TJSP 24/10/2018 - Pág. 1285 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 24 de outubro de 2018
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XII - Edição 2686
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atribuindo-a a R.. Alegou não ter havido dolo. Disse que tudo se tratou apenas de um ilícito civil. Pugnou, dessa forma, pela
absolvição da ré ou, eventualmente, a aplicação da pena no piso. Após, os autos vieram conclusos. É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO E DECIDO. Inexistentes preliminares ou nulidades a serem sanadas, passo diretamente ao julgamento. A ação
penal é improcedente. Isso porque, embora a materialidade do delito tenha sido demonstrada pelo relatório de fls. 36/37 e pelos
depoimentos prestados na fase policial e na fase instrutória, não há certeza sobre a autoria. A ré, ouvida pelo Delegado de
Polícia, afirmou o seguinte (fl. 61): “que a declarante era proprietária do estabelecimento comercial denominado Kital Presentes,
estabelecido à via Ciro Fernandes, nº 543, neste Município. Esclarece que o estabelecimento era gerido pelo sócio administrador
R.G.P.. A declarante apenas permanecia no estabelecimento, mas toda a parte burocrática era realizada por R.. A declarante
desconhecia totalmente o funcionamento burocrático da loja. R. realizava todos os contratos necessários, serviços bancários
etc. A declarante confirma que a assinatura aposta no Contrato de Prestação de Serviços de Recebimento de Valores Financeiros
e Atendimento Comercial é de seu próprio punho. Após, o contrato firmado, o estabelecimento passou a efetuar o recebimento
de conta de energia elétrica CPFL, boletos diversos [...]. A declarante desconhecia o período do contrato, a porcentagem de
lucro destinada ao estabelecimento, haja vista que R. era o responsável por acertar todos os detalhes do contrato, e a declarante
apenas assinava como sócia-proprietária. De igual forma, R. que era responsável por repassar os valores arrecadados com as
transações realizadas. No final de 2011, a declarante tomou conhecimento da pendência financeira junto à empresa CPFL Brasil
e, de imediato, conbrou explicações de R., o qual disse que havia repassado todos os valores correspondentes à empresa, mas
não apresentou nenhum recibo ou comprovante, e, da mesma maneira, a declarante acreditou que estava tudo acertado. [...]”
Por sua vez, afirmou R. na fase administrativa (fl. 73), negou ser o responsável pelo estabelecimento, dizendo que a ré era
responsável por tudo, inclusive no que tange ao ocorrido nos dias 21 e 22/09/2011, e que não tinha alugado o ponto onde a loja
funcionava, conquanto ele tenha ficado responsável, esporadicamente, por repassar os valores arrecadados com as transações
realizadas. Entretanto, as alegações de R. não são condizentes com o que restou apurado nos autos da ação penal nº 0002533.28.2012.8.26.0319, que tramitou na 2ª Vara local, em que ele foi condenado pela prática do crime de pirataria praticada no
estabelecimento da Rua Ciro Fernandes, 539, nesta cidade, ao passo que os fatos apurados neste feito se deram na Rua Ciro
Fernandes, 541, isto é, no mesmo local. Nos autos da ação penal nº 0002533-.28.2012.8.26.0319, a testemunha policial militar
afirmou que estavam em operação de fiscalização de produtos importados ilegalmente, encontrando CDs e DVDs falsificados.
Disse que havia uma moça no local, que chamou o proprietário, no caso R. (fl. 227). Em outras palavras, R. era visto como
proprietário e administrador da loja. Em juízo, afirmou a representante da CPFL K.E.C., ouvida por carta precatória: “Eu trabalhei
na CPFL entre os dias 21 e 22 de setembro de 2011. Eu era da equipe de cobrança dos credenciados, do departamento
financeiro. Eu não conheço a C.. Eu ficava aqui em Campinas. Ela é de outra cidade e eles faziam o recebimento de contas pelo
POS. Todos os dias eles arrecadavam e, no dia seguinte, tinha que fazer o repasse para a CPFL. No POS, tinha o histórico de
tudo que foi arrecadado, e, aí, a gente não recebeu esse repasse. A CPFL tinha contrato de prestação de serviço com uma
pessoa jurídica que era uma papelaria de propriedade da C.. No estabelecimento dela, ela recebia contas de energia, água,
qualquer tipo de conta, boletos e, dos valores que ela recebia, ela tinha uma comissão, mas não lembro o valor que era a
comissão. O valor que ela se apropriou foi de R$ 2.881,99, eu tenho marcado aqui. Eu não me lembro se fui eu quem ligou para
ela, porque eu faço parte da equipe que faz cobrança judicial, mas tem uma equipe que faz cobrança extrajudicial; eles ligam
por 05 dias para fazer a cobrança. Tiveram as cobranças, tiveram as notificações, mas eu não sei se teve resposta ou não. Foi
feito um acordo com esse credenciado em novembro de 2017 e tem até a sentença aqui da ação civil, eu tenho até a cópia. Ela
pagou neste acordo o valor de R$ 2.500,00, e quitou a dívida”. A testemunha N. M. afirmou, conforme anotações aproximadas
deste magistrado: “Era vizinha da loja, tenho um mercado. O R. que era sócio da C. e ele que fazia depósitos. Antes de
trabalharem com a CPFL, ele disse que tinha que ir três a quatro vezes no banco para não ficar com dinheiro no caixa. Eu não
aceitei trabalhar para a CPFL, não vale a pena pelo risco que a pessoa corre. O R. disse também que não tinha feito seguro.
Eles vendiam CD, DVD, na loja. Às vezes ficava ele e às vezes ela na loja, mais ela do que ele, eu acho. Ele trabalhava de
mototáxi. Não comentaram comigo o motivo de não terem pagado a CPFL, só sei que era ele que depositava por causa da
conversa que tivemos e ele disse que tinha que fazer seguro por causa desse contrato com a CPFL. Que eu saiba, a C. namorou
um tempo o R.. Uma vez, chegaram carros da polícia com cães procurando o R., e aí meu irmão falou que Renan era da loja do
lado. Aí acho que levaram CDs, coisas de contrabando, que estavam na loja. A polícia procurava o R., só o R.”. [destaques
meus] A testemunha S.P.A.F. não soube dizer quem era o responsável pelas contas da loja, apenas afirmando que a ré ficava no
caixa e R. procedia ao atendimento. Ao seu turno, a testemunha V.P.G. apenas relatou, como relevante, que R. havia lhe
questionado acerca dos procedimentos de como atuar como correspondente para pagamento das contas. A testemunha L.S.M.F.
alegou que ela era a dona do ponto onde a loja se encontra e foi com R. que ela tratou os termos da locação do imóvel.
Finalmente, afirmou a ré em sua autodefesa: “Eu era namorada do R. e ele queria abrir uma loja, mas não podia abrir pelo nome
sujo. Aí pediu para abrir no meu nome. Eu atendia na loja e ele também. No horário do almoço, ele pegava o dinheiro e levava
para fazer depósitos no banco. Não tinha horário. Quando tinha bastante dinheiro, ele ia fazer o depósito. Durante dois dias a
máquina parou de funcionar, e eu perguntei o que acontecia, ele disse que ia ligar para a CPFL. Aí perguntei se ele tinha
pagado, e ele disse que sim, e depois veio o papel para mim dizendo que eu estava devendo, mas eu já tinha dado o dinheiro
para ele fazer o depósito. Ele disse que tinha um recibo na casa dele, mas nunca me deu esse recibo. Depois de um tempo,
terminamos o nosso relacionamento. Ele vendia produtos piratas na loja. Na delegacia ele assinou documento assumindo que
era o responsável pela loja e pelos DVDs apreendidos. Eu recebia as contas, trabalhava de graça para o R., ajudando, pois era
namorada e gostava dele. O R. trouxe um pessoal do banco na loja para mim e eu assinei o contrato da CPFL. Foi pouco tempo
de contrato com a CPFL até ocorrerem os fatos. Só foi gente do banco para a assinatura do contrato. Faz 07 anos que a loja
fechou. Fui eu que fiz o acordo para pagamento da CPFL. Eu estava incomodada, queria limpar o meu nome. Não fiz isso mas
tive que acertar, nunca tive problema com a Justiça”. Pelas provas colhidas, não se sabe dizer quem exatamente praticou a
conduta nos dias 21 e 22 de setembro de 2011, sobretudo porque, diversamente do R. afirmou perante a autoridade policial, as
testemunhas foram uníssonas a demonstrar que ele ficava na loja, tendo tratado, inclusive, de questões burocráticas e
financeiras, como a locação do ponto e o pagamento de contas. Ademais, conforme já adiantado, R. foi condenado por crime de
pirataria na loja em questão, sendo reconhecido pela testemunha policial militar como responsável pela loja. Outrossim, veja-se
que, à fl. 72 dos autos, a CPFL fazia as tratativas do negócio com a loja diretamente com R., sendo o “Contato do cliente” o
endereço eletrônico “[email protected], o que reforça o fato de que era R. quem, de fato, administrava a loja. Logo,
há dúvida razoável acerca de quem, de fato, se apropriou da verba pertencente à CPFL, não se podendo divisar se foi a ré ou
se foi R. quem praticou a conduta em questão. Dessa forma, inexistente a certeza de que a ré concorreu para a apropriação do
dinheiro, em nome do princípio do in dubio pro reo, a absolvição se impõe. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação
penal ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, para ABSOLVER a ré C.B., quanto ao delito a ela imputada, nos
termos do art. 386, VII, do CPP. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. P.R.I.C. - ADV: CESAR AUGUSTO
MARGARIDO ZARATIN (OAB 52590/SP), ROMULO PAULON PEGOLO (OAB 194447/SP)
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º