TRF3 24/09/2018 - Pág. 929 - Publicações Judiciais I - Interior SP e MS - Tribunal Regional Federal 3ª Região
Rejeito, portanto, a preliminar de inadequação da via eleita, por impossibilidade jurídica do pedido.
A alegação de ilegitimidade passiva ventilada pelos réus Antônio Lastória e André Puccinelli será apreciada por ocasião da
sentença, haja vista que consiste, na verdade, em defesa de mérito, baseada na suposta impossibilidade de responsabilização desses réus na
condição de Secretário de Estado de Saúde e de Governador do Estado, respectivamente, por ausência de participação subjetiva quanto aos
fatos.
Ademais, a questão da legitimidade passiva dos réus deve ser aferida de modo abstrato, de acordo com o que consta da petição
inicial, sendo que a demonstração ou não, por provas cabais, da existência de dolo ou culpa individualizada, de parte dos mesmos, de sorte
a ensejar a condenação por improbidade administrativa, é questão reservada ao mérito e será assim enfrentada no presente caso.
Rejeito, pois, as preliminares de ilegitimidade passiva.
Presentes os requisitos formais para o conhecimento da ação, passo à análise dos requisitos materiais.
A inicial aponta que os réus, na condição, respectivamente, de Governador e de Secretários de Estado (da Fazenda e da
Saúde), não observaram o mínimo constitucional de aplicação compulsória de recursos em ações e serviços públicos de saúde no Estado de
Mato Grosso do Sul, no ano de 2014.
Essas irregularidades alegadamente foram apuradas no Inquérito Civil nº 1.21.000.002416/2017-33, que acompanha a inicial, a
partir do Balanço Geral apresentado pelo Estado de Mato Grosso do Sul (v.g. ID 5720115) e, bem assim, da apuração realizada pela 5ª
Inspetoria de Controle Externo do TCE/MS (v.g. ID 7006645).
Pois bem. Do que se extrai desses documentos, no ano de 2014 o Estado de Mato Grosso do Sul obteve como receita líquida de
impostos a quantia de R$ 7.010.892.635,15 (ID 5720633, fl. 19. Consequentemente, o percentual de 12% (doze por cento) desse valor
equivale a R$ 841.307.116,21).
A informação prestada pelo Estado de Mato Grosso do Sul junto ao SIOPS (ID 7283617, fls. 12/13), e, bem assim, através do
“Demonstrativo de Recursos Destinados à Saúde – despesa empenhada” (ID 5720633, fl. 19), é de que foram aplicados em ações e
serviços públicos de saúde o importe de R$ 849.077.097,32 (pouco mais do que o percentual mínimo assegurado).
No entanto, os documentos juntados no ID 5720115 (Balanço Geral de 2014, fl. 16) e no ID 7006645 (apuração da 5ª
Inspetoria de Controle Externo do TCE/MS, fl. 16) apontam que os gastos com saúde foram de apenas R$ 747.626.842,73; ou seja, em
montante inferior ao mínimo constitucional.
Assim, esses documentos, por si só, revelam indícios de que realmente não foi atendido o mínimo constitucional, já que faltaria a
quantia de R$ 93.680.273,48 para se atingir o índice de 12% referido.
Da mesma forma, há indícios de que os gastos com ações e serviços públicos de saúde através do Fundo Especial de Saúde (art.
2º, parágrafo único, da LC 141/2012[1]) foram de apenas R$ 413.508.000,00 (ID 7002765, fls. 16/19).
Com efeito, as justificativas apresentadas pelos réus não são suficientes para, neste momento processual, ilidirem os indícios da
prática das irregularidades alegadas pelo Ministério Público Federal.
Outrossim, é de se ter em conta que a prévia manifestação da parte requerida, nos termos do art. 17, §7º e §8º, da Lei nº
8.249/92, visa, tão-somente, evitar o trâmite de ações temerárias destituídas de fundamentos, sendo que a existência ou não dos atos
ímprobos será objeto de análise após a regular tramitação da presente ação. Apenas se comprovada, de plano, a inexistência de ato de
improbidade, improcedência do pedido material da ação ou inadequação da via eleita, é que poderia ser rejeitada a presente ação, hipóteses
que não se vislumbram no caso dos autos.
Embora a controvérsia travada entre as partes envolva matéria complexa, de alta indagação e que demanda aprofundada
cognição fático-jurídica, a análise feita nesta fase processual, conforme já dito, permite concluir que há nos autos um conjunto indiciário
considerável de que houve, por parte dos réus, o descumprimento da obrigação constitucional de aplicação mínima de recursos em ações e
serviços públicos de saúde no ano de 2014, o que, em tese, configura ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
Administração Pública.
E esses indícios não foram desconstituídos de plano, pelos requeridos, o que está a ensejar o recebimento da presente ação.
Ademais, neste momento processual deve vigorar o princípio de que a dúvida se resolve em favor da sociedade, com o
recebimento da inicial – in dubio pro societate -, o que não significa, em absoluto, reconhecimento desde já de culpa em relação aos
requeridos, eis que, no julgamento final, em persistindo a dúvida, a exegese dar-se-á em favor deles – in dubio pro reo.
A respeito, colaciono o seguinte julgado:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. ART. 17, § 10, DA LEI Nº 8.429/92. AUSÊNCIA
DE JUSTA CAUSA PARA A REJEIÇÃO.
I - Embora a Lei nº 8.429/92 preveja em seu artigo 17, § 10, a possibilidade de se interpor agravo de instrumento contra a decisão que recebe a petição inicial, as hipóteses de
cabimento devem se restringir aos casos em que há nítida ausência de justa causa para o prosseguimento da ação.
II - Se o Ministério Público imputa ao réu conduta que se apresenta como uma daquelas caracterizadoras de atos de improbidade administrativa, fornecendo indícios razoáveis de
culpabilidade, a apuração deve ocorrer obedecendo ao devido processo legal, assegurando ao réu a ampla defesa e o contraditório.
III - Os argumentos apresentados pelo agravante exigem aprofundado exame, sendo insuficientes para ensejar a rejeição da petição inicial, que se mostra perfeita, preenchendo
todas as condições e pressupostos de admissibilidade.
IV - Em casos como o aqui tratado, deve prevalecer o interesse público na apuração dos fatos denunciados, averiguando-se a responsabilidade do agente público.
V - Agravo de instrumento improvido”. (TRF da 3ª Região – Rel. Juíza Cecília Marcondes – AG 209903 – DJU de 04/10/2006 – pág. 252).
Ante todo o exposto, recebo a petição inicial.
No mais, junte-se cópia da presente decisão, nos autos da ação civil pública nº 5000778-72.2018.403.6000, os quais deverão ter
julgamento simultâneo.
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 24/09/2018
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