TJSP 01/09/2021 - Pág. 3136 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIV - Edição 3353
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data, não se mostra o caso de concessão de regime domiciliar de pronto na hipótese, mas tão somente de suspensão temporária
dos efeitos da decisão que decretou anteriormente a prisão civil do devedor alimentar e a expedição de alvará de soltura
clausulado, a fim de que o mesmo seja imediatamente colocado em liberdade, o que de forma alguma ofende aquela
recomendação do CNJ ou mesmo à referida v. decisão liminar proferida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no habeas
corpus nº 568.898/SP, uma vez que o objetivo ali previsto de impedir que o devedor ficasse exposto à contaminação pelo vírus
no interior de um estabelecimento prisional está sendo integralmente atendida. Com a suspensão dos efeitos da decisão que
decretou sua prisão civil, como aqui determinado, está sendo garantido ao devedor, de forma muito mais ampla, o seu direito à
liberdade, o qual poderá ser exercido em sua plenitude, o que não se verificaria em relação ao regime domiciliar de cumprimento
de prisão; isso sem contar o fato de que teria ganhado também um prazo adicional por enquanto ainda indeterminado para
reunir numerário suficiente para quitação de seu débito alimentar já reconhecido como certo por decisão judicial, o que poderá
implicar na revogação total daquela ordem de prisão cujos efeitos estão suspensos e, dessa forma, jamais vir a cumpri-la,
benefício este que, de igual forma, não teria direito se estivesse no regime domiciliar. Tanto é legítima a interpretação aqui
adotada que já recebeu diversas ratificações em recentíssimos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nos
últimos dias em julgamentos de habeas corpus impetrados por conta da Pandemia do novo Coronavírus, como se pode verificar:
‘HABEAS CORPUS’. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. Prisão civil do paciente. Suspensão da ordem. Cabimento. Atual estado de
calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus que autoriza, de forma excepcional, a suspensão do decreto
prisional, como medida de combate à dispersão do vírus, evidente o risco à saúde do paciente. Art. 6º da Recomendação nº
62/2020 do CNJ. Finalidade coercitiva da medida que justificar seja postergado o cumprimento da prisão civil. Ordem concedida.
[...] Com a devida vênia, reputo mais adequada a suspensão do decreto prisional, postergado o cumprimento do prazo
remanescente de prisão, dada a baixa efetividade da prisão domiciliar em período de vasta quarentena nacional, ressaltando
que a medida visa a compelir o executado a satisfação da obrigação alimentar. Pelo exposto, CONCEDO A ORDEM, confirmada
a liminar de suspensão do decreto prisional, com a consequente soltura do paciente. (TJSP, HC nº 2055788-67.2020, 10ª Câm.
Dir.Priv., V.U., rel. Des. J.B. Paula Lima, j. 28.04.2020, sem grifos no original). HABEAS CORPUS. Prisão civil. Situação
excepcional causada pela pandemia do COVID-19. Ordem de soltura concedida - sem prejuízo de posterior restauração do
período remanescente da custódia - com a suspensão da execução por 120 dias. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. [...]
Por outro lado, em que pese existir orientação do CNJ (artigo 6º da Recomendação 62/2020) e do STJ (HC nº 568.021/CE, Rel.
Paulo de Tarso Sanseverino, j. 25.03.2020) de que a prisão civil decretada em desfavor da devedor deveria ser cumprida em
regime domiciliar enquanto perdurasse a pandemia de COVID-19, pondera-se que a prisão domiciliar em um período de
quarentena obrigatório tiraria a eficácia da medida, deixando o alimentado - parte mais fraca da relação jurídica - sem as
mínimas condições de sobrevivência. Em consequência, a solução mais adequada neste momento é a suspensão da execução
pelo prazo de cento e vinte dias, ou, caso a situação de pandemia se estabilize, os autos deverão retornar à D. Juíza de Primeiro
Grau para apreciação e deliberação, ponderando que o período remanescente da custódia poderá ser restaurado. Ante o
exposto, pelo meu voto, concedo parcialmente a ordem, ratificando a liminar anterior de soltura do paciente sem prejuízo de
posterior restauração do período remanescente da custódia - determinando a suspensão da execução pelo prazo de cento e
vinte dias. (TJSP, HC nº 2055788-67.2020, 10ª Câm.Dir.Priv., V.U., rel. Des. Sílvia Maria Facchina Espósito Martinez, j.
22.04.2020, sem grifos no original). E mais recentemente, em 02 de junho de 2020, o próprio Colendo Superior Tribunal de
Justiça, em decisão da lavra do E. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, no julgamento do habeas corpus nº 568.898-SP, também
decidiu pela suspensão do decreto de prisão civil de devedor alimentar, afastando a mera conversão em regime domiciliar: A
manifesta epidemia da Covid-19 impôs, dentre tantas medidas, rígidas regras de convivência na tentativa de impedir, ou ao
menos minimizar, o contágio pelo vírus, reconhecidamente de altíssima transmissibilidade e, no momento, em crescimento
vertiginoso no Brasil. A pandemia foi declarada publicamente pela Organização Mundial da Saúde - OMS - em 11 de março de
2020. Com base nessa realidade, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação CNJ nº 62/2020, tendo em vista a
“(...) manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e que um cenário de
contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a
saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos”. O artigo 6º do supramencionado ato
administrativo recomenda “aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das
pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de
disseminação do vírus”. De fato, é inexorável buscar prevenir a infecção e a propagação do novo coronavírus, cujas graves
consequências à saúde ainda não possuem tratamento comprovado, razão pela qual o isolamento social é a medida mais
indicada para afastar seus altos riscos de contágio, o que ao fim e ao cabo protege toda a sociedade. Todavia, ao aprofundar a
reflexão quanto ao tema, percebe-se que assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida
que não cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando. Assim, não há falar
na relativização da regra do art. 528, §§ 4º e 7º, do Código de Processo Civil de 2015, que autoriza a prisão civil do alimentante
em regime fechado quando devidas até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no
curso do processo. Válido consignar que a Lei Federal, em verdade, incorporou ao seu texto o teor da Súmula nº 309/STJ (“O
débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da
execução e as que se vencerem no curso do processo.”). Por esse motivo não é plausível substituir o encarceramento pelo
confinamento social, o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada no momento em prol do bem-estar de toda a
coletividade. Nesse sentido, diferentemente do que assentado em recentes precedentes desta Corte (HC nº 566.897/PR, Rel.
Min. Nancy Andrighi, DJe 19/3/2020, e HC nº 568.021/CE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 25/03/2020), que aplicaram
a Recomendação nº 62 do CNJ, afasta-se a possibilidade de prisão domiciliar dos devedores de dívidas alimentares para apenas
suspender a execução da medida enquanto pendente o contexto pandêmico mundial. Registra-se que a Constituição Federal
assegura a todos a incolumidade física e moral, que se pode traduzir como o próprio direito a uma sobrevivência digna,
verdadeira garantia fundamental. Os direitos inerentes à personalidade explicitam cláusula geral de tutela da pessoa humana,
alcançando, inexoravelmente, o devedor de dívida alimentar que pode ter sua vida posta em risco com o cumprimento da prisão
em regime fechado (art. 528, § 4º, do CPC/2015). Portanto, a excepcionalidade da situação emergencial de saúde pública
permite o diferimento provisório da execução da obrigação cível enquanto pendente a pandemia. A prisão civil suspensa terá
seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra, pois não se olvida que, afinal,
também está em jogo a dignidade do alimentando, em regra, vulnerável. Eis é o atual entendimento da Terceira Turma: “HABEAS
CORPUS. OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA. INADIMPLEMENTO PRISÃO CIVIL. DECRETAÇÃO. PANDEMIA. SÚMULA Nº 309/STJ.
ART. 528, § 7º, DO CPC/2015. PRISÃO CIVIL. PANDEMIA (COVID-19). SUSPENSÃO TEMPORÁRIA. POSSIBILIDADE.
DIFERIMENTO. PROVISORIEDADE. 1. Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19), admite-se,
excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado. 2. Hipótese emergencial de
saúde pública que autoriza provisoriamente o diferimento da execução da obrigação cível enquanto pendente a pandemia. 3.
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º