TJDFT 07/02/2018 - Pág. 387 - Caderno único - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Edição nº 27/2018
Brasília - DF, disponibilização quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
qualquer sorte, para melhor dirimir a controvérsia recursal, entendo pertinente tecer algumas considerações sobre a matéria. A jurisprudência
tem admitido que se inverta a cláusula penal em desfavor da construtora inadimplente, a fim de que seja preservado o tratamento isonômico entre
as partes e observada a regra do artigo 51, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a nulidade das cláusulas que estabeleçam
obrigações desvantajosas apenas em detrimento do consumidor. Contudo, a inversão da cláusula penal, em desfavor da construtora, deve ser
temperada de acordo com a natureza jurídica da cláusula que se pretende inverter, pois, uma vez fixados os lucros cessantes, estes só poderão
ser cumulados com a cláusula penal moratória, sob pena de bis in idem. É que, como cediço, a cláusula penal compensatória, assim como os
lucros cessantes, tem a finalidade de indenizar o prejuízo decorrente da inexecução total daquilo que foi ajustado entre as partes, em substituição
à prestação não cumprida, ao passo que a cláusula penal moratória visa intimidar a parte para o cumprimento da obrigação, servindo como uma
punição nos casos de inadimplemento. A respeito da dicotomia entre a cláusula penal compensatória e moratória, vale mencionar a lição de
Hamid Charaf Bdine Júnior, a seguir transcrita: Em geral, o valor da multa compensatória é elevado, próximo do valor da obrigação principal.
Se o valor da multa é reduzido, presume-se que tenha natureza moratória, pois os contratantes normalmente não fixam valor modesto para
compensar perdas e danos decorrentes da inexecução total daquilo que ajustaram. Se a multa é compensatória, o art. 410 proíbe que o credor
cumule a cobrança da cláusula penal com o cumprimento da obrigação, impondo ao credor o dever de optar entre uma ou outra, como afirmado
no comentário ao referido dispositivo. Em qualquer das hipóteses, o credor obterá o ressarcimento integral, de maneira que não pode exercer
mais de uma das opções que lhe são concedidas. No entanto, quando se trata de cláusula penal moratória, nada impede que o credor exija
cumulativamente o valor da multa e o cumprimento da obrigação. Nesse caso, o valor da pena convencional tem valor reduzido e não haverá
incompatibilidade na cumulação (In: PELUSO, Cezar (coordenador). Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência. 6º Edição, São Paulo:
Manole, 2012, p. 466). Observe-se que somente será possível aferir a natureza jurídica da cláusula penal diante da análise do caso concreto,
pois, ?na falta de critérios mais precisos para se definir quando é compensatória ou moratória a cláusula penal, recomenda a doutrina que se
confronte o seu valor com o da obrigação principal, e, se ressaltar sua patente inferioridade, é moratória? (In: NEGRÃO, Theotonio. Código
Civil e Legislação Civil em vigor. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 167). Assim, na hipótese de inexecução do contrato, quando o valor da
cláusula penal estipulada suprir ou se aproximar bastante do prejuízo causado ao promissário comprador, a natureza será compensatória (art.
410 do CC); todavia, quando apenas punir o inadimplente pelo atraso, mediante valor reduzido, a natureza será moratória e, assim, ?terá o
credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal? (art. 411 do CC). Ademais, é
importante consignar que a multa moratória somente poderá ser invertida em favor do promissário comprador quando se tratar de hipótese de
inadimplemento total, situação que importará na extinção do contrato, com a consequente restituição de todas as parcelas vertidas em prol do
consumidor. Nesse caso, desde que previsto no contrato, será possível a incidência sobre determinado parâmetro fixado dentro da liberdade de
contratar, como nas hipóteses de fixação do percentual de 2% sobre o saldo contratual, sobre os valores desembolsados, ou, ainda, sobre o
saldo residual. Daí, como a mencionada multa incidirá sobre um determinado montante, será possível analisar, no caso concreto, se a natureza
jurídica da multa é compensatória ou moratória. Por outro lado, tratando-se de inadimplemento parcial, a legislação consumerista prevê a hipótese
específica de fixação de multa moratória de até 2%, quando do atraso nas parcelas devidas pelo consumidor. Consequentemente, nesse caso,
não se trata de hipótese de extinção do contrato, mas sim de mero atraso contratual, o que torna incabível a inversão da cláusula penal em favor
do consumidor, no caso de inadimplemento total atribuído à promitente vendedora. É dizer: a previsão da multa moratória de 2% por atraso de
pagamento de mensalidade insere-se no plano da execução contratual diante do advento de inadimplemento parcial (mora), o qual, por si só, não
dá ensejo à extinção anômala do contrato e afasta a possibilidade de inversão de cláusula penal. A propósito, dispõe o Código do Consumidor,
expressamente: ?as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do
valor da prestação? (artigo 52, § 1º). Logo, acaso esteja prevista no contrato apenas a incidência de multa moratória de 2% no caso de mora do
consumidor (impontualidade) no inadimplemento das parcelas, não será possível o acolhimento do pleito de inversão da sobredita multa, para
incidir na hipótese de inadimplemento total do contrato (por exemplo, atraso na entrega do imóvel prometido) atribuído à construtora (promitente
vendedora). Ou seja, essa multa penal moratória contratual não poderá ser invertida a fim de fazer as vezes de multa penal compensatória
para a espécie. Atentando para o específico caso em análise, percebe-se que a cláusula sétima (ID 2295708 ? p. 2) classifica-se como cláusula
penal moratória, fixada para a hipótese de mora do promissário comprador no pagamento das parcelas do preço. Até mesmo o montante que
atinge ao ser aplicada é indicativo claro de que possui natureza de multa penal moratória (2% sobre o débito corrigido). Veja-se: CAPÍTULO 7º
- DO EVENTUAL INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR E SUAS CONSEQUÊNCIAS Cláusula VII - Se o COMPRADOR deixar de efetuar, nos
respectivos vencimentos, o pagamento de quaisquer das prestações ou parcelas mencionadas no QUADRO RESUMO II, ou se houver devolução
de cheque representativo de seu valor, pelo estabelecimento bancário sacado por qualquer motivo, ficará obrigado nos seguintes encargos, que
serão acrescidos ao valor do débito: a) correção monetária: calculada "pró rata die", pelos índices ou seus substitutivos, pactuados neste contrato,
da data do vencimento até a data do efetivo pagamento; b) juros de mora: na base de 1% (um por cento) ao mês ou fração; c) multa moratória:
de 2% (dois por cento), calculados sobre o débito corrigido; e d) custas judiciais ou extrajudiciais: conforme o caso. (grifo nosso) Desse modo, a
hipótese reclamava a improcedência do pedido deduzido pelo agravado de inversão da sobredita multa em seu favor no caso de inadimplemento
atribuído à construtora (promitente vendedora). No entanto, formado o título judicial, a matéria está protegida pela coisa julgada, não se admitindo
a sua desconstituição, em respeito à estabilidade das relações jurídicas. Feitas essas considerações, vem a agravante buscar a aplicação da
multa invertida com base no valor do saldo remanescente do contrato, que, à época, seria de R$ 20.748,85 (vinte mil, setecentos e quarenta e oito
reais e oitenta e cinco centavos) (ID 2166768 ? p.15). Sem razão. Após análise mais detida dos documentos juntados ao processo, vislumbra-se
que, na realidade, não houve, na decisão combatida, qualquer alteração da base de cálculo prevista na referida cláusula, conforme fundamentou
o d. juízo de primeiro grau naquela oportunidade (ID 2166768 - pgs. 23/24), in verbis: Trata-se de ação em fase de liquidação de sentença,
onde se deve observar o disposto nos artigos 509 a 511 do NCPC. Considerando que as partes não chegaram a um consenso a respeito do
valor dos aluguéis do imóvel para o cálculo dos lucros cessantes, necessária nomeação de perito para averiguar a respeito do valor do aluguel
do mercado para a época em que foi fixado os lucros cessantes em observância ao disposto no art. 510 do NCPC. A outra insurgência das
partes diz respeito à base de cálculo do valor da multa aplicada no importe de 2% (dois por cento), fixada no acórdão exequendo. Ora o referido
acórdão entendeu que a incidência da multa moratória deveria ocorrer em favor dos autores/credores nos termos em que prevista na cláusula
VII do contrato celebrado entre as partes. Assim, transcrevo a seguir a cláusula VII, do referido contrato: Cláusula VII - Se o COMPRADOR
deixar de efetuar, nos respectivos vencimentos, o pagamento de quaisquer das prestações ou parcelas mencionadas no QUADRO RESUMO II,
ou se houver devolução de cheque representativo de seu valor, pelo estabelecimento bancário sacado por qualquer motivo, ficará obrigado nos
seguintes encargos, que serão acrescidos ao valor do débito: a) correção monetária: calculada "pró rata die", pelos índices ou seus substitutivos,
pactuados neste contrato, da data do vencimento até a data do efetivo pagamento; b) juros de mora: na base de 1% (um por cento) ao mês ou
fração; c) multa moratória: de 2% (dois por cento), calculados sobre o débito corrigido; e d) custas judiciais ou extrajudiciais: conforme o caso.
Parágrafo Primeiro: Ocorrendo alteração na legislação pertinente, a multa moratória será imediatamente elevada ao maior limite que venha a
ser positivado em lei, na data de sua entrada em vigor. Portanto, o cálculo da multa deve ser sobre o valor integral do imóvel na época em que
houve a mora contratual por parte da construtora, já que o débito da construtora não era só de uma parcela ou prestação, e sim com a entrega
total do bem livre e desembaraçado para o seu uso pelo comprador/adquirente. Deste modo, deverá o perito nomeado além de apurar o valor do
aluguel do imóvel, também deve apurar o valor de mercado do imóvel na época do inadimplemento contratual (1º de Dezembro a 17 de Fevereiro
de 2012), de modo a viabilizar o cálculo da multa. Deste modo, nomeio como perito o Sr. CRISTIANO DE SOUZA PRADO VALLADAO, corretor
de imóveis, devidamente cadastrado nesta Serventia para que apure o valor do aluguel de imóvel semelhante ao do objeto da ação, inclusive
quanto a sua localização, no período de 1º de dezembro de 2011 e 17 de fevereiro de 2012,. Intimem-se as partes sobre o interesse na indicação
de assistente técnico, bem como formulação de quesitos. (grifo nosso) Ora, ao contrário do que alega a parte agravante, o critério adotado pelo
d. juízo a quo não ocorreu de forma aleatória, porquanto demonstrado o entendimento no sentido de que a utilização do valor total do imóvel
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