TRF3 18/12/2018 - Pág. 498 - Publicações Judiciais I - Tribunal Regional Federal 3ª Região
Argumenta o agravante que a aplicação de recursos em saúde pelo Estado de Mato Grosso do Sul foi de R$ 797 milhões, o que corresponde a, 12,5% de sua receita líquida de impostos (R$ 6,3 bilhões) no ano de
2013. Sustenta que tal fato foi reconhecido pelo Tribunal de Contas do citado Estado, o qual considerou que as balizas para o correto emprego dos recursos na área da saúde poderia dar-se consoante o sistema
preceituado pela Lei Estadual nº 2.261/2001 (Lei do Rateio), a qual comportaria aplicação mesmo com a edição da LC nº 141/2012, pois "não foi expressamente revogada pelo diploma complementar", tampouco
"declarada inconstitucional pelo STF" (Processo TC n° 2411/2014). Outrossim, aduz que o Ministério da Saúde também indica o citado percentual como aplicado.
Inicialmente, consigne-se que o fato de o TCE/MS ter ratificado a tese do recorrente não vincula o Judiciário, em virtude da independência entre as esferas administrativa e judicial. Aliás, a LIA expressamente prevê
que a aplicação das sanções nela previstas independe da aprovação ou rejeição das contas pelo tribunal de contas (artigo 21, inciso II, da Lei nº 8.429/1992). A divulgação do percentual de 12,5% pelo Ministério da Saúde
igualmente não conduz a tal vinculação, à vista da separação dos poderes (artigo 2º da Constituição Federal).
O conflito atinente aos parâmetros para avaliação dos dados sub judice origina-se na possibilidade ou não de aplicação da Lei do Rateio (Lei Estadual nº 2.261/2001). Quanto ao tema, concluiu o TCE/MS ser
possível, verbis (Id 1230157 - pág. 36 e Id 1230158 - pág. 1):
[...] Antes de se verificar eventual cumprimento, ou não, quanto à aplicação do percentual mínimo de 12%, insta analisar a incidência da Lei do Rateio no cômputo do respectivo índice: que, in casu,
entendo possível.
Com efeito, tal sistema de rateio vem sendo adotado desde o exercício de 2002, a partir da edição da já citada Lei Estadual nº 2.261/2001, regulamentada pelo Decreto nº 10.682/2002.
Trata-se de um procedimento gerencial que tem por base o método ABC ( Acticity Based Cost), ou seja, o custeio baseado em atividades, o qual visa levar ao conhecimento do gestor o real custo de
produção de cada produto, entendido este, no caso, como o serviço colocado à disposição da sociedade/cidadão. E, esse custo real envolve tanto os custos das atividades diretas (atividades fim) quanto
das indiretas (atividades meio – administrativas de apoio), sem as quais a viabilidade da prestação/execução dos serviços ficaria comprometida.
E, no âmbito da Administração Pública (aqui, do Poder Executivo Estadual), o rateio consiste em um procedimento de “apropriação” às atividades fim do Estado, de despesas realizadas por suas
áreas-meio.
Sob esse aspecto, a área-fim disponibiliza os serviços/produtos diretamente à população (tais como, educação, saúde, segurança, entre outros), ao passo que, as áreas-meio (que envolve atividades
como: a administração de recursos humanos, o controle interno, a administração orçamentária, e outros) apesar de não disponibilizar diretamente esses serviços/produtos, torna viável esse objetivo.
[...]
Nesses termos, a aplicação de verbas públicas em “áreas-meio”, tais como as citadas pelo TCU - a administração de recursos humanos, o controle interno, a administração orçamentária, e outros -, foram
consideradas aplicadas na “área-fim” saúde. Todavia, não se pode ter como regular tal situação, à vista da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 141/2012. Dispõe a lei maior:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II - orçamento;
[...]
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
[...]
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Defende o Estado do Mato Grosso do Sul na ação civil pública nº 0007659-58.2015.403.6000 – ajuizada para que seja obrigado a reparar, junto com a União, o déficit decorrente do não investimento do valor
mínimo em saúde no ano de 2013 – que teria exercido, ao editar a Lei do Rateio, sua competência suplementar, nos termos do § 2º do artigo 24 da CF, além do que afirma que, mesmo diante do § 4º desse artigo, não tem
orientação no sentido de que a Lei Complementar nº 141/2012 tenha suspendido os efeitos da lei estadual, mesmo porque a complementar não a revogou (Id 1230161 - pág. 51). Entretanto, desnecessário qualquer
previsão legal nesse sentido, à vista de que a suspensão da lei estadual no que for contrária à superveniente lei federal sobre normas gerais decorre do próprio texto constitucional (§ 4 do artigo 24 supracitado). Necessário
examinar, assim, se existe tal contrariedade.
Determina a Lei do Rateio do Estado do Mato Grosso do Sul (Lei nº 2.261/2001):
Art. 1º O Poder Executivo adotará, a partir do exercício de 2001, sistema de rateio de despesas e apropriação de custos entre órgãos da administração direta, autarquias e fundações, para fins de
alocação das despesas de custeio realizadas com a manutenção de serviços de arrecadação, administrativos e de gestão por órgãos centralizadores de atividades de arrecadação, suporte técnico,
administrativo e gestão do aparelho do Estado, na proporção dos usos de recursos nas atividades-fins, podendo, para essa finalidade, utilizar-se dos mecanismos previstos no inciso VI, art. 167, da
Constituição Federal.
Antes de mencionar o que estabelece a Lei Complementar nº 141/2012, importante registrar que regulamenta o § 3º do artigo 198 da Constituição Federal, que prevê:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado
para § 1º pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 29, de 2000)
[...]
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos
respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
[...]
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I - os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das
disparidades regionais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
IV - (revogado).(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
[grifei]
Dessa forma, em decorrência desse § 3º, a Lei Complementar nº 141/2012 institui o seguinte no capítulo concernente às ações e aos serviços públicos de saúde:
Art. 2o Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e
recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 18/12/2018
498/1546