TJSP 04/05/2017 - Pág. 835 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 4 de maio de 2017
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano X - Edição 2339
835
artigo 5º, da Constituição Federal e do princípio da autonomia da vontade, que determina que ninguém pode ser obrigado a
manter-se vinculado contra a sua vontade, por tempo indeterminado” (pág. 228). De todo irrelevante perquirir, neste passo, as
razões da quebra da affectio societatis, fato incontroverso que, por si só permite, nos termos acima, concluir pela dissolução
parcial da sociedade, posto que exercem os autores regularmente um direito impostergável que resulta de sua condição de
sócios, qual seja, o direito de retirada. Vale ressaltar ainda que tal direito, assegurado em lei, não está vinculado à saúde
financeira da sociedade para seu exercício, até porque, a própria lei não exime o sócio retirante de suas obrigações sociais
anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade. Nem mesmo a potencial possibilidade de desconsideração
da personalidade jurídica impede seu reconhecimento.Cai a talhe, a propósito, o sempre percuciente magistério do Prof. Rubens
Requião, ao ponderar que ‘O princípio dominante em nosso direito comercial é o de que o sócio não pode permanecer prisioneiro
da sociedade. Socorre-lhe o direito de recesso, dela se retirando quando lhe aprouver’ (‘Curso de Direito Comercial’, Saraiva,
Vol. I, 18ª ed., pag. 357). Esta antiga lição, por ser princípio norteador do direito societário, mantém vivo e aplicável à espécie.
Era mesmo o que cabia aos autores requererem, a dissolução da sociedade em relação à eles, reservando à ré a manutenção
da empresa, caso lhe interessasse, bastando para tanto incluir novo sócio em 180 dias, retomando a pluralidade de sócios.
Entretanto, a ré manifestou em defesa também a sua a intenção de ver dissolvida a sociedade, não tendo ela interesse na
preservação da empresa. De rigor, assim, a dissolução total da KW Radar, porquanto há consenso quanto a dissolução (artigo
1033, II do Código Civil).Mesma solução deve seguir o pedido reconvencional de dissolução total da empresa Belas Artes
Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda, porquanto os sócios manifestaram não ter interesse na manutenção da empresa.O
que se evidencia no presente feito, em verdade, é a lide potencial entre as partes, não no que toca à dissolução da sociedade
em si, com a qual ainda que indiretamente, estão ambos de acordo, haja vista o confessado reconhecimento da quebra da
affectio societatis, mas sim no que se refere à apuração dos haveres, fase subsequente à dissolução judicial, que tem a primeira
por pressuposto lógico e na qual as eventuais responsabilidades de cada qual poderão ser pormenorizadamente apuradas.As
partes buscam, a bem da verdade, a qualquer preço, a responsabilização reciproca pelas dificuldades societárias, ainda nem
apurada, o que se mostra impertinente à dissolução.Portanto, de rigor o integral acolhimento do pedido dos autores, reconhecendo
o exercício do direito de retirada da sociedade e dissolução total da sociedade, esta em razão da manifestação da ré quanto ao
desinteresse na preservação da empresa.Mesma solução deve seguir em relação a Belas Artes Empreendimentos Imobiliários
SPE Ltda.Por fim, impõe-se ponderar, que a liquidação deve ser feita de forma ampla. Deve-se obedecer as regras da dissolução
total, para atribuir-se aos sócios exatamente o justo e igualitário.A propósito, adverte Hernani Estrella, em sua obra ‘Apuração
de Haveres de Sócio’, que por mais singela que seja a apuração de haveres reclamará, necessariamente, a prática de vários
atos, exigindo seja procedido inventário, balanço, etc.., o que se trata de exigência lógica, de cujo implemento fica a depender a
determinação exata do valor a reembolsar aos sócios, ou, ao contrário, do montante de sua responsabilidade para com a
empresa (cf. ob. citada, Forense, 2ª ed., pag. 172).Observo que aqui ingressa os valores requeridos pela ré/reconvinte, os quais
são de responsabilidade da empresa e não dos sócios e, somente serão por eles devidos, se efetuada a liquidação não for o
valor liquidado com valores da empresa. Será na apuração de haveres que a ré deverá comprovar a origem e efetiva exigibilidade
dos valores por ela pagos, especialmente aqueles impugnados (honorários de escritório de advocacia - devendo apresentar o
contrato e respectivas notas dos serviços prestados e pagamento dos serviços prestados pela indicada funcionária, se exclusivos
à empresa).Referidas despesas, repita-se, são de responsabilidade da empresa e não dos sócios, exceto se após a dissolução
ainda houver valores a serem reembolsados.Por fim, é o caso de definir o momento a ser considerado para a apuração. Neste
particular, seja por razões de ordem prática, seja por razões de justiça ou mesmo em face da necessidade de resguardo do
dissidente, que com a notícia da dissolução certamente encontrará maior dificuldade de acompanhar a vida da sociedade, a
apuração dos haveres deve se reportar ao momento em que noticiada a cessação da affectio societatis. Neste sentido:”Dissolução
e liquidação de sociedades. Apuração de haveres. Oportunidade correta. O momento da avaliação do patrimônio da sociedade,
para fins de encontrar o seu patrimônio líquido na apuração de haveres, não é o da data da sentença dissolutória, mas do feito
ensejador da dissolução. Critério justo para se evitar eventuais prejuízos para ambos os lados da relação processual. Recurso
improvido” (TJSP - Apelação cível nº 597259217, Quinta Câmara Cível, Relator: Des. Clarindo Favretto, julgado em 16/04/1998)
“DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE - Momento da apuração dos haveres - Doutrina e jurisprudência conflitantes - Solução que
prevê a apuração quando da notificação para a retirada de sócio. 1 - Dissolução parcial que se mostra pertinente ao caso
concreto, em que, notificada a sociedade da vontade de uma de suas sócias retirar-se, houve a negativa de tal retirada.
Entendimento que, uma vez extinto o ânimo de permanecer como sócias, a via escolhida da dissolução parcial é a que menor
prejuízo causa à empresa. 2 - Momento da apuração dos haveres. Valorização da vontade dos sócios. A sociedade deve apurar
os haveres do sócio desvinculado e pagar-lhe nos prazos previstos contratualmente ou à vista em caso de omissão do contrato.
Por isso, o momento da apuração dos haveres deve ser aquele em que, de fato, o sócio se afastou da vida societária, se desde
aí não mais participou da condução dos negócios sociais, não contribuiu para a formação do patrimônio da sociedade, também
não participou dos atos que determinaram a sua posterior diminuição. Doutrina de Fábio Ulhoa Coelho e Vera Helena de Mello
Franco. 3 - A notificação procedida pela sócia dissidente é o marco desejado por todos os demais sócios, para dar início ao
procedimento tendente à retirada. 4 - Perdas e danos consistentes na correção monetária e juros de 6% ao ano, a contar da
notificação, nos limites do pedido inicial. Apelação da autora provida e improvida a das rés” (TJRS - AC nº 599.127.941 - 5ª C.
Civ. - Rel. Des. Carlos Alberto Bencke - J. 23.09.1999 - v.u). Não fosse assim, aqueles que manifestaram interesse na dissolução
estariam sujeitos ao risco de ver o patrimônio da sociedade dilapidado ou manipulado durante o trâmite da ação, por vezes com
a finalidade de dificultar a justa recomposição do patrimônio a que tinham direitos enquanto sócios. Portanto, a apuração dos
haveres, deverá ter, como termo a citação da ré nesta ação, pois não há prévia notificação na qual os autores tenham exercido
seu direito de dissolução.A liquidação deverá seguir o quanto disposto nos artigos 1102 e seguintes do Código Civil. Deixo
porém de fixar prazo para as partes nomearem liquidante, porquanto no curso do processo formularam/concordaram com
nomeação de administrador judicial ante a existência de dissenso no exercício da administração por qualquer dos sócios.Assim,
nomeio como liquidante o próprio administrador judicial nomeado na decisão de fls. 799 - Luiz Deoclecio Fiore.Em face do
exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido por MARIA DE LOURDES CARREIRA PAULO DE BARROS, JOSÉ ANTONIO
BARROS FILHO e MARILDA ROSA DE BARROS, contra KW CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, e PARCIALMENTE
PROCEDENTES os pedidos formulados em reconvenção por KW CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA contra MARIA
DE LOURDES CARREIRA PAULO DE BARROS, JOSÉ ANTONIO BARROS FILHO e MARILDA ROSA DE BARROS, o que faço
para, para declarar por sentença, totalmente dissolvidas as sociedades KW RADAR CONSTRUTORA E INCORPORADORA
LTDA e BELAS ARTES EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, nomeando como liquidante Luiz Deoclecio Fiore, que
deverá proceder liquidação total da sociedade e a apuração de haveres dos sócios, em liquidação de sentença, mediante exata
verificação física a contábil dos valores do ativo e passivo, levando como termo para apuração a data da citação da ré nesta
ação (janeiro de 2017).Como decorrência da sucumbência, recíproca, e considerando o princípio da causalidade, cada parte
arcará com metade das custas e honorários de seus patrono.Por fim, diante do julgado, informe ao juízo da 3ª Vara Cível, onde
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º