TJSP 03/03/2015 - Pág. 893 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: terça-feira, 3 de março de 2015
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano VIII - Edição 1837
893
deslindadas, considero de rigor o julgamento do feito nos moldes preconizados pelo artigo 740, “caput”, do Código de Processo
Civil. Assim procedendo, acentuo desde logo que a ausência de indicação do valor do débito que a embargante entende correto
não justifica a rejeição liminar dos embargos, conforme postulado pelo embargado em sua impugnação, à guisa de preliminar,
uma vez que a petição inicial não acena com um eventual “excesso de execução”, e sim se alicerça, em verdade, na inexistência
de título hábil a aparelhar o processo executivo, daí porque perde revelo uma possível falta de atendimento do artigo 739-A, §
5º, do Código de Processo Civil. Também por esse mesmo motivo, ou seja, porque a embargante se estriba na alegação de que
inexiste título executivo capaz de lastrear a ação de execução, não tencionando, de forma alguma, ao contrário do sustentado
pelo embargado, obter a revisão do contrato exeqüendo, fica igualmente afastada a preliminar de falta de interesse processual
argüida por este em sua impugnação. Então, o mérito. Nesse aspecto, hei por bem acolher a argüição de nulidade da execução
por ausência de título executivo, levantada pela embargante na inicial, declarando, por via de conseqüência, extinto o feito
executivo. E isso porque, conquanto não esteja perfeitamente caracterizada, no sentir deste Juízo, uma eventual “importação de
contrato” em prol da Caixa Econômica Federal, consoante aventado pela embargante, a verdade insofismável é que não há
prova documental de que houve, de fato, a liberação do valor financiado em favor desta. Com efeito, desde logo se observa que
a embargante alega, na petição inicial, que “não recebeu dinheiro algum” (fls. 07 - o negrito é do original) proveniente do
contrato exeqüendo, que “não foi devidamente aprovado” (fls. 09) pela sua empregadora, Prefeitura Municipal de Bauru, para
efetivação dos descontos das respectivas prestações em sua folha de pagamento. O embargado, por sua vez, em sua
impugnação, simplesmente passa ao largo de tais alegações, deixando de tecer qualquer argumentação a respeito.
Posteriormente, instado pelo Juízo a apresentar “documento comprobatório da liberação do valor financiado em favor da
executada-embargante” (cf. despacho de fls. 106), o exeqüente-embargado se limitou a trazer para os autos as simples
informações de fls. 113/114, contendo apenas e tão-somente meros “DADOS DO CLIENTE” e “DADOS DO CONTRATO”. Tais
informações, contudo, porquanto elaboradas unilateralmente pelo embargado, sem contemplar sequer a assinatura da
embargante, não podem ser aceitas como prova da disponibilização do numerário financiado em favor desta. Certo que, de
conformidade com o contrato exeqüendo, o valor financiado teria sido liberado mediante “RECIBO DE CAIXA” (fls. 22 dos autos
principais, em apenso), mas a verdade é que nem mesmo esse propalado “recibo” foi carreado para os autos, consoante seria
de rigor, pelo embargado, que, em sua manifestação de fls. 151/153, confirma que o numerário em questão foi “entregue
diretamente a Embargante” (fls. 152), mas não comprova documentalmente tal assertiva. E, como a embargante alegou fato
negativo, no sentido de que, insista-se, “não recebeu dinheiro algum” (fls. 07 - o negrito é do original) proveniente do contrato
exeqüendo, o embargado deveria apresentar prova do efetivo recebimento. Naturalmente, seria impossível à embargante provar
um fato negativo, qual seja, a ausência de recebimento do numerário financiado, competindo tal prova, sem sombra de dúvidas,
ao embargado. A própria jurisprudência já se encarregou de proclamar que “ninguém pode ser obrigado a fazer prova de fato
negativo” (TJPR - Ap. Cív. nº 3913 - Curitiba - 5ª Câmara Cível - Rel. Antonio Gomes da Silva - Publ. 27.10.1999), de forma que
“a afirmação expressa do fato negativo, pelo autor, transfere para o réu o ônus da prova em contrário” (TJES - Remessa “exofficio” nº 058989000029 - Ibitirama - 2ª Câmara Cível - Rel. Lucio Vasconcellos de Oliveira - J. 15.12.1998). Além disso, na
sistemática processual vigente, incumbe ao réu comprovar, de forma induvidosa, as circunstâncias previstas no item II, do artigo
333 ,do Código de Processo Civil. Ou seja, segundo a doutrina, quando “o réu reconhece o fato constitutivo, mas alega fato
impeditivo, extintivo, modificativo do fato constitutivo, ou a ocorrência de outro que lhe obste aos efeitos”, “cabe então ao réu
provar a sua exceção. ‘Reus in exceptione actor est’. Dá-se aqui inteira aplicação ao nº II do art. 333 do Código de Processo
Civil, conforme o qual incumbe ao réu a prova ‘quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor’” (MOACYR AMARAL SANTOS, in “Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, Editora Saraiva, 5ª Edição, 1980, 2º
Volume, pg. 308). Vale dizer, “o réu deve provar aquilo que afirmar em juízo, demonstrando que das alegações do autor não
decorrem as conseqüências que pretende. Ademais, quando o réu excepciona o juízo, nasce para ele o ônus da prova dos fatos
que alegar na exceção, como se autor fosse (‘reus in exceptione actor est’)” (NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE
NERY, in “Código de Processo Civil Comentado”, Editora RT, 2ª Edição, 1996, pg. 759). Ainda segundo prelecionam os
doutrinadores, “ao réu incumbe a prova da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, ou seja, o
fato que, a despeito da existência do fato constitutivo, tem, no plano do direito material, o poder de impedir, modificar ou extinguir
o direito do autor - são desse tipo as chamada exceções materiais, com, por exemplo, a ‘exceptio non adimpleti contractus’. Se
o réu não provar suficientemente o fato extintivo, modificativo ou impeditivo, perde a demanda. Não existe, no processo civil, o
princípio geral do ‘in dubio pro reo’. No processo Civil, ‘in dubio’, perde a demanda quem deveria provar e não conseguiu”
(VICENTE GREGO FILHO, in “Direito Processual Civil Brasileiro”, Editora Saraiva, 2ª Edição, 1986, Volume 2, pg. 177). Também
a jurisprudência proclama que “o ônus da prova incumbe, em princípio, a quem alega o fato. Nos termos do artigo 333, II, do
CPC, cabe ao réu o ônus probatório quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor,
prevalecendo o direito deste, se aquele não produz qualquer prova hábil a comprovar suas alegações” (TAMG - Ap. Cív. nº
269.865-9 - Rel. Wander Marotta - J. 09.12.1998). De sorte que, não tendo o embargado - que figura como réu na presente
incidental - se desincumbido do ônus que lhe competia, no sentido de comprovar a efetiva disponibilização do numerário
financiado em favor da embargante, prevalece a conclusão de que tal não ocorreu. Por conseguinte, como já se decidiu em
hipótese assemelhada, tem-se que “o caso apresenta contornos peculiares, pois o embargante sustenta não ter recebido o valor
do mútuo bancário, sendo o caso de aplicação do princípio da exceção do contrato não cumprido, declarando-se inexigível o
título exeqüendo” (TJSP - Ap. nº 0028106-34.2012.8.26.0007 - São Paulo - 21ª Câmara de Direito Privado - Rel. Itamar Gaino J. 02.06.2014). Afinal, sendo requisitos do processo de execução a liquidez, certeza e a exigibilidade, em conjunto, faltando um
deles não se terá título executivo. Conseqüentemente, a execução será nula: “nulla executio sine titulo”. Não é demais
acrescentar, por cautela, que a nulidade da execução, por falta de título, pode e deve ser decretada até mesmo de ofício (RT
676/163, 711/183, RSTJ 40/447 etc), valendo também ser lembrado, ainda nesse particular, que “as hipóteses elencadas neste
artigo respeitam à inexistência de condição para a ação de execução (CPC 618 I e III) e de ausência de pressuposto de
constituição e desenvolvimento válido do processo (CPC 618 II), todas possíveis de serem reconhecidas de ofício, como se
vislumbra do CPC 267 IV e VI combinado com o CPC 267 § 3º” (NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY, in
“Código de Processo Civil Comentado”, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, 1996, pg. 1041, nota 2 ao artigo 618). Insistase, “é nulo o título executivo extrajudicial, quando lhe faltar pelo menos um dos requisitos essenciais de validade, como liquidez,
certeza e exigibilidade, sendo lícito ao julgador, reconhecer a nulidade, de ofício, a qualquer tempo, decretando a extinção da
execução, por imperativo de ordem legal, visto tratar-se de matéria de interesse público configurado pela ausência de condições
da ação e de pressuposto processual” (TJMA - Ap. Cív. nº 004.228/00 - São Luís - 4ª Câmara Cível - Rel. Jamil de Miranda
Gedeon Neto - DJMA 08.02.2002). Malgrado a solução já aventada, não há como se condenar o embargado ao pagamento de
eventual indenização por danos morais em favor da embargante, cujo nome acabou sendo incluído nos órgãos de proteção ao
crédito, uma vez que, nesse particular, a presente incidental desborda do âmbito restrito delimitado pelo artigo 745 do Código de
Processo Civil. A própria jurisprudência já teve oportunidade de proclamar que é “inadmissível o pedido de indenização por
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º