Barros e empresários como Ratinho multiplicam terras e fortunas

O procurador da República Deltan Dallagnol ganhou notoriedade por coordenar a força-tarefa da Lava Jato, que investigou denúncias de irregularidades na Petrobras e em outras estatais brasileiras. Seus discursos anticorrupção ganharam as manchetes dos jornais. O leitor do De Olho nos Ruralistas sabe, porém, que o “herói nacional” pintado pela mídia comercial é membro de um clã que possui dezenas de milhares de hectares no noroeste do Mato Grosso.

Em 2019, o observatório detalhou informações sobre os latifúndios, em uma série de reportagens. Do desmatamento aos conflitos agrários (numa região onde protagonistas da disputa foram assassinados), do histórico fundiário peculiar ao atual litígio com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) descortina-se um país bem diferente daquele que a operação procurou apresentar ao país.

Essa é uma das muitas histórias contadas pelo De Olho, que acaba de completar cinco anos. Em comemoração ao aniversário, cada Unidade da Federação ganha a partir desta semana um balanço específico do que publicamos desde 2016. Os dois primeiros textos, de 27, foram sobre o Rio Grande do Sul, usina de ruralistas, e Santa Catarina, conexão Amazônia. Na sequência migraremos para as regiões Sudeste, Nordeste, Norte e Centro-Oeste, a representar a expansão econômica e territorial do agronegócio no Brasil.

Abrimos a série sobre Dallagnol com as desapropriações feitas pelo Incra em 2016, durante os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff. O processo inclui fraudes cometidas por funcionários públicos: “Incra diz que desapropriação de R$ 41 milhões no MT que beneficiou pai, tios e e primos de Deltan Dallagnol foi ilegal“. Outra reportagem oferece uma perspectiva histórica: “Família Dallagnol obteve 400 mil hectares de terras no Mato Grosso durante a ditadura“.

Entre os personagens do clã destacam-se dois tios de Deltan. Um deles, Leonar Dallagnol, conhecido na região por um apelido: “Conhecido como Tenente, tio de Deltan Dallagnol foi acusado de invadir terras ao lado de ‘Pedro Doido’”. Outro, o advogado Xavier Dallagnol, é um dos expoentes jurídicos dessa família de advogados e procuradores. De Cuiabá, ele comanda a defesa dos latifúndios em Nova Bandeirantes (MT): “Tio de Deltan, Xavier Dallagnol foi flagrado em grampo sobre compra de sentenças“.

Ao lado de Leonar, Xavier e sua esposa, Maria das Graças Prestes, eles protagonizam os casos de desmatamento diretamente ligados ao clã, em plena região conhecida como Portal da Amazônia, já na floresta: “Três tios de Deltan Dallagnol figuram entre desmatadores da Amazônia“. Mas a maior beneficiada foi a filha de Xavier, prima de Deltan: “Em 2016, prima de Dallagnol ficou em décimo lugar entre maiores beneficiados por recursos agrários no país“.
RATINHO, O FAZENDEIRO, TEM TERRAS COM HISTÓRICO DE GRILAGEM
Outro paranaense de destaque nacional retratado pelo De Olho é o apresentador Carlos Roberto Massa, mais conhecido como Ratinho, que já tomou conta do noticiário por defender intervenção militar no país, “fuzilamento de denunciados” e “limpar mendigos” das cidades. Aliado do presidente Jair Bolsonaro e pai do governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), ele montou um verdadeiro império do agronegócio. Além de empresas em setores diversificados — de emissoras de rádio e TV a marcas de tintas, ração, café e cerveja  —, possui hoje ao menos quinze fazendas.
Na série Ratinho, o Fazendeiro, publicada em julho, contamos que duas dessas propriedades rurais, localizadas em Tarauacá (AC), são fruto de um processo de grilagem e exploração de mão de obra. Em 2002, o comunicador pagou por volta de R$ 330 mil a um grupo de empresários de Londrina (PR), donos do Café Cacique, da Viação Garcia e do Bamerindus. As glebas, denominadas de Paranacre A e Paranacre B, em referência à companhia, já pertenceram a Altevir Leal, que depois se tornou senador biônico pela Arena.
Elas estão até hoje registradas em nome da Radan Administração e Participação Ltda, com sede em Curitiba e cujo sócio-administrador é o pecuarista Dante Luiz Franceschi. Em entrevista a Amaury Júnior, da Band, em 2018, Ratinho comentou que a área tem na verdade 200 mil hectares e que planeja explorar madeira no local.
Coincidentemente, o governador do Acre, Gladson Cameli (PP-AC), que é sócio da madeireira Marmude Cameli desde 1997, pretende regularizar a exploração de florestas públicas por empresas privadas. O Projeto de Lei (PL) nº 225/2020, em tramitação na Assembleia Legislativa (Aleac), atinge o Complexo do Rio Gregório, em Tarauacá (AC), onde ficam as fazendas do apresentador do SBT. A proposta é criticada por organizações de extrativistas e povos indígenas, que preveem sérios impactos socioambientais. Leia mais aqui.
Três dias após o início da publicação de reportagens sobre seu império agrário, o Grupo Massa emitiu uma nota relativa às terras no Acre, tema do segundo texto da série. O governo do Paraná, chefiado por Ratinho Júnior, também divulgou uma nota afirmando desconhecer as informações sobre os nove despejos realizados no estado: “Ratinho, o Fazendeiro (IV) — Apresentador diz que suas terras no Acre têm 149.500 hectares
DIÁLOGO DA CARNE FRACA UNE TEMER, LOURES E SERRAGLIO
Deflagrada pela Polícia Federal (PF) em março de 2017, a Operação Carne Fraca também foi destaque no De Olho. As investigações atingiram as maiores empresas do ramo — a JBS, dona das marcas Seara, Swift, Friboi, e Vigor, e a BRF, dona da Sadia e da Perdigão. Elas foram acusadas de adulterar a carne que vendiam nos mercados interno e externo.
Este observatório tratou das relações — nada republicanas — entre alguns dos personagens principais da trama: o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP), o deputado federal Osmar Serraglio (MDB-PR) e o ex-deputado Rocha Loures (MDB-PR). Releia aqui.

Gravação mostra fiscal e funcionário da Seara referindo-se a Loures como braço-direito de Temer. (Reprodução/PF)
Ao nomear Serraglio como ministro da Justiça, em 07 de março daquele ano, Temer matou dois coelhos com uma só cajadada: colocou o ruralista no comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), para atender aos interesses da bancada do agronegócio, e abriu uma vaga para Loures, o primeiro suplente do MDB paranaense , voltar à Câmara – e, assim, obter foro privilegiado.
Num diálogo divulgado pela própria PF, Rocha Loures – um empresário agropecuário – é descrito como o braço direito de Temer. Daniel (Gonçalves Filho) era o superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, indicado pela bancada paranaense do MDB. Preso e indiciado, foi apontado pela polícia como “um dos líderes da organização criminosa”. Serraglio o chamava de “grande chefe”.
Em outro trecho, Serraglio é acusado – junto a Daniel – de beneficiar um empresário concorrente: “Carne Fraca”: Record mostra que Osmar Serraglio protegia frigorífico“.
A JBS teve participação ativa na eleição de Serraglio para a Câmara. Confira: ““Carne Fraca”: JBS foi maior doadora de campanha de Osmar Serraglio“. A empresa também foi a maior doadora de campanha para a eleição da chapa Dilma-Temer, que reelegeu Dilma Rousseff como presidente e Michel Temer como vice-presidente – até ele ser levado ao poder de forma indireta.
Gravado pela JBS, em vídeo, recebendo R$ 500 mil de propina numa mala, Loures aparece em mais uma reportagem do De Olho. É que a Nutrimental Indústria e Comércio de Alimentos, da família do político, estava entre as cerca de 2 mil instituições apoiadoras do projeto “10 Medidas Contra a Corrupção“, lançado pelo Ministério Público Federal.
PIVÔ DE ESCÂNDALO DA COVAXIN, RICARDO BARROS TEM FACE RURAISTA
Depois de muito relutar, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) abriu o jogo durante seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e revelou o nome do chefe do esquema de venda superfaturada da vacina indiana Covaxin. Trata-se de mais um paranaense, o líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O político, empresário e fazendeiro foi citado pelo próprio presidente, quando Miranda denunciou o esquema para o capitão. Leia mais aqui.
Bolsonaro e Barros são aliados de longa data. Foram companheiros de partido por dez anos, como mostra o 13º vídeo da série De Olho no Genocídio:

O avô do pepista, Odwaldo Bueno Neto, enriqueceu comprando terras de pequenos produtores na região de Maringá (PR), reduto eleitoral do político. O próprio Barros aumentou sua fortuna durante sua carreira. Em 2006, quando foi candidato, ele declarou R$ 1.255.746,74 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2018, esse valor tinha quadruplicado: R$ 5.529.650,21. O observatório falou sobre sua face agrária na reportagem “Novo líder do governo na Câmara tem latifúndio em região de conflitos no Piauí”.

PRESIDENTE DA FPA RECEBEU DOAÇÃO DE INVESTIGADO

Além de Barros, Serraglio e Loures, o Paraná é berço de outros políticos ruralistas, incluindo o atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Sérgio Souza (MDB-PR). Ex-senador, ele não declarou bens rurais à Justiça Eleitoral, em 2014. De R$ 2,2 milhões que recebeu de financiamento de campanha, porém, mais de R$ 400 mil vieram de empresas – ou donos de empresas – do agronegócio.

O sexto maior doador foi Valdecio Antonio Bombonatto, presidente da Fortesolo, com R$ 50 mil. Ele o irmão Almir Jorge Bombonatto foram conduzidos coercitivamente pela PF em 2017 para prestar esclarecimentos, no âmbito da Carne Fraca. A doação para Souza – dentro da legalidade – foi a maior feita por Bombonatto naquele pleito. Leia mais aqui.

Sérgio Souza: financiado por empresas do agronegócio. (Foto: Divulgação)

Há ainda casos como o de Luiz Nishimori (PR-PR), que vendeu durante anos pesticidas em Maringá, Marialva e Luiziana, no noroeste do Paraná. Ele é o relator do PL do Veneno, o PL 6299/2002, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no Brasil. O parlamentar, membro da FPA, e a esposa, Akemi Nishimori, controlam a Mariagro Agrícola Ltda. A frente tem interesse direto na aprovação do projeto, como mostramos aqui.

Figurinha carimbada nos atos antidemocráticos registrados em apoio a Bolsonaro, a deputada Aline Sleutjes (PSL-PR) também foi perfilada recentemente. Apesar de se referir a camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como invasores, oportunistas e covardes, ela foi a escolhida para presidir a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural . Cabe ao órgão, entre outras atribuições, discutir políticas fundiárias e de reforma agrária, em diálogo com movimentos do campo.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas terá ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Assista ao vídeo do aniversário:

Nos próximos dias, vamos inaugurar a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Também em setembro estreia uma campanha de internacionalização do observatório.
Você pode apoiar todos esses projetos aqui.

Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2021/09/10/berco-da-lava-jato-e-da-carne-fraca-parana-e-palco-de-conflitos-historicos/