TJAM 07/06/2021 - Pág. 9 - Caderno 3 - Judiciário - Interior - Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas
Disponibilização: segunda-feira, 7 de junho de 2021
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judiciário - Interior
Manaus, Ano XIV - Edição 3101
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BOA VISTA DO RAMOS
JUÍZO DE DIREITO DA Vara Única da Comarca de Boa Vista do Ramos - Criminal
JUIZ(A) DE DIREITO ELZA VITÓRIA DE SÁ PEIXOTO PEREIRA DE MELLO
RELAÇÃO 37/2021
ADV. NARCIZO PRESTES PICANCO - 1943N-AM; Processo: 0000023-25.2013.8.04.3001; Classe Processual: Termo
Circunstanciado; Assunto Principal: Lesão Privilegiada; Autor; Réu: JOÃO ADEMIR DE SOUZA PIRES; Autos n°
0000023-25.2013.8.04.3001Autor: Ministério Público do Estado do AmazonasRéu: João Ademir de Souza Pires RELATÓRIO:O Ministério
Público do Estado do Amazonas ofereceu denúncia contra JOÃO ADEMIR DE SOUZA PIRES, qualificado nos autos, pelos fatos e motivos a
seguir explanados:!Consoante o presente procedimento, no dia 11 de setembro de 2012, por volta das 07h:30m, na Rua Senador Fábio Lucena,
Santa Luzia,nesta cidade, o denunciado produziu na vítima, então sua companheira, a lesão corporal descrita no laudo juntado à fl. 11.Ainda
segundo os autos, no dia 04 de novembro de 2012, por volta das 11:00h, o denunciado, portando uma faca, ameaçou de morte avítima.!. (trecho
extraído da Denúncia ! fls. 22/23)Adiante, o órgão ministerial pugnou pelo trâmite processual regular e, ao final, a condenação do denunciado
como incurso nas penas previstas no art. 129, § 9º e art. 147, ambos do Código Penal c/c o art. 7° da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha).Termo
Circunstanciado de Ocorrência às fls. 02/19. Exame de Corpo e Delito da vítima às fls. 10. Denúncia às fls. 22/23, cujo recebimento se deu no dia
25 de abril de 2014 (fls. 24). Citação pessoal do denunciado regularmente efetivada (fls. 26/27).Resposta à acusação apresentada pela Defensoria
Pública Estadual às fls. 32, na qual o referido órgão informou que as teses defensivas seriam apresentadas, estrategicamente, em momento
posterior.Declaração de extinção da punibilidade no tocante ao crime de ameaça, ante a prescrição da pretensão punitiva, tendo os autos
prosseguido em razão do delito de lesão corporal (fls. 35).Em audiência de instrução e julgamento realizada no dia 20 de agosto de 2019 (fls.
47/51) houve a oitiva da vítima e o interrogatório do réu, tendo aquela manifestado interesse em não falar sobre os fatos, enquanto este se
reservou ao direito de permanecer em silêncio. Mídias das gravações às fls. 65.Na fase de alegações finais, o Ministério Público ratificou o
entendimento que, embora a vítima tenha afirmado que mantém amizade com o réu, demonstrando que não pretende vê-lo condenado, vez que
os fatos passados foram ultrapassados por ambos, a conduta delituosa do denunciado não se esvai com a vontade preclusa da vítima (ação
pública incondicionada), tendo, assim, o órgão ministerial pugnado pela condenação do réu com incurso nas penas do art. 129, § 9º, do CP.A
defesa, nas razões derradeiras, pleiteia o reconhecimento preliminar da prescrição virtual, justificando que eventual pena não ultrapassaria 03
(três) meses, estando, pois, prescrita a pretensão punitiva estatal. No mérito, defende a insuficiência de provas quanto à autoria, sobretudo pelo
!silêncio! dos depoentes em Juízo quanto aos fatos narrados na exordial, motivo pelo qual assevera que a dúvida deve ser interpretada em favor
do réu, pugnando, em suma, pela sua absolvição.Vieram os autos conclusos para sentença.Eis o breve relatório. DECIDO.II ! DA
FUNDAMENTAÇÃO:Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de João Ademir de Souza Pires, imputando-lhe a prática do
delito previsto no art. 129, § 9º, do CP, qual seja, lesão corporal no âmbito da violência doméstica, cuja tipificação transcrevo:!Art. 129. Ofender a
integridade corporal ou a saúde de outrem:[...]§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou
com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:Pena detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos!.No tocante à preliminar suscitada de !prescrição virtual!, destaco que o feito alcançou a fase
avançada de julgamento, razão pela qual eventual prescrição da pretensão punitiva estatal será analisada tomando por base a pena concretamente
aplicada, caso haja condenação. Sobre a temática, ressalto a possibilidade de reconhecimento, nessa sentença, da prescrição na modalidade
retroativa se implementadas as condições previstas no artigo 110, §1º do Código Penal.Ultrapassada a análise preliminar e verificado que a
marcha processual seguiu seu curso normal, não existindo quaisquer nulidades processuais a serem sanadas ou decretadas, passo a analisar o
mérito da demanda.A materialidade do delito encontra-se demonstrada pelo exame de corpo de delito realizado na vítima (fls. 10), cujo conteúdo
atesta a seguinte resposta positiva para ofensa à integridade corporal ou à saúde da ofendida: !Sim, no rosto tumefação lateral direito com
hipoacusia!.A autoria, por ótica diversa, revela-se discretamente duvidosa. Explico.O órgão acusatório arrolou como testemunha somente a
vítima, a qual, inicialmente, afirmou na fase investigatória que após discussão ocorrida com o réu, este !revidou com tapas e socos! (fls. 04).
Ocorre que em Juízo, por ocasião da audiência de instrução e julgamento (fls. 47/51 e 65), a vítima afirmou que atualmente é amiga do acusado,
não tendo interesse em contar sua versão sobre os fatos trazidos à baila. Inclusive, ao ser questionada por esta magistrada se queria falar dos
fatos e do que se recorda, se limitou a responder: !bom (...) não (...) em relação a este fato!.O réu, por sua vez, se resguardou ao dire mnkito de
permanecer em silêncio.Desse modo, ante a inexistência no caderno processual de elementos probatórios ratificadores da apuração policial, resta
incabível o decreto condenatório baseado unicamente nas provas produzidas na fase pré-processual, conforme inteligência do art. 155 do CPP, in
verbis:O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.! (grifo
próprio) Tal é o entendimento jurisprudencial majoritário:!RECURSO CRIMINAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ARTIGO 299 DO CE. ELEMENTOS
INFORMATIVOS COLHIDOS NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO FASE JUDICIAL. MANUTENÇÃO DA
ABSOLVIÇÃO. ART. 155 DO CPP. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não se admite, na ordem jurídica vigente, a prolação de um decreto condenatório
fundamentado exclusivamente em elementos informativos colhidos durante o inquérito policial (art. 155 do Código de Processo Penal), no qual
inexiste o devido processo legal (com seus consectários do contraditório e da ampla defesa), sendo certo que o juiz pode deles se utilizar para
reforçar seu convencimento, desde que corroborados por provas produzidas durante a instrução processual ou desde que essas provas sejam
repetidas em juízo, o que não ocorreu no caso em tela. 2. Na hipótese aqui versada, a eventual confissão verbalizada por ANDERSON ALVES
VILELA, na esfera policial, portanto extrajudicial, não restou confirmada por outras demonstrações irrefutáveis na esfera judicial, sendo, portanto,
prova isolada, sem ser corroborada por outros elementos aptos a ensejar uma sentença condenatória. 3. Manutenção da absolvição do acusado,
na esteira do princípio in dubio pro reo, eis que a prova judicializada não confirmou os elementos informativos recolhidos durante o inquérito
policial. 4. Recurso não provido!. (TRE-ES - RC: 184181 CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM - ES, Relator: DANILO DE ARAÚJO CARNEIRO, Data
de Julgamento: 20/04/2016, Data de Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Data 06/05/2016, Página 17) (grifo
próprio).!EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 129, § 9º, DO CP. ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS EM INVESTIGAÇÃO NÃO
RATIFICADOS EM JUÍZO. ABSOLVIÇÃO. ART. 155 DO CPP. RECURSO PROVIDO. - As provas produzidas em inquérito policial e não ratificadas
sob o crivo do contraditório judicial desservem ao propósito condenatório, ex vi do disposto no art. 155, caput, do CPP!. (TJ-MG - APR:
10521160030735001 MG, Relator: Matheus Chaves Jardim, Data de Julgamento: 27/08/2020, Data de Publicação: 04/09/2020) (grifo
próprio) Por fim, à luz de tais considerações, não se é permitido o lançamento de um édito condenatório em face do acusado diante da dúvida,
em amparo ao brocado !in dubio pro reo!, posto que os depoimentos prestados na fase policial não foram ratificados em Juízo.III ! DO
DISPOSITIVO: Diante do exposto, com fulcro no art. 386, V, do CPP, julgo IMPROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado e ABSOLVO o réu
João Ademir de Souza Pires da imputação às normas do art. 129, § 9º, do código penal.Caso haja interposição de recurso ministerial, voltem os
autos conclusos para o devido processamento.Após o trânsito em julgado, observando-se as formalidades legais, arquivem-se os autos.Publiquese, registre-se, intimem-se e cumpra-se. Boa Vista do Ramos/AM, 1º de junho de 2021. JOSEILDA PEREIRA BILIOJuíza de Direito
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º