TJSP 06/04/2020 - Pág. 1796 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 6 de abril de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XIII - Edição 3020
1796
Processo 1009196-34.2019.8.26.0576 - Procedimento Comum Cível - Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes Helio Silva - Banco Intercap S/A - Vistos. Cuida-se de “ação de obrigação de fazer, c.c indenização por danos morais, com
pedido de liminar” promovida por HELIO SILVA contra BANCO INTERCAP S/A. O autor narra que celebrou com a instituição
bancaria requerida contrato de financiamento para aquisição de veículo automotor. Diz que, em razão de seu inadimplemento, o
banco ajuizou ação de busca e apreensão e retomou o veículo, mediante liminar confirmada por sentença, e que o bem foi
vendido em leilão extrajudicial e permaneceu em seu nome. Também informa que arcou com débitos de IPVA e licenciamento e
que foi inscrito no CADIN Estadual e teve seu nome levado a protesto. Daí a razão do ajuizamento da ação, em que pede a
concessão da tutela de urgência para a transferência e o bloqueio do veículo, a suspensão das cobranças e para que o réu se
abstenha de promover cadastros desabonadores. Postula, ainda, a condenação da parte requerida na transferência do bem
para seu nome, na restituição dos valores adimplidos e no pagamento de indenização por danos morais estimados em valor
equivalente a duzentos salários mínimos ou, subsidiariamente, em quantia a ser fixada pelo juízo. Indeferiu-se a tutela pleiteada,
a parte requerida foi regularmente citada e ofertou contestação, na qual suscita preliminares de incorreção do valor da causa e
ilegitimidade passiva e tece argumentos visando a desconstituir os pleitos inaugurais. Após réplica e manifestação do requerente,
o feito veio à conclusão. É o relatório do essencial. FUNDAMENTO E DECIDO. A ação comporta julgamento nesta fase, sem
dilação probatória, vez que a matéria discutida é somente de direito. Assim, possível o julgamento antecipado, nos termos dos
artigos 139, inciso II, e 355, inciso I, do Código de Processo Civil, sem olvidar o princípio constitucional da razoável duração do
processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal). O Egrégio Supremo Tribunal Federal também já decidiu nesse
sentido, concluindo que “a necessidade de produção de prova em audiência há que ficar evidenciada para que o julgamento
antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente
líquidos para embasar o convencimento do magistrado” (RE96.725 e RE 101.171). Pois bem. Rejeito as preliminares arguidas.
O valor atribuído à causa corresponde à soma dos valores de todos os pedidos e está em consonância com o artigo 292, inciso
VI, do Código de Processo Civil, devendo ser mantido. Quanto à alegada ilegitimidade passiva, anoto que os pedidos do autor
decorrem da conduta omissiva da parte requerida em não proceder à transferência do veículo para seu nome ou para o de
terceiro, após a retomada do bem, sendo a instituição bancária parte legítima para figurar no polo passivo da ação. Pelas
mesmas razões, descabido o pedido inclusão do arrematante, ressalvado direito de regresso do banco em relação ao atual
proprietário, a ser exercido em ação própria. Posto isso, consigno que, à época da venda do veículo a terceiro, a parte ré era
quem detinha a propriedade e a posse exclusiva do bem, por força de decisão judicial transitado em julgado (pp. 37/51 e 79), de
modo que cabia a esta comunicar a transferência da propriedade ao órgão de trânsito, sob pena, inclusive, de ser responsabilizada
solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação, nos termos do artigo 134 do Código
de Trânsito Brasileiro. Confira-se: “Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer, consistente na realização da transferência do
registro de propriedade de veículo, cumulada com indenizatória por danos morais. Procedência. Insurgência do banco réu
alegando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva e pleiteando a denunciação da lide ao atual proprietário do veículo. A
omissão do banco em proceder à transferência do veículo para o seu nome ou para o de terceiro, após a sua retomada, o
legitima para figurar no polo passivo desta ação. Denunciação da lide ao atual proprietário. Inadmissibilidade. Devolução do
veículo com garantia de alienação fiduciária ao credor em razão da ação de busca e apreensão. Veículo arrematado em leilão
por terceira pessoa. Banco que não providenciou a transferência do veículo para o seu nome ou para o de terceiro. Comunicação
a que alude o artigo 134 do CTB descumprida. Conduta negligente do Banco que impediu o autor de renovar a CNH e ensejou
a imposição de multas de trânsito e respectivas pontuações referentes ao veículo em nome do autor. Responsabilidade do
credor pela transferência do veículo. Dano moral configurado. Valor fixado pela r. sentença recorrida a título de indenização por
danos morais que se revela excessivo, devendo ser reduzido para R$ 8.000,00. Recurso do réu parcialmente provido.” (Apelação
nº 9300086-61.2008.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Des. Morais Pucci, J. 27/08/2013) Não há dúvidas
de que o artigo 123, parágrafo 1º, do CTB estabelece como obrigação do novo adquirente a transferência do registro de
propriedade do veículo, em trinta dias da data da compra. Contudo, tal dispositivo não desonera o cumprimento da obrigação
prevista no aludido artigo 134. Incumbia à instituição bancária requerida, em favor de quem foi consolidado o domínio e a posse
plena e exclusiva do bem, providenciar a transferência do veículo para seu respectivo nome ou cuidar para que terceiro que
tenha adquirido o bem promovesse a alteração do registro de propriedade do veículo. Nesse contexto, a inércia do banco réu
configura culpa por violar dever preexistente e, se não o cumpriu, deve arcar com o ônus de sua negligência. Destarte, é de se
reconhecer a obrigação da instituição bancária em proceder à transferência do veículo para seu nome e em restituir os valores
pagos pelo autor, a título de IPVA e licenciamento, após a retomada do bem. De outra parte, a manutenção da titularidade do
veículo em nome do autor foi causa de danos experimentados, tendo o demandante demonstrado que seu nome foi apontado
como devedor de impostos, com consequente protestos e inscrição no CADIN estadual (pp. 13/21), causando abalo imaterial
que supera o mero aborrecimento. É evidente, portanto, o nexo causal existente entre a conduta omissiva do banco e o dano
moral suportado pelo requerente. Compreensível que o autor, no momento em que recebeu notificação, sem nada dever, e
posteriormente teve seu nome protestado e inscrito no CADIN em razão da mora exacerbada da parte requerida em cumprir
com a sua obrigação, sofreu profunda vergonha, reação psíquica causadora de sofrimento, posto que apta a ferir sua dignidade
e, dor que configura dano moral indenizável, que não necessita de demonstração, na medida em que trata-se de fenômeno que
afeta qualquer pessoa com um mínimo de preocupação e apreço por sua honra e dignidade. Cuida-se da hipótese de danos in
re ipsa, uma vez que os efeitos danosos são conhecidos e dispensam comprovação, até porque são conhecidos seus nefastos
efeitos. A esse respeito: “RESPONSABILIDADE CIVIL. Desídia de credor, fiduciário, na ultimação de transferência de veículo
automotor, retomado em ação de busca e apreensão e vendido em leilão extrajudicial. Autora (ex-devedora, fiduciante) exposta
a cobranças (multas de trânsito e outros encargos tributários), passados cinco anos da venda do veículo. Abordagem cominatória
e reparatória (comando para formalização da transferência do veículo e reparação por dano moral). Juízo de procedência. Apelo
do réu. Desprovimento.” (Apelação nº 0117087- 78.2008.8.26.0007, 30ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Des. Carlos
Russo, J. 18/07/2012) Levando-se em conta que a parte autora faz jus ao recebimento de indenização por dano moral, o juiz,
para fixar o seu valor indenizatório, deve observar as funções ressarcitória e punitiva da indenização, bem como a repercussão
do dano, a possibilidade econômica do ofensor e o princípio de que o dano não pode servir de fonte de lucro. Consideradas as
peculiaridades dos autos, entendo adequada, razoável e suficiente para compensar a parte autora dos constrangimentos
sofridos e desestimular a parte requerida a praticar conduta semelhante, a fixação da indenização em R$ 10.000,00 (dez mil
reais), ficando acolhido o pleito subsidiário. Em suma, por esses fundamentos, acolho integralmente os pedidos iniciais para: (1)
conceder e tornar definitiva a tutela de urgência para que a ré se abstenha de promover cobranças e inscrições desabonadoras
do nome do autor, relativamente aos débitos incidentes sobre o veículo objeto do litígio; (2) determinar à parte requerida que
proceda à transferência da propriedade do veículo objeto da demanda para si ou para o terceiro adquirente e, para tanto,
concedo-lhe o prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da publicação desta sentença, a partir do qual se sujeitará a multa
diária de R$ 300,00 (trezentos reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sendo que, atingido o valor total da multa ora
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