TJSP 22/06/2009 - Pág. 854 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Segunda-feira, 22 de Junho de 2009
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano II - Edição 497
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fornecer os medicamentos que se fizerem necessários através do SUS, com atendimento integral ao paciente. Ao final, requereu
a denegação da ordem (fls. 70/80). A Fazenda do Estado de São Paulo interveio no feito, pleiteando autorização para acompanhar
a lide como assistente equiparado ao litisconsorte (fls. 87). O Representante do Ministério Público ofertou manifestação (fls.
98/99). É o Relatório. Fundamento e Decido. Admito a assistência simples da Fazenda do Estado de São Paulo. Providencie a
Serventia às anotações necessárias. As preliminares argüidas não comportam deferimento Inicialmente, afirma a autoridade
coatora a responsabilidade do Município de residência do impetrante, como gestor de recursos financeiros de saúde que lhe são
repassados, para fornecimento do medicamento em questão. Ocorre que o artigo 198, inciso I, da constituição Federal, disciplina
a descentralização das ações e serviços públicos de saúde, atribuindo, no entanto, responsabilidades a todas as esferas de
administração pública. Tal dispositivo é corroborado pelo artigo 9º da Lei 8.080/90, que disciplina a direção do Sistema Único de
Saúde. Ao estado, no cumprimento de sua obrigação concorrente nas três esferas políticas (municio, Estados e União), via
Sistema Único de Saúde, compete o fornecimento de medicamentos aqueles que deles necessitarem, independentemente de
sua condição social, sendo ilegal ao ato do agente público que se nega a fornecê-los. Assim, o impetrado possui legitimidade
para responder ao ato impugnado. Nesse sentido: “MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE
MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. OBRIGAÇÃO CONCORRENTE DE TODOS OS ENTES DA FEDERAÇÃO. Artigo
196 da Constituição Federal. Direito fundamental à vida e à saúde. Dever do estado. Portaria impeditiva. Medicamento
substitutivo. Direito líquido e certo. Segurança concedida.”(TJ-MS; MS 2006.004533-2; Primeira Seção Cível; Rel. Des. Horácio
Vanderlei Nascimento Pithan; Julg. 05/02/2007; DOEMS 27/02/2007) CF, art. 196. Em suma, o direito fundamental à saúde,
previsto no art. 196 da Constituição Federal, deve ser assegurado em todos os níveis de governo. Dessa forma, não há como
negar a atribuição do secretário estadual de saúde para decidir questões atinentes à regular prestação da saúde pública,
presumindo-se, ainda a existência de dotação orçamentária, à vista de um programa nacional destinado ao fornecimento de
medicamentos aos doentes carentes. Assim, não ressoa lícito ao impetrado tentar repassar suas obrigações, pois,
indiscutivelmente é parte legítima a responder ao presente mandado de segurança, conforme preceito Constitucional (art. 196
da C.F.). Da mesma feita, em que pese o respeito à manifestação do Parquet, não assiste razão à autoridade coatora quando
aduz a inexistência de prova de sua recusa ou omissão, pois a declaração subscrita pela Assistência Social da UNICAMP (fls.
19), deixa clara a recusa do Estado em atender toda demanda e fornecer prontamente o medicamento indicado nos autos. O
que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir os deveres fundamentais, dentre os quais o direito à
saúde, mediante o oferecimento dos tratamentos pertinentes. Incluir um cidadão numa “fila de espera”, quando de trata de
situação de urgência, por certo, fere o direito líquido e certo do impetrante. Frise-se que, conforme afirma a própria autoridade
impetrada, o Estado, na Lei Orgânica da Saúde (Lei n.º 8.080/90), no artigo 2º, parágrafo 1º, e no artigo 7º, inciso IV, garante o
“acesso universal e igualitário” à saúde, logo, a negativa no fornecimento do medicamento pretendido, atribui ao impetrante
indiscutível interesse de agir. Assim, afasto as preliminares argüidas e passo ao mérito da questão. No mérito, de rigor a
concessão da segurança. Isto porque, a própria impetrada confirmou, nas informações que prestou, que o medicamento em
questão está incluso na lista Estadual de Medicamentos - RESME 2002 (fls 78/79), logo, em sendo indicado como tratamento
adequado, deve ser fornecido pelo órgão Estatal ao cidadão carente. Quando nasce a negativa Estatal em casos tais, o presente
procedimento serve como instrumento para a garantia do direito fundamental à saúde, de modo a compelir o Poder Público ao
fornecimento de medicamento essencial ao tratamento da doença do impetrante. Tal direito fundamental social está positivado
no caput do artigo 6º, e recebe regulamentação mais pormenorizada nos artigos 196 a 200, todos da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. A prestação positiva estatal na entrega de medicamentos - juridicamente embasada no direito
social à saúde - mostra-se fundamental à preservação da vida do impetrante, que também recebe tutela constitucional no caput
do artigo 5º, da CF/88. Oportuno ainda ressaltar no âmbito da moderna doutrina do Direito Constitucional a questão do “mínimo
existencial”. Trata-se de um conjunto de prestações materiais mínimas, a garantir a satisfação das necessidades básicas da
pessoa, uma rede de proteção abaixo da qual ninguém passa, pois esta transposição significaria a própria aniquilação do
indivíduo. Note-se que a garantia destas prestações essenciais está na base da própria democracia, pois, sem elas, é impossível
que o indivíduo exerça qualquer direito individual de liberdade, ou mesmo, político, até porque está em risco a sua própria vida.
E, é a garantia da prestação do “mínimo existencial”, por meio da imposição de ações materiais por parte do Poder Público que
justifica a legitimidade do Poder Judiciário a tanto, já que, em última analise trata-se da garantia da própria democracia. Como
ensina Andreas J. Krell: “No entanto, as questões ligadas ao cumprimento das tarefas sociais como a formulação das respectivas
políticas, no Estado Social de Direito não estão relegadas somente ao governo e à administração, mas têm o seu fundamento
nas próprias normas constitucionais sobre direitos sociais; a sua observação pelo Poder Executivo pode e deve ser controlada
pelo Poder Judiciário. A essência de qualquer política pública é distinguir e diferenciar, realizando a distribuição dos recursos
disponíveis na sociedade. Essas políticas expressam escolhas realizadas pelos vários centros de decisão estatal, sendo
limitadas pelas normas programáticas constitucionais. Onde o processo político (Legislativo, Executivo) falha ou se omite na
implementação de políticas públicas e dos objetivos sociais nela implicados, cabe ao Poder Judiciário tomar uma atitude ativa
na realização desses fins sociais através da correição da prestação de serviços sociais básicos”. O “mínimo existencial” está
diretamente ligado a uma das dimensões do princípio central da dignidade da pessoa humana, positivado no inciso III, do artigo
1º, da CF/88. Pode-se extrair uma dupla acepção do princípio da dignidade, ou seja, uma dimensão defensiva e, uma outra,
protetiva/promocional. Pela primeira, impõe-se ao Estado e à sociedade um limite, ou seja, o respeito à dignidade existente em
cada indivíduo. A tal aspecto liga-se a autonomia da vontade, garantida pelas liberdades individuais. A segunda dimensão
consubstancia-se em tarefa imposta ao Estado e à coletividade no sentido de preservar e promover a dignidade, especialmente
criando condições que possibilitem seu exercício e sua fruição. É a esta esfera protetiva/promocional do princípio maior que se
liga o “mínimo existencial” e os direitos fundamentais sociais. E, neste passo, faz-se especialmente necessária a atuação
positiva estatal, inclusive do Poder Judiciário, no sentido de promover a dignidade humana, principalmente quando da omissão
dos demais Poderes. Somente assim pode-se preservar a sobrevivência da democracia, com a garantia aos indivíduos de
condições materiais mínimas essenciais para o exercício de qualquer outro direito. E o direito social à saúde, por estar
diretamente ligado à preservação dos direitos fundamentais individuais à vida e à integridade física, integra o “mínimo
existencial”. Como bem ressalta o grande constitucionalista Ingo Wolfgang Sarlet, “a denegação dos serviços essenciais de
saúde acaba por se equiparar à aplicação de uma pena de morte”. As diversas normas citadas na inicial, demonstram à
saciedade a obrigação do Estado amparar integralmente, com todos os meios e recursos existentes, toda e qualquer pessoa
que necessite de assistência médica e/ou medicamentosa, desde que não possam arcar com tais necessidades sem prejuízo de
sua própria subsistência, prestação esta ínsita ao “mínimo existencial”, pois, sem ela, estaria o cidadão condenado à morte.
Importa também salientar que a distribuição de medicamentos a que alude o texto da Carta Política Estadual (art. 223, inciso V)
não significa o fornecimento dos medicamentos disponíveis exclusivamente no sistema de saúde brasileiro, mas daqueles que
sejam capazes de debelar, ou mesmo minimizar, com relativo êxito, as causas e as conseqüências da doença apresentada pela
paciente, ainda que para tanto seja preciso importá-lo. Se a Constituição e a lei obrigam o Estado a prestar assistência integral
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º