TJSP 18/04/2017 - Pág. 97 - Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: terça-feira, 18 de abril de 2017
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano X - Edição 2329
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vencimentos são flagrante, inconstitucio-nal e ilegalmente - e por isso mesmo - assenhorados e apossados sem pejo pelo
Requerido, deixando o Autor à míngua, em penúria, isto é, sem condições de autô-noma, digna e independentemente subsistir,
situação que, por razões mais do óbvi-as, não pode, absolutamente, persistir e perpetuar-se, constituindo dever-poder - necessariamente nessa ordem, frise-se - do Estado-Juiz dar-lhe um fim, sem mais de-longas. Nessa toada, importante observar
que a atitude de descaso, insensibilidade e abulia do Acionado diante do infortúnio e da desdita de parte significativa de seus
correntistas, sobre dar ensejo ao ajuizamento de um sem-número de ações judiciais contra si a fim de que cumpra, à risca, as
normas jurídi-cas constitucionais e infraconstitucionais vigentes e regentes de sua atividade nos mercados consumidor e
financeiro, também caminha na contramão da cosmovisão jurídica contemporânea, voltada precípua e primordialmente, num
crescendo, para a proteção da pessoa humana, com a inevitável despatrimonialização do Direito mediante a busca de soluções
jurídicas mais existenciais e humanas, de modo a que seja garantida a igualdade substancial dos contratantes, assegurada,
entre nós, explí-cita e genericamente, no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 e, ex-pressa, difusa e
particularizadamente, no inciso XXXII daquele preceptivo consti-tucional (que impõe ao Estado o dever de promover a defesa do
consumidor diante do fato de a relação de consumo ser marcada pela desigualdade) e no seu artigo 170, inciso V (que estatui a
defesa do consumidor como princípio fundante da or-dem econômica), bem assim como nos artigos 6º, incisos VI e VIII, (que
estabele-cem, respectivamente, a inversão do ônus da prova em prol do consumidor com vistas à facilitação de sua defesa, isso
em virtude de quase sempre ser a parte fraca e impõe aos fornecedores de produtos e serviços a obrigação de zelar pela “a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”), 47 (que dispõe que as cláusulas
contratuais deverão ser interpretadas favo-ravelmente ao consumidor) e 51, inciso IV (que nulifica as cláusulas contratuais que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatí-veis com boa-fé e a equidade) da Lei Protetiva do
Consumidor, não se podendo des-lembrar e olvidar dos artigos 122 (que cuida da iliceidade das cláusulas contrárias à lei, à
ordem pública e aos bons costumes, vedando aquelas que privem de todo efeito o negócio jurídico ou deixem um dos contratantes
à mercê do outro), 187 (que defi-ne o abuso do direito de contratar), 421 (que proclama que a liberdade de contra-tar nos lindes
da função social do contrato), 422 (que dispõe sobre a necessidade de os contratantes observarem, desde a fase pré-contratual
até aquela de execução dos contratos que celebraram, os princípios da probidade e da boa-fé objetiva) e 424 (que trata da
nulidade das cláusulas que, por seu conteúdo, descaracterizam a natureza mesma e os fins de um dado negócio jurídico). De
ver-se, todavia, que não obstante toda essa cla-rividência e discernimento não apenas do legislador ordinário e constituinte,
mas, ou-trossim, de nossa jurisprudência, inclusive a dos augustos Superior Tribunal de Justi-ça - STJ e Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, ainda se nos deparamos com uma forte resistência da parte de número expressivo de empresas
fornecedoras de produtos e serviços, destacando-se as instituições financeiras, em assimilar essa no-va cosmovisão jurídicolegal, numa demonstração de que ainda não é possível aos seus responsáveis e dirigentes intuir, perceber e vislumbrar os
efeitos deletérios e ne-fastos do processo de globalização econômica nos âmbitos e nas esferas individual e coletiva,
sobrelevando o aumento ostensivo do abuso do poder econômico das gran-des corporações e conglomerados financeiros e
empresariais nacionais e transnacio-nais, que timbram e primam, no desempenho e exercício de suas atividades empresa-riais
em fazer tabula rasa dos preceitos e princípios constitucionais e infraconstitu-cionais aos quais reportou-se este Magistrado
supra, abusando também do seu di-reito de contratar os produtos e serviços que comercializam e disponibilizam no mercado de
consumo, malferindo especificamente os princípios da equidade, da probidade, da transparência, da confiança e da boa-fé
objetiva, com o quê, não raras vezes, coloca o consumidor, via de regra a parte fraca, vulnerável e hipossufici-ente (quer na
ótica técnico-jurídica, que na perspectiva econômico-financeira) na re-lação de mercado - insista-se -, em situação de vantagem
exagerada, isso em decor-rência da situação de onerosidade excessiva com a qual se confrontam após a con-tratação dos
serviços e produtos colocados à venda por aqueles conglomerados e cor-porações.Nesse contexto e nessa linha de
considerações, jus-tificável e imperioso o controle jurisdicional da liberdade contratual, com a proibi-ção rigorosa de práticas e
atos perpetrados pela iniciativa privada que confrontem e contrariem o interesse público e que se corporificam em cláusulas
abusivas, ilegais e inconstitucionais, intervenção que, hodiernamente, ante a inconteste e inquestioná-vel relativização dos
princípios da autonomia da vontade e da intangibilidade dos contratos, acima de tudo com a sobrevinda do Estatuto Consumerista
e do Código Ci-vil de 2002, interveniência que exsurge e aflora possível e justificável também à cla-ridade do ordenamento
jurídico infraconstitucional em vigor, não se podendo olvidar que, a teor do artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil e 8º do
novo Código de Processo Civil, o juiz, na aplicação do ordenamento jurídico, atenderá aos fins sociais a que ele se dirige e às
exigências do bem comum, assegurando e promo-vendo a dignidade da pessoa humana.Neste ponto, se nos antolha relevante
trazer à bai-la oportuna e elucidativa entrevista - foi dada no dia 05 de maio de 2015 ao jorna-lista Martín Granovsky no Boletim
Carta Maior - do eminente jurista e ex-Juiz da Corte Suprema da Argentina, Raul Zaffaroni, merecendo destaque a sua resposta
à pergunta que lhe foi formulada pelo não menos eminente Advogado, jurisconsulto, jusfilósofo e professor doutor da Faculdade
de Direito da USP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, Alysson Leandro Mascaro [Os meios de comunicação de massa cada vez mais formam e moldam perspectivas da compre-ensão do jurista. Em face disso, qual sua leitura
sobre o horizonte ideológico do jurista hoje? O mesmo do capital e dos grandes meios de comunicação de mas-sa? Qual sua
percepção da ideologia como constituinte do afazer do jurista na atualidade?], vazada sábia, lúcida e profeticamente nos
seguintes termos, ipsis ver-bis: “Não tenho a menor dúvida de que a Televisa, no México, ou a Rede Globo, no Brasil, entre
outros exemplos, são conglomerados, formam parte indissociá-vel do capital financeiro transnacional. Logo, também são parte
desse modelo de sociedade, que é uma sociedade com uns 30% de incluídos e 70% de excluí-dos. Um modelo de sociedade
excludente. Daí nasce uma necessidade, querem moldar um jurista que se mantenha nessa lógica formal e não perceba que
está legitimando um processo de genocídio a conta-gotas. Temos esse tipo de genocí-dio, em grande parte da América Latina,
em circunstância em que o Estado já não é mais o que mata, senão o que fomenta a violência letal entre esses 70% que o
modelo quer excluir. Não nos esqueçamos que dos 23 países que superam a taxa anual de 20 homicídios a cada 100 mil
habitantes 18 são da América La-tina e do Caribe, os outros cindo são africanos. Tampouco esqueçamos que tam-bém somos
campeões de coeficientes de Gini, ou seja, má distribuição da renda. Esse é o modelo de sociedade que os meios massivos
concentrados querem rea-firmar. O pior que pode acontecer na América Latina é continuar assimilando assepticamente as
teorias importadas como se não tivessem conteúdo político, e nos perdermos nas doutrinas vinculadas a teorias presas a meros
planteamen-tos normativistas. Se, ideologicamente, a doutrina jurídica latino-americana não evolui em direção ao realismo,
lamentavelmente não fará nenhum favor nem ao Estado de Direito nem às nossas democracias” (grifei). Como transparece, em
função dos argumentos ex-pendidos por este Julgador nos parágrafos precedentes, imperativo que se ponha co-bro a essa
situação precária, indigna, desumana e aviltante que vem sendo, faz tem-po, degradantemente existencializada e vivenciada
pelo Promovente, isso para que dê continuidade ao seu existir sem os percalços e os revezes de índole financeira que com toda
certeza vem arrostando até esta parte em virtude dos desmandos, ile-galidades e atrabiliaridades que vêm sendo perpetrados
pelo Banco do Brasil S.A. desde o primeiro pacto que consigo celebrou, não sendo exagerado o raciocínio con-soante o qual a
instituição bancária está a reter mensal, dolosa e ilicitamente parce-la expressiva dos vencimentos do Autor, sem sombra de
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