TJSP 06/06/2011 - Pág. 1123 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Segunda-feira, 6 de Junho de 2011
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IV - Edição 968
1123
Aduz que a ré vem praticando sucessivos e reiterados atos de abandono moral, material e intelectual em relação à filha, pois a
deixou em abandono, além de ser dependente de drogas. A filha foi institucionalizada na Casa do Menor Francisco de Assis em
dezembro de 2009. Em razão disso e por visar ao bem-estar da menor, requer a procedência da ação, com a destituição do
poder familiar da ré sobre a filha menor já indicada, pedindo liminarmente a suspensão do poder familiar e do direito de visitas.
Foi juntado o pedidos de providência que acompanhou o caso da ré e sua filha (apenso nº 040/10). Deferida a liminar para
suspensão do direito de visitas (fls. 43 e verso), a ré foi citada, por edital, em virtude de estar em local incerto e não sabido (fls.
47verso e 53/59) e não contestou no prazo legal (fl. 60). Nomeado Curador Especial, o mesmo contestou por negativa geral (fls.
67/70). Foi realizado estudo social nos autos em apenso, com cópias nestes (fls. 15/19). O Ministério Público apresentou
manifestação e pediu a procedência (fls. 72/73). É o relatório. DECIDO. O processo comporta julgamento no estado em que se
encontra, sendo desnecessárias outras provas além das já produzidas (artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil). De
rigor a procedência do pedido de destituição do poder familiar da ré em relação à sua filha declinada na inicial. Em fevereiro de
2009, o Conselho Tutelar tomou conhecimento da situação da ré, que dado à luz a gêmeas (T. e T., sendo que esta última
faleceu poucos dias depois do nascimento, em 10 de fevereiro de 2009), e, apesar de não confirmar a intenção de abrir mão do
poder familiar de ambas, disse que até cogitou a hipótese por falta de apoio familiar. P. e sua família passaram a ser
acompanhadas pela Rede Pública de Apoio, já que havia histórico de desestrutura familiar e negligência por parte dos pais da
ré, além de existirem indícios fortes de que ela teria se prostituído (tanto que o pai da menor é desconhecido) e que estaria
usando drogas. No entanto, a ré rejeitava toda ajuda que lhe era oferecida, chegando ao extremo de tentar retirar sua filha do
Hospital à força, mesmo com a menina recebendo medicação intravenosa. Em 23 de dezembro de 2009, o Conselho tomou
conhecimento de que a ré teria tentado agredir a mãe com uma faca, e estava perambulando pelas ruas com T. e um de seus
irmãos. Constataram que P. estava perto de sua residência, juntamente com sua filha e seu irmão. Ela disse que havia usado
droga, e estava levando as crianças para casa. Por isso, houve o acolhimento institucional. Em 25 de dezembro de 2009, o
Setor de Enfermagem da Santa Casa informou que P. havia dado entrada na emergência durante a madrugada, e que estava
completamente nua, transtornada. P. teve novas crises e agrediu a mãe. Mesmo quando está aparentemente bem, não consegue
responder com precisão o que lhe é perguntado, sempre afirmando que seu pai quer que ela fique grávida de gêmeos para
entregar as crianças ao “capeta”, referindo-se aos genitores como se fossem as piores pessoas do mundo (fls. 07/08). Por ai já
se tinha uma mostra inquestionável da negligência da ré para com a filha, deixada à própria sorte. O Estudo social feito
recentemente na residência da mãe da ré, Sra. Ivone, mostrou que a família já era conhecida do Setor Técnico, pois os filhos
mais velhos e irmãos da ré já tinham sido acolhidos anos antes, por situação de negligência, e posteriormente retornaram ao
convívio familiar pela recuperação dos pais. Em 2009, P. e sua irmã Débora teriam se envolvido com a prostituição e com
drogas. Na escola, consta que P. fazia programas para obter dinheiro e com isso poder comprar drogas. A ré relatou que saía
com velhos em moços, e que às vezes usavam motel, e outras vezes nos “matos”. A ré contraiu sífilis, e pode até ter desenvolvido
problemas de ordem mental. P. não acata limites, e até chegou a agredir fisicamente a mãe. T. nasceu com peso baixo, saúde
frágil e necessita de cuidados especiais. Já foi hospitalizada durante o acolhimento. Os avós maternos não têm condições de
cuidar da neta, pois já são responsáveis por outros cinco menores (fls. 15/19), o que foi confirmado por estes últimos em oitiva
perante o Ministério Público em julho de 2010 (fls. 36/37). Ora, por ai se vê que a ré não tinha sequer vontade de ser mãe,
quanto mais de exercer a séria tarefa de criar e educar a filha. Aliás, a ré não tem sequer paradeiro fixo e, desde o final de 2010,
está em local incerto e não sabido (fls. 47verso/56). Foi feita inclusive uma avaliação psiquiátrica e médica na ré, onde os
peritos constataram que ela tem histórico de uso de drogas desde os 15 anos, associado com desenvolvimento de doença
mental (quadro psicótico) em conseqüência do uso de drogas (CID-10 F19.5). Estava em tratamento psiquiátrico, mas abandonou
o mesmo, bem como o uso dos medicamentos. Por isso, ela é dependente de drogas (“crack”), e também pelo problema de
ordem psiquiátrica, não tem condições de assumir a função de mãe (fls. 56/57 do apenso nº 03/2010). É preciso dar um basta
nesta situação, de uma vez por todas, e Oxalá P. não tenha mais filhos, para que este quadro obscuro e sombrio não se repita!
Com isso, o menor teve nítida exposição a abandono intelectual, material e moral pela ré. Tudo o que consta dos autos deixa
claro quanto à negligência da ré em relação à filha. Fica evidente que ela não tomou qualquer atitude concreta no sentido de
cuidar adequadamente da filha, deixando transparecer a nítida intenção de repassar obrigações morais e legais (artigo 1.634 do
Código Civil) que são únicas e exclusivas dos pais aos responsáveis pelo abrigo, a terceiros e ao Poder Público. Não se está
aqui a penalizar a pobreza, até porque segundo o artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “a falta ou a carência de
recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.” A requerida, durante longo
tempo, vem se omitindo no cumprimento de suas obrigações como mãe, demonstrando ainda total falta de maturidade e estrutura
familiar para poder dar uma criação adequada e um futuro mais digno à filha. Configurado, portanto, o estado de abandono
reiterado praticado pela ré em relação à filha, legitimada está a destituição do poder familiar nos termos do artigo 1.638, inciso
II, do Código Civil. Além disso, deve ser ressaltado que o interesse do menor, que sempre deve nortear uma decisão judicial
quando se discute a colocação em família substituta, também indica que a situação deve permanecer como está, pois segundo
os relatórios feitos no processo, a menor estará em situação melhor numa possível família substituta. Por isso é que, inobstante
ser um direito da criança e do adolescente o convívio com sua família natural, devendo o Judiciário zelar para que o mesmo seja
respeitado, o certo é que, estando demonstrados à saciedade o total abandono a que foi submetido o menor por ato voluntário
dos pais ou responsáveis, que deixaram aquele privado dos mínimos cuidados indispensáveis, omitindo-se quando à sua
guarda, criação e educação, devem os faltosos arcarem com suas desídias, sendo destituídos do poder familiar sobre os filhos
ou filhas, observados o interesse destes últimos. E eventual situação financeira precária não pode ser considerada como motivo
justo para tais omissões, como é cediço. Nesse sentido: “CIVIL E PROCESSUAL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PÁTRIO PODER
- MAUS TRATOS, ABANDONO DE MENOR E INJUSTIFICADO DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES DE GUARDA E
EDUCAÇÃO - INTERESSE PREVALENTE DA CRIANÇA - FUNDAMENTAÇÃO - SUFICIÊNCIA - RECURSO ESPECIAL - PROVA
- REEXAME - IMPOSSIBILIDADE - ECA, arts. 19, 23 e 100. I. Inobstante os princípios inscritos na Lei nº 8.069/90, que buscam
resguardar, na medida do possível, a manutenção do pátrio poder e a convivência do menor no seio de sua família natural,
procede o pedido de destituição formulado pelo Ministério Público estadual quando revelados, nos autos, a ocorrência de maus
tratos, o abandono e o injustificado descumprimento dos mais elementares deveres de sustento, guarda e educação da criança
por seus pais. (...) (STJ - RESP 245657 - PR - 4ª T. - Rel. Min. Aldir Passarinho Junior - DJU 23.06.2003 - p. 00373)” (grifos
meus) “MENOR - Destituição do pátrio poder dos genitores biológicos decretada em primeira instância. Recurso da genitora.
Situação de abandono material e moral caracterizada. Requerida não providenciou e não demonstrou ter interesse em
providenciar adequado ambiente familiar para criação e educação de sua filha. (...) Hipossuficiência não se constitui em
justificativa para sua conduta desidiosa. Recurso não provido, com recomendação. (TJSP - AC 63.378-0 - C.Esp. - Rel. Des.
Nuevo Campos - J. 06.04.2000)” (grifos meus) Posto isso, JULGO PROCEDENTE A PRETENSÃO para decretar a perda do
poder familiar da requerida sobre a filha T.B., já qualificada, por tê-la deixado em abandono reiterado e não ter prestado a ela os
devidos cuidados de ordem material e moral, nos termos do artigo 1.638, incisos II e IV, do Código Civil. Torno definitiva a
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