TJAL 22/08/2016 - Pág. 231 - Caderno 2 - Jurisdicional - Primeiro Grau - Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas
Disponibilização: segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Diário Oficial Poder Judiciário - Caderno Jurisdicional - Primeiro Grau
Maceió, Ano VIII - Edição 1691
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e réu foram ouvidos na Audiência de Instrução (fls. 64/67). Sendo ouvidas também duas testemunhas do autor e duas do réu, além do
funcionário do Cartório do Registro Imobiliário, (fls. 69/75).Às fls. 76 e 77/79, constam a Procuração Pública de outorga de poderes do
autor para o réu, e a Certidão Imobiliária do imóvel em questão.Constam nos autos também, as Alegações Finais do autor (fls. 81/84), e
do réu (fls. 86/88), onde ambos reafirmam as suas respectivas teses.Com vistas, o representante do Ministério Público ofereceu Parecer
de fls. 103/106, opinando pela procedência do pedido, fundamentando-se na nulidade da Procuração em análise, por não se revestir das
formalidades legais inerentes à Escritura Pública de Compra e Venda, e na comprovação do dolo do réu na transação imobiliária.É o
relatório. Fundamento e decido.O contrato de compra e venda é negócio jurídico bilateral, consensual, oneroso, instantâneo e geralmente
comutativo, havendo obrigação recíproca entre as partes envolvidas na avença, já que uma tem o dever de dar algo (prestação) e a
outra de pagar preço equivalente à coisa adquirida (contraprestação).Na hipótese trazida à análise, o autor anuiu expressamente com o
réu em vender 55 (cinquenta e cinco) varas, de um total de 106 (cento e seis) varas de terra do seu imóvel, localizado no Povoado Mãe
D’água, neste Município de Penedo/AL.Pelas provas colacionadas, e por todo o contexto dos autos, restou demonstrado que o autor não
tinha intenção de alienar todo o seu imóvel, ao contrário, sua pretensão era vender somente as 55 (cinquenta e cinco) varas, e ficar com
as outras 51 (cinquenta e uma) varas para morar, cultivar plantações e transmitir por herança. Em todas as tratativas o autor estava
ciente de que as negociações compreendiam apenas as 55 (cinquenta e cinco) varas, inclusive quando lhe foram quitados os Cr$
5.000.000,00 (Cinco Milhões de Cruzeiros), tratava-se do pagamento de tal negociação.Ao contrário do afirmado pelo réu, em sua
contestação, o pagamento dos Cr$ 5.000.000,00 (Cinco Milhões de Cruzeiros), que no seu dizer serviria para comprar o resto das terras,
não ocorreu, tampouco fora feito na presença do Oficial do Cartório Imobiliário, já que próprio Oficial negou tal fato quando fora inquirido
em Juízo (fls. 73/74), asseverando que: “[...] não assistiu nenhum pagamento de qualquer valor feito pelo réu, ao autor, em função do
negócio realizado entre autor e réu.”Observa-se que, o valor inicialmente negociado e que diz respeito as 55 (cinquenta e cinco) varas
Cr$ 1.200.000,00 (Um Milhão e Duzentos Mil Cruzeiros) foi pago ao longo de dois anos, em pequenos pagamentos realizados a título de
empréstimos, solicitados ao réu, ora pelo autor, ora por sua companheira. Colhe-se do depoimento do autor que, os valores que recebeu
do réu, via Notas Promissórias acostadas pelo réu às fls.19/49, diziam respeito ao pagamento pela venda das 55 (cinquenta e cinco)
varas de terra, que foram inicialmente negociadas na monta de Cz$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil cruzeiros), os quais, por
não terem sido pagos no momento da negociação, e sim ao longo do tempo, incorreram em juros, que somados aos valores restantes
devidos, resultaram no pagamento do valor de Cr$ 5.000.000,00 (Cinco Milhões de Cruzeiros), até porque naquela época a instabilidade
monetária era muito grande, e o pagamento não foi feito prontamente em parcela única, sendo necessário aquele reajuste que fora
aplicado, visando manter estável o poder de compra ou de mercado durante o período até ser concluída a quitação do débito. Vale gizar
que, ao ser inquirido perante este Juízo, o autor demonstra sua real intenção, vejamos: “[...] que vendeu cincoenta e cinco braças de sua
propriedade ao réu Ivane Martins dos Santos, por Cr$ 1.200.000,000 [...] o restante da propriedade não foi vendida ao réu, o autor
pretendia deixar em favor da filha da mulher com quem vive atualmente [...] Sic” Fls. 64/65.Outrossim, as testemunhas, tanto do autor
quanto do réu, também confirmam que o negócio se restringiu as 55 (cinquenta e cinco) varas de terra, e não ao imóvel integral, dessa
forma, colaciono alguns trechos:”[...] o autor vendeu ao réu Ivane Martins de Lima cinqüenta e cinco (55) das cento e cinco (105) que
possuía, ficando portanto sua posse de terra reduzida a cincoenta (50) varas de frente [...] que ouviu dizer depois que o réu deu ao autor
cinco mil cruzeiros (Cr$ 5.000,00) depois do negócio para pagamento de juros; [...] que não tomou conhecimento nem ouviu dizer se o
réu depois, comprou o restante da propriedade do autor [...] Sic” Testemunha do autor: Sr. Aloísio dos Santos Fls. 69/70.[...] de sua posse
de terra, o autor vendeu cincoenta e cinco (55) varas ao réu, ficando com o restante, isto é cinquanta varas [...] que depois de efetuada
a venda de parte de sua propriedade, foi lançada uma cerca divisória entre a parte do autor e do réu em cuja cerca o inquirido trabalhou
[...] que tem presenciado que o autor continua na posse de sua propriedade, na parte que lhe restou após efetuada a venda [...] Sic”
Testemunha do autor: Sr. Ernande dos Santos Fls. 70/71.”tem conhecimento que o autor vendeu ao réu parte de sua propriedade,
compreendendo cinquenta e cinco (55) varas de frente, pois o inquirido assistiu o negócio; que o valor das 55 varas vendidas ao réu foi
de um Milhão e duzentos mil cruzeiros (Cr$ 1.200.00,00) que desconhece se o autor vendeu ao réu a parte restante de sua propriedade
isto é, às 50 varas, pois o autor nada adiantou ao inquirido sobre essa venda [...] que depois que o autor vendeu 55 varas de sua
propriedade ao réu, passou uma cerca divisória entre uma parte e outra, limitando a sua posse e a do réu e que esta cerca divisória
ainda se encontra na propriedade [...] Sic” Testemunha do réu: Sr. Antônio Vicente dos Santos Fls. 71/72.Desse modo, como todo e
qualquer ato jurídico, a negociação de compra e venda requer: agente capaz, objeto lícito [coisa com valor de mercado e preço
compatível], e forma prescrita e não defesa em lei, além disso, requer a inequívoca manifestação de vontade de se aderir à proposta. A
ausência ou defeito de constituição de quaisquer desses elementos implica em vício de existência ou validade da transação. Tal ou mais
importante que os outros elementos do ato jurídico, o consenso é elemento essencial e obrigatório do negócio jurídico, pois ele representa
a vontade livre, expressa e clara de uma parte em aderir à proposta da outra em seus exatos termos. Assim, o acordo estará formado no
momento em uma parte lançar uma proposta e a outra externar que aceita pactuar o negócio exatamente como lançado. A legislação
civil em vigor à época das negociações prescrevia sobre o requisito “manifestação de vontade”, que:Nas declarações de vontade se
atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem. (art. 85, CC/1916)A compra e venda, quando pura, considerar-se-á
obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço. (art. 1.126, CC/1916)A toda evidência, as provas dos autos
dão conta de que a declaração de vontade do autor consistia em vender somente 55 (cinquenta e cinco) varas da sua propriedade,
dessa forma, se na Escritura Pública está registrada a venda de todo imóvel, a parte excedente da intenção do autor é visivelmente nula,
por vício de vontade.Esclareça-se que, à época dos fatos, o contrato de mandato em causa própria já tinha previsão legal, pois o art.
1.317 do CC/1916, dispunha: “É irrevogável o mandato: I. Quando se tiver convencionado que o mandante não possa revoga-lo, ou for
em causa própria a procuração dada.” Entretanto, o mandato em questão (fls. 76), não trouxe em seu bojo dados suficientes e específicos,
que pudesse credenciar a vontade do outorgante e evitar abuso de poder por parte do outorgado, razão por que está eivado de vício o
documento referido.Em essência, a outorga de poderes por mandato em causa própria não tem o mesmo propósito dos mandatos em
geral, que é a representação do mandante pelo mandatário, na verdade, ele é o tipo de contrato onde a transferência de poderes acaba
se confundindo com a própria disposição final do ato, isto é, se a outorga se destina a transmitir ou facilitar a transmissão de direito real
imobiliário, o mandato adquire igual natureza dos contratos de alienação imobiliária, pois com tais poderes o mandatário pode alienar a
terceiros, além de transferir o bem ou direito para si mesmo.A respeito do tema, correto e preciso foi o posicionamento do representante
do Ministério Público, feito no Parecer de fls. 103/106: [...] A procuração em causa própria é a denominação que se dá ao mandato em
rem propiam, convertendo-se o mandatário em dono do negócio ou coisa e no caso de venda do imóvel transfere ao mandatário o
domínio do imóvel. É por este fato que a procuração em causa própria deve se revestir de todas as formalidades inerentes a uma
escritura pública de compra e venda, e como tal deve ser devidamente registrada em cartório para que gere direito oponível a terceiros.
Ao verificarmos a procuração em causa própria acostada aos autos do processo constante das fls. 49, constatamos a um relance que
não consta dos requisitos mínimos de uma escritura pública de compra e venda. Dela não consta o valor do imóvel, o seu perímetro, a
sua área, e os impostos devidamente quitados, não se revestindo pois das formalidades legais imprescindíveis na forma prescrita em
lei.E, ainda, frisou bem o Ministério Público, ao afirmar que: “A procuração em causa própria trata-se de um negócio translativo de
direitos, com uma única finalidade, dela não podendo nem constar autorização de venda ao próprio mandatário.” Nesse sentido, o
Código Civil de 1916 em vigor à época anunciava que: “A validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º