TJDFT 05/04/2018 - Pág. 1558 - Caderno único - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Edição nº 62/2018
Brasília - DF, disponibilização quinta-feira, 5 de abril de 2018
o bem estava fora da garantia, ao modo que o serviço deveria ser custeado pelo consumidor. Afirma, que, por já estar com as negociações de
venda do veículo avançadas, realizou, às suas próprias expensas, o conserto do cabeçote do motor em oficina particular. Contudo, munido com
os comprovantes de pagamento do serviço e do cabeçote, aduz que a empresa requerida se negou a resolver o ocorrido de forma extrajudicial
ao argumento de que o prazo de garantia já havia expirado, sendo, portando, necessário que o autor arcasse com o valor de R$ 7.557,69
(sete mil, quinhentos e cinqüenta e sete reais e sessenta e nove centavos) para o conserto do motor. Acrescenta que, após investigação do
MP/MG, a empresa FIAT CHRYSLER AUTOMÓVEIS BRASIL LTDA disponibilizou, a partir de 22.6.2016, serviços de inspeção dos veículos
DUCATO fabricados entre 2010 a 2014. Aponta ter experimentado danos morais. Requer, à luz da emenda de ID nº 7132008, a restituição do
valor despendido com o conserto, no valor de R$ 7.557,69 (sete mil, quinhentos e cinqüenta e sete reais e sessenta e nove centavos), bem como
indenizações pelos danos morais, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais). Acompanharam a inicial os documentos de ID nº. 6620823 a 6621025
e 7132029 a 7132038. Devidamente citada, a requerida apresentou contestação de ID nº 8727446, acompanhada dos documentos de ID nº
8727451 a 8729411. Preliminarmente alega sua ilegitimidade passiva, ao argumento que as indenizações fundadas em vício de produtos devem
ser manejadas contra a fabricante. Ainda aponta que se não for o caso do reconhecimento da ilegitimidade, deveria ser feita a denunciação da
lide à fabricante Fiat Automóveis S/A. Por fim, indica a decadência, ante o transcurso do prazo superior a 90dias desde a data do alegado defeito.
No mérito, a ré afirma que o autor não cumpriu o plano de manutenção de uso do veículo, como também não realizou avaliação e orçamento
na concessionária ré, tratando-se portanto, de mal uso do bem. Acrescenta que o estabelecimento (NETO AUTO VANS) em que foi realizada a
troca do cabeçote não é credenciado da FIAT, bem como que, por constar ?reparo? na nota fiscal emitida por NETO AUTO VANS, não se sabe
se a peça em comento foi efetivamente trocada, ou se apenas sofreu reparos. Afirma, por fim, que seria incabível a reparação por danos morais,
posto que a recusa seria legítima, o que, em seu entendimento, afastaria a existência do dano. Em réplica, a parte requerente refutou todas
as alegações levantadas pelas requeridas. Oportunizada a especificação de provas, a parte autora requereu a produção de prova pericial no
cabeçote, como também seu próprio depoimento pessoal (ID 103578332). Lado outro, a requerida pugnou pela produção de prova testemunhal
(ID 10119046). Decisão interlocutória de ID nº 10477851 saneou o feito, afastou as preliminares de ilegitimidade passiva, de denunciação da lide
e de decadência, especialmente considerando a possível existência de defeito oculto, bem como inverteu o ônus da prova, inclusive por tratar de
matéria abarcada pelo CDC. Logo em seguida, indeferiu a produção de prova oral e determinou a realização de prova pericial. Posteriormente,
perito nomeado pelo juízo, indicou a impossibilidade de realização da perícia sobre a peça alvo da lide, tendo em vista que o veículo já havia
sido vendido pelo autor, bem como por não haver como identificar se a peça que eventualmente estivesse acondicionada no veículo seria a
original, consoante Id de nº 12865394. Intimada as partes para dizerem sobre tal manifestação do perito, a requerida pediu pelo cancelamento
da perícia, consoante ID nº 13086646, ao passo que o autor manteve-se silente (ID nº 13426305). É a breve síntese do processado. Decido.
A prova pericial, inicialmente deferida pelo juízo, mostrou ser de impossível realização, tendo em vista que o veículo já havia sido vendido pelo
autor, bem como por não haver como identificar se a peça que eventualmente estivesse acondicionada no automóvel seria a original, consoante
manifestação do perito nomeado pelo juízo, no Id de nº 12865394. Confira-se o seguinte trecho: ?Nota-se que o veículo já se encontra reparado, já
foi vendido e, sendo assim, não está mais em posso do Sr. Vanderson, que moveu a ação. Além disto, a peça que é o objeto da perícia não é uma
peça com numeração atrelada aos chassis do veículo, não tendo como apontar que uma possível peça apresentada seria a peça originalmente
aplicada no veículo em linha de montagem. Sendo assim, restaria a opção de uma análise documental, atrelando-se as informações das partes,
as ordens de serviço de veículo na concessionária e informações adicionais fornecidas pela montadora. Esta análise pode gerar um laudo que
não seja decisivo e/ou relevante para tomada de decisão de vossa excelência, cabendo ao mesmo dar, ou não continuidade ao procedimento
pericial?. Assim, considerando a inviabilidade da realização da perícia, bem como pelo fato de as partes não terem insistido na realização de
outra forma de inspeção ou exame técnico, é de se indeferir a prova pericial. O caso em exame reclama o julgamento antecipado da lide, nos
moldes previstos no art. do art. 355, I, do CPC, uma vez que os elementos informativos colacionados são suficientes para compreensão dos
fatos e fundamentos jurídicos, alcançáveis, por meio da prova documental já acostada aos autos. Não há questões prefaciais ou prejudiciais
pendentes de apreciação, de modo que, presentes os pressupostos processuais e as condições indispensáveis ao exercício do direito de ação,
avanço ao desate meritório da querela. Inicialmente, cumpre pontuar que a atividade desenvolvida pela requerida, concessionária responsável
pela comercialização de veículo, encontra-se amoldada ao conceito de fornecedor, exposto no artigo 3º da lei de regência da relação (Código
de Defesa do Consumidor), devendo o litígio, pois, ser solvido à luz dos princípios que informam e disciplinam o microssistema próprio por ela
provido. Dessa forma, sua responsabilidade para responder por vícios que eventualmente venham a inquinar o produto decorre do princípio
da solidariedade e do próprio sistema de proteção, fundado no risco do negócio, consagrado no artigo 7º, parágrafo único, do CDC, sendo
evidente que atua, junto à fabricante do bem, em regime de parceria, integrando uma mesma cadeia de fornecimento de serviços. O autor
pretende a reparação de danos materiais e morais em virtude de alegados defeitos no produto que lhe ocasionaram prejuízo material e afronta aos
direitos da personalidade, apontando que a requerida tem a obrigação contratual de manter a higidez e bom funcionamento do produto adquirido
pelo consumidor. Consoante se extrai do relato autoral, adquiriu veículo zero quilômetro da concessionária ré e realizou as revisões regulares,
constatando desde o início da utilização do veículo a presença de vício de qualidade, consistente na existência de vazamento de água no motor.
Afirma o autor que, por ocasião da última revisão realizada perante a requerida, instou a concessionária ré a reparar o problema de forma gratuita,
ao que se recusou a vendedora, ao argumento que havia se vencido a garantia. O serviço foi então realizado em oficina fora da rede credenciada
da fabricante, ante a urgência do autor em resolver o problema. Pretende agora o autor a reparação pelos prejuízos materiais e morais decorrentes
da omissão da requerida, em consertar gratuitamente o veículo. Já houve a superação da preliminar de decadência, mas calhar recordar que o
veículo zero Km foi adquirido em fevereiro de 2013, tendo o autor realizado as revisões, indicadas pelo fabricante, na oficina da requerida até o
final da garantia, ocorrida na revisão dos 45 mil quilômetros. O serviço mecânico visando a reparação do vício alvo da lide ocorreu em setembro
de 2014, ao passo que a presente ação foi manejada em abril de 2017. Ocorre, porém, que, posteriormente à realização do serviço mecânico
fora da rede autorizada, houve a confirmação de que os veículos do mesmo ano e modelo daquele adquirido pelo autor poderiam apresentar
problemas exatamente na peça alvo da presente lide, em virtude de um defeito de fabricação. Isto porque, em junho de 2016, houve a divulgação
do seguinte comunicado pela fabricante do veículo do autor, tal como indicado no ID de nº 6620898 - Pág. 1/3 e 6620924 - Pág. 1 : A FCA FIAT CHRYSLER AUTOMÓVEIS BRASIL LTDA., em atenção ao plano de ação proposto pelo Ministério Público de Minas Gerais, comunica os
proprietários dos veículos FIAT Ducato MultiJet 2.3, ano/modelo 2010 a 2014, que disponibilizará, a partir de 22/06/2016, campanha de serviço
para inspecionar os veículos que apresentarem queda excessiva do nível do líquido de arrefecimento no reservatório de expansão do motor, que
poderá ser agendada através da Central de Relacionamento FIAT (0800 707 1000) e realizada em uma das concessionárias FIAT DUCATO em
todo território nacional. A FCA informa que a inspeção será realizada em duas fases, sendo a primeira para verificar a existência de vazamentos
externos e a segunda para submeter o cabeçote do motor do veículo a outros testes, a fim de verificar a ocorrência de vazamentos internos. Caso
sejam verificados vazamentos externos, ou seja, não relacionados ao cabeçote do motor, a FCA emitirá um relatório para que seja providenciado
o reparo pelo consumidor. Em seguida, a FCA dará sequência ao procedimento de inspeção do veículo. A inexistência de vazamentos externos
no sistema de arrefecimento do veículo é condição para a realização da segunda fase dos testes. A FCA informa que arcará com os custos da
inspeção e testes realizados, além da eventual troca do cabeçote. O cabeçote eventualmente substituído terá 1 (um) ano de garantia contado
de sua troca. Com essa atitude, a FCA - FIAT CHRYSLER AUTOMÓVEIS BRASIL LTDA. procura demonstrar o profundo respeito aos seus
consumidores. Nesta situação, resta evidenciado que o alegado vício do produto caracterizaria como vício oculto, a possibilitar a reparação a
partir do momento em que o consumidor tomasse conhecimento de sua existência. Sendo ainda certo que o vício em discussão relaciona-se
a motores de automóveis de trabalho, do tipo VAN, descoberto após mais de seis anos de uso de alguns dos veículo, já que o comunicado da
fabricante, emitido no ano de 2016, convocava para conserto e reparação em carros produzidos entre os anos de 2010 a 2014, evidenciando-se
o longo prazo entre a fabricação do motor e a produção dos resultados maléficos decorrentes de seu defeito estrutural. Razão pela qual não há
se falar em decadência ou prescrição da pretensão indenizatória manejada na presente ação. No âmbito específico da responsabilidade civil dos
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