TJDFT 31/08/2015 - Pág. 496 - Caderno único - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Edição nº 163/2015
Brasília - DF, disponibilização segunda-feira, 31 de agosto de 2015
do contrato de corretagem entre a recorrente e a empresa corretora. De forma que tal despesa não deve ser transferida à autora. Como ponto
de partida para entender em que consiste a Comissão de Corretagem, convém trazer à baila sua definição, nos termos do Código Civil: ?Art.
722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação
de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. O contrato de corretagem, então,
pode ser definido como: ?o contrato de mediação em que, sem mandato ou relação de dependência, se obriga o corretor a obter, para outrem,
um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. Cuida-se de verdadeira intermediação para a celebração de contrato outros, em que o
corretor aproxima de seu cliente pessoas interessadas na entabulação de um negócio? (Código Civil comentado, Claudio Luiz Bueno de Godoy,
8ª ed. Manole, 2014, p. 700). Do texto legal e da definição doutrinária acima, extrai-se a principal característica do contrato de corretagem que é a
intermediação das partes (aproximação) para realização do negócio jurídico. No caso em análise, verifica-se que não foi a autora quem contratou
os serviços do corretor. Tal serviço já se encontrava disponibilizado pelo réu em seu local de vendas. Portanto, não se pode falar em prestação
de serviço de corretagem ao consumidor, nos termos do art. 722 e seguintes do Código Civil. Ainda que se possa falar em intermediação, ela não
seria em favor do consumidor, mas sim do próprio dono do empreendimento, ou seja, o verdadeiro cliente da empresa de corretagem e interessado
na venda de suas unidades imobiliárias. A negociação, portanto, se deu diretamente entre construtora e consumidor. Não houve corretagem para
aproximação das partes. Logo, se não houve prestação de serviços pelo corretor à autora-recorrente, é evidente que o consumidor não pode ser
compelido ao pagamento de qualquer comissão. Visando trazer legitimidade para cobrança da comissão, muitas construtoras inserem em seus
contratos cláusulas afirmando que a compra e venda é feita por intermédio de corretores e que o consumidor contratou os respectivos serviços.
Ocorre que as referidas cláusulas são incapazes de salvar a cobrança. Não é possível falar em livre contratação do serviço de corretagem pelo
consumidor. A aquisição do imóvel é condicionada à contratação formal (na medida em que não houve efetivamente prestação de serviço) de
corretagem. Em outras palavras, ao consumidor só é permitido adquirir o imóvel se fizer a aquisição formal do serviço de corretagem. Trata-se, na
verdade, de prática abusiva conhecida como venda casada, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor: ?Art. 39. É vedado ao fornecedor de
produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:(Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994) I - condicionar o fornecimento de produto ou
de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;? No caso em análise, estão presentes
todos os requisitos legais para a configuração da prática abusiva (venda casada). Ao consumidor não é permitido a não contratação da corretagem
e, como resta evidente, trata-se de produtos e serviços que podem ser comercializados separadamente. De fato, quanto a esse último aspecto,
não há qualquer dúvida da possibilidade de fornecimento individualizado. Nenhuma venda de imóvel demanda serviço de corretagem. É notório
que a compra e venda de qualquer bem pode ser feita livremente entre as partes. Dessa forma, não pode o fornecedor impor a aquisição conjunta,
ainda que o preço global seja mais barato que a aquisição individual. O consumidor deve ter a opção de escolher o produto que vai adquirir,
sem estar obrigado a levar outro. Verifica-se, portanto, que a venda casada se constitui, essencialmente, pela imposição de aquisição conjunta
de bens ou serviços que poderiam ser adquiridos individualmente. A contratação forçada, imposta ao consumidor representa prática abusiva,
nos termos do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor. A alegação do réu de que a autora teria aceitado as cláusulas do contrato na forma
proposta, aceitando a transferência para si do encargo da remuneração do corretor, também não procede, uma vez que não lhe foi dada a opção
de não aceitar tais cláusulas. A partir do momento em que os contratos elaborados unilateralmente pelos fornecedores obrigam o consumidor
a contratar o serviço, não há que se falar em simples transferência de encargos financeiros. Dessa forma, não prevalecem os argumentos da
sentença que consideraram legítima a cobrança da comissão de corretagem do consumidor. Apesar de prevista tal cláusula no contrato, ela
se mostra ilegítima, na medida em que foi inserida unilateralmente pelo fornecedor, que implica iniquidade ao consumidor, e portanto, deve ser
considerada nula. Vejamos o que dispõe a respeito o Código de Defesa do consumidor: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as
cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, que coloquem
o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade; [...] XV ? estejam em desacordo com o sistema
de proteção ao consumidor;? Resta claro que, quando há incidência do Código de Defesa do Consumidor, não se pode interpretar o contrato
com a visão liberal pura do Século XIX. Vale dizer, o ?pacta sunt servanda? não é mais um dogma do direito privado que torna as cláusulas
contratuais leis imutáveis. A sistemática do Código de Defesa do Consumidor determina que a interpretação dos contratos entre fornecedor
e consumidor seja feita com fundamento na premissa de que, se não for nula, a liberdade contratual é muito reduzida. Assim, não se pode
invocar liberdade contratual e ?pacta sunt servanda? como fundamento para afirmar ser válida qualquer cláusula que imponha ao consumidor o
pagamento de corretagem contratada pela construtora em benefício desta. Afinal, como se vê acima, é a construtora quem seleciona os corretores
para agir em seu interesse. Verifica-se, portanto, que, depois de todas as análises, não se pode admitir a cobrança de corretagem do consumidor
que, espontaneamente, se apresenta ao ?stand de vendas? para aquisição de unidade habitacional. No que concerne à taxa de serviços, em
que pese os argumentos esposados pelo recorrente-réu, tenho que sua cobrança também é ilegal, pois transfere ao consumidor um encargo
inerente à atividade desempenhada pelo próprio réu, e que somente a ele reverte benefícios. As despesas com a administração do contrato são
ínsitas a este, eis que remuneram gastos que já estão incluídos nos custos operacionais dos serviços, e, portanto, já repassados ao consumidor.
Portanto a cobrança de taxas pelos mesmos custos viola o art. 51, inciso IV, do CDC. Embora o entendimento quase que pacífico esposado pelos
componentes das anteriores Turmas Recursais seja no sentido de aplicar a restituição em dobro, entendo que a devolução deve ser na forma
simples, até porque, pelo contrato, embora a cláusula tenha sido declarada nula, a cobrança poderia ser feita. Outro aspecto que pode ser utilizado
para afastar a má-fé é que tal transferência de responsabilidade pelo pagamento da corretagem, em caso como o dos autos, é praxe do mercado.
Desta forma, a restituição do valor pago é devida de forma simples. Aplicável, portanto, a parte final do parágrafo único do art. 42 do CDC, in
verbis: ?Art. 42. [...] Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do
que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." É entendimento pacífico de nossos
Tribunais que para a repetição do indébito em dobro deve haver a comprovação de má-fé ou dolo. Nesse sentido, é a jurisprudência do STJ: ?
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO
EM DOBRO DE QUANTIA PAGA INDEVIDAMENTE. EXIGÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DE MÁ-FÉ. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/
STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A restituição em dobro das quantias pagas indevidamente pelo consumidor exige a caracterização de máfé do fornecedor de produtos ou serviços. 2. A verificação, no presente caso, da ocorrência de má-fé a justificar a devolução em dobro dos
valores pagos a título de comissão de corretagem demanda o revolvimento da matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo
regimental não provido. (AgRg no AREsp 269.915/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/05/2013, DJe
17/05/2013)?. No caso dos autos, as recorrentes fizeram parte da cadeia de fornecimento, de modo que são solidariamente responsáveis pelo
dever de indenizar, por se tratar a espécie de SOLIDARIEDADE prevista no art. 7º, Parágrafo único, c/c art. 24, art. 25, §1º e art. 34, todos
do CDC, e todos os intervenientes na cadeia de fornecimento, o que inclui construtora, incorporadora, imobiliárias e corretores de imóveis, são
solidariamente responsáveis perante o consumidor (ACJ ? Apelação Cível do Juizado Especial Relator(a) Des: FLÁVIO AUGUSTO MARTINS
LEITE, Processo: 20140710169848ACJ). Em face do exposto conheço ambos os recursos. Nego provimento ao recurso do réu. DOU PARCIAL
PROVIMENTO ao recurso da autora para reformar a sentença e condenar o réu à devolução da Comissão de Corretagem valor de R$ 4.970,31
(quatro mil, novecentos e setenta reais e trinta e um centavos) e da taxa de serviços no valor de R$ 700,00 (setecentos reais), ambas despesas
na forma simples, cujos valores devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC desde o desembolso, acrescidos de juros legais de 1% ao mês
a partir da citação na ação. Custas pelo réu. Cada parte arcará com os honorários advocatícios de seus patronos, haja vista que ambas as partes
foram vencidas. Intimado do trânsito em julgado, na pessoa do seu patrono, o vencido terá o prazo de até 15 dias para cumprimento voluntário, sob
pena de pagar multa de 10% do art. 475-J do CPC, arcar com novos honorários e se submeter à penhora. É como voto. DECISÃO CONHECIDOS.
RECURSO DO R?U IMPROVIDO. RECURSO DA AUTORA PROVIDO. MAIORIA. VENCIDO O RELATOR. REDIGIR? O AC?RD?O O 1? VOGAL
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