TJSP 05/03/2021 - Pág. 963 - Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: sexta-feira, 5 de março de 2021
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano XIV - Edição 3231
963
PACIFICO (OAB 117515/SP), LEONARDO CAMPOS NUNES (OAB 274111/SP), GUILHERMINA MARIA FERREIRA DIAS (OAB
271235/SP), MARIANA APARECIDA DA SILVA FERREIRA (OAB 376481/SP)
Processo 0085088-70.2018.8.26.0100 (processo principal 1132473-02.2015.8.26.0100) - Impugnação de Crédito Recuperação judicial e Falência - Natasha Szaniecki Novak - - Rapo Holding Ltda. - - Humberto Coelho de Faria Junior - - Roseli
Garcia de Faria e outro - Construtora e Incorporadora Atlantica Ltda e outro - EXPERTISEMAIS SERVIÇOS CONTÁBEIS E
ADMINISTRATIVOS - Vistos. Unidade 213 do Empreendimento Girassol II Trata-se, na origem, de impugnação de crédito
proposta por RAPO HOLDING LTDA., às fls. 01-03, requerendo, em suma, a reclassificação do crédito, para que faça constar
como crédito de privilégio especial, obrigação de dar, nos termos do art. 83, inciso IV, b da Lei nº 11.101/2005 c/c art. 43, inciso
III, da Lei nº 4.591/1964, com relação à unidade 209, 211 e 213, do empreendimento Girassol II, bem como em relação às
unidades 92, do Empreendimento Augusta, 406, do Empreendimento José Antônio Coelho, 63, do Empreendimento Apiacás,
102, do Empreendimento Amâncio de Carvalho. À fl. 13, a z. serventia certificou que o presente incidente versaria apenas as
questões relacionadas à unidade 213, do Empreendimento Girassol II e que foi desmembrado do incidente de nº 006319994.2017.8.26.0100, com a tansferência das petições e documentos de fls. 01/04 e 21/28. Às fls. 26-29, a interessada NATASHA
SZANIECKI NOVAK apresentou manifestação, requerendo a adjudicação da unidade ora discutida ou, alternativamente, o direito
sobre 1/2 do imóvel. Juntou documentos às fls. 31-35. Às fls. 38-52, a Administradora Judicial sustenta que os pedidos
pretendidos pelos interessados Rapo Holding Ltda., Humberto Coelho de Faria Junior e Roseli Garcia de Faria são improcedentes,
permanecendo-os como credores quirografários, nos termos do artigo 83, inciso VI, da Lei nº 11.101/2005. Por outro lado,
requereu a intimação da interessada Natasha Szaniecki Novak para fins de esclarecimento acerca da origem do crédito
imobiliário utilizado para quitação da unidade em epígrafe. Documentos acostados às fls. 53-467. Às fls. 468-469, a interessada
RAPO HOLDING LTDA. requerendo a reclassificação do seu crédito para constar como privilégio especial, obrigação de dar,
nos termos do art. 83, inciso IV, b da Lei nº 11.101/2005 c/c art. 43, inciso III, da Lei nº 4.591/1964 em relação ao imóvel em
comento. Às fls. 473-492, juntou comprovantes de pagamentos referente às transferências bancárias realizadas à Construtora e
Incorporadora Atlântica no que tange aos preços de todos os imóveis objetos de contratos de promessa de compra e venda,
sem cláusulas prevendo retorno financeiro oriundo de investimentos realizados junto à falida. Às fls. 496-500, os interessados
HUMBERTO COELHO DE FARIA JUNIOR E ROSELI GARCIA DE FARIA, pleitearam a reclassificação do crédito para constar
no futuro quadro-geral de credores como privilégio geral, por obrigação de dar, nos termos do art. 83, inciso V, da Lei nº
11.101/2005. Todos se manifestaram sobre os pedidos reciprocamente. Às fls. 504-505, a Administradora Judicial informou que
no sistema interno da Falida foram localizados comprovantes de pagamento confirmando diversos pagamentos em favor da
Construtora Atlântica. Provas documentais acostadas às fls. 506-508. O Ministério Público opinou às fls. 509-514 pela intimação
da interessada Natasha Szaniecki Novak, nos termos já pleiteados pela Administradora Judicial às fls. 38-52. Pedido de
desistência de NATASHA SZANIECKI NOVAK à fl. 521. A Administradora Judicial apresentou parecer final às fls. 524-528
opinando pela improcedência dos pedidos formulados pelos interessados Rapo Holding Ltda, Humberto Coelho de Faria Junior
e Roseli Garcia de Faria, mantenho-os classificados como credores quirografários, nos termos do art. 83, VI, da Lei nº
11.101/2005, ante a natureza de investidores. Opinou, por fim, pela homologação do pedido de desistência da interessada
Natasha Szanicek. À fl. 529 foi deferida a Justiça Gratuita à Massa Falida. O Ministério Público apresentou parecer final à fl. 535
concordando com o pedido de desistência formulado pela interessada Natasha Szaniecki Novak e reiterando os termos da
manifestação de fls. 509-514 quanto à improcedência dos demais interessados. É o breve relatório. Decido. INDEFIRO o
depoimento de Jaime Serebrenic e Mila Serebrenic, requeridos por HUMBERTO COELHO DE FARIA JUNIOR e ROSELI GARCIA
DE FARIA, pois desnecessária a produção de prova testemunhal, considerando o conjunto probatório produzido nos autos,
mormente as provas documentais (art. 443, I do CPC). Quanto à exibição dos livros, esses não foram arrecadados pela Massa
Falida, o que torna impossível a sua exibição. Quanto ao sistema eletrônico da Falida, esse foi periciado no processo principal
e foi atestada a sua inviolabilidade. Por seu turno, o acesso por qualquer um dos interessados ao sistema pode ser feito no
processo principal, sem qualquer restrição, de modo que não se justifica qualquer nova medida nesse feito, até porque os
extratos do referido sistema foram apresentados. Outrossim, o ônus da prova de eventual falsidade é da parte que a arguiu (art.
429, I do CPC). Dessa forma, a produção de outras provas, além daquelas já produzidas nestes autos e na ação principal da
falência, demonstra-se inútil (art. 370, parágrafo único do CPC). No mais, o feito comporta julgamento no estado em que se
encontra, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, eis que os elementos constantes nos autos são suficientes
para a solução da demanda, sendo desnecessária a dilação probatória. Mérito As transações imobiliárias do Grupo Atlântica
apresentam peculiaridades que devem sempre ser levadas em consideração quando da apreciação de habilitações ou
impugnações de crédito, bem como de ações, autônomas ou incidentais, que versem sobre os negócios jurídicos das Falidas
perante aqueles que alegam ter adquirido bens ou aportado recursos em empreendimentos. Isto porque o Grupo Atlântica
operou por longa data por meio de mecanismo de financiamento pautado na celebração de contratos simulados de cessão de
crédito, venda e compra, promessa de venda e compra e permuta de imóveis, dentre outros, já que todos tinham por único
objetivo a captação de recursos para investimento em suas atividades, ou seja, tinham de fato natureza de mútuo. Por este
mecanismo, pessoas interessadas em obter retorno de investimento acima das taxas permitidas em lei, para quem não se
qualifica como instituição financeira, investiriam bens e valores nos empreendimentos do Grupo Atlântica, obtendo lucro
mediante permuta de imóveis por outros de maior valor, venda e compra ou promessa de venda e compra de imóveis adquiridos
por valor abaixo daquele verificável no mercado e vendidos com elevado ágio, bem como cessões de créditos sem lastro, ou
outros mecanismos. Os pagamentos aos investidores pelos respectivos investimentos eram realizados periodicamente,
acrescidos dos respectivos juros, com recursos obtidos a partir da venda em multiplicidade das mesmas unidades imobiliárias
dos empreendimentos do Grupo, ou seja, simultaneamente para diversos investidores, ou com a permuta entre unidades já
vendidas/permutadas por outras de algum empreendimento do Grupo. Ao fim, o Grupo dava quitação ao investidor dos negócios
simulados por declaração unilateral sem, no entanto, haver qualquer efetiva comprovação de entrega de valores (muitas vezes,
a quitação constava do próprio instrumento do negócio simulado). Nos termos do art. 167, § 1º, II, do Código Civil, haverá
simulação nos negócios jurídicos quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira. Ante o
histórico do Grupo Atlântica, bem como a narrativa das Partes e interessados e a prova documental que constam destes autos,
forçoso reconhecer presente o mecanismo de captação de recursos das Falidas, mediante contratos de permuta, venda e
compra, promessa de venda e compra e/ou cessões de crédito simulados, com o intuito de dissimular a operação de mútuo
feneratício a juros superiores aos permitidos em lei. Por sua vez, o caput do referido dispositivo fulmina de nulidade o negócio
simulado e determina a preservação, dentro do possível, da validade e dos efeitos do negócio oculto, ou seja, daquele que se
dissimulou. Veja-se in verbis o dispositivo: É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for
na substância e na forma. Via de consequência, reconhecida a nulidade dos contratos celebrados, forçoso reconhecer a
preservação do mútuo dissimulado. Nesse ponto, não há dispositivo na Lei nº 11.101/2005 que crie prioridade no recebimento
do crédito oriundo de simples contrato de mútuo, pelo que sua classificação deve permanecer como quirografária, nos termos
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º