TRF3 24/04/2020 - Pág. 971 - Publicações Judiciais I - Tribunal Regional Federal 3ª Região
Reconheço que a tributação de “receita” ao invés de “lucro” pode onerar tanto atividades econômicas superavitárias e quanto deficitárias, mas essa possibilidade está
escorada no art. 195, I, “b”, da Constituição. Contudo, a tributação apenas após a dedução de custos e despesas (incluindo as tributárias) potencialmente reduziria todas
as bases de cálculo ao lucro (bruto, operacional, líquido etc.), em detrimento dos campos de incidência positivados na Constituição e nas leis de regência.
É relevante ainda lembrar que o preço de bens e de serviços, em regra, corresponde ao custo total de produção (incluídas todas os gastos e despesas, até mesmo não
operacionais) acrescido de potencial margem de lucro, embora o montante final recebido também esteja sujeito a variáveis de mercado. Portanto, todos os tributos
exigidos de empresas são, em princípio, repassados no preço cobrado por seus bens e serviços (ainda mais em se tratando da expressiva carga tributária brasileira), razão
pela qual a receita bruta apurada pelo recebimento desses preços incluiu esses tributos.
Se de um lado é verdade que “empresas não vendem tributos” (logo, nenhum tributo poderia compor o faturamento ou a receita bruta porque são “verbas de passagem”
pelos registros de empresas), por outro lado é também verdade que, pela lógica da economia de mercado, seus preços incorporam muitas outras “verbas de passagem”
(inclusive trabalhistas, que têm preferência em relação às tributárias). Assim, o fato de determinada verba (que integra o preço) estar comprometida legalmente com
terceiros não legitima, pura e simplesmente, a exclusão do conceito jurídico de receita bruta.
Fosse o caso de exações destacadas do preço (IPI) ou exigidos na figura de substituição tributária (para frente ou para trás, na qual a empresa não é contribuinte mas
depositária na figura de responsável), seria forte a argumentação que essas exações não integram a receita bruta porque não deveriam transitar por conta de resultados do
empreendimento. Mas pela conformação do campo de incidência e pelas legislações de regência, tributos (diretos ou indiretos, reais ou pessoais etc.) que compõem o
preço de bens e de serviços são integrantes do significado jurídico de receita bruta tributável por contribuições para a seguridade escoradas no art. 195, I, “b”, da
Constituição.
Sem inovar mas explicitando o que há tempos consta no sistema jurídico brasileiro (provavelmente em razão da inesgotável celeuma da matéria), o art. 2º da Lei
12.973/2014 (com vigência a partir de 1º/01/2015), deu nova redação ao art. 12 do DL 1.598/1977 para prever, no § 4º, que na receita bruta não se incluem tributos
não-cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário. E,
no art. 12, §5º desse DL 1.598/1977 (também por força de esclarecimentos da Lei 12.973/2014), consta que na receita bruta devem ser incluídos tributos sobre ela
incidentes e valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o art. 183, VIII, da Lei 6.404/1976 (com operações e observações que faz). Embora ilustrativas
e para afiançar o uso sistemático desses termos jurídicos, as disposições do art. 12 do Decreto-Lei 1.598/1977 (na redação do art. 2º da Lei 12.973/2014) são
destinadas à apuração do IRPJ e da CSLL, de modo que não são obrigatoriamente extensíveis à apuração da contribuição ao INSS, que possui previsão expressa e
específica na Lei 12.546/2011 (que obviamente deve prevalecer em relação àquela destinada a outras exações).
Enfim, porque o art. 195, I, “b”, da Constituição autoriza a imposição de contribuições para a seguridade sobre “receita” ou “faturamento”, é o legislador ordinário a
autoridade competente para indicar sobre o que será exigido o tributo, bem como para permitir exclusões da base tributável. Valendo-se desse juízo discricionário, há
várias previsões fazendo exclusões da base de cálculo do PIS e do COFINS, dentre as quais art. 3º da Lei 9.718/1998, art. 1º da Lei 10.637/2002, e art. 1º da Lei
10.833/2003. No art. 9º, § 7º, III e IV da Lei 12.546/2011 (na redação da Lei 12.715/2012) consta que, para efeito da determinação da base de cálculo da CPRB,
não devem ser incluídos na receita bruta o IPI e o ICMS (nesse caso, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto
tributário). Em suma, ante a legislação de regência combatida, tributos que a empresa recebe no preço cobrado por seus bens e serviços são integrantes da receita sobre
a qual são exigidas contribuições para a seguridade.
O problema posto nos autos é antigo ao ponto de, em situações semelhantes a ora judicializada, a jurisprudência inicialmente ter se consolidado desfavoravelmente aos
contribuintes, como se pode notar pela Súmula 258 do extinto E.TFR, segundo a qual "Inclui-se na base de cálculo do PIS a parcela relativa ao ICM.". No mesmo
sentido, note-se a Súmula 68, do E.STJ: "A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS.". Também no E.STJ, a Súmula 94: "A parcela relativa ao
ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL.". Tempos atrás, mesmo na ordem constitucional de 1988, o E.STF entendia que o tema em questão cuidava de
matéria infraconstitucional, de maneira que não admitia analisar a matéria, como se pode notar no AI-AgR 510241/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, v.u.,
DJ de 09/12/2005, p. 019. Por sua vez, o E.STJ reiteradamente vinha afirmando que o ICMS estava na base de cálculo do PIS e da COFINS (em julgados que
apresentam argumentos semelhantes aos presentes), tal como se vê no REsp 505172/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, v.u., DJ de 30/10/2006,
p. 262.
Assim, a jurisprudência consolidada apontava no sentido da possibilidade de os conceitos de faturamento e de receita bruta incluírem tributos incidentes nas vendas de
bens e de serviços que geram receita (à evidência, independentemente da emissão da “fatura”, ou seja, incluindo também as vendas à vista), sem ofensa ao conceito de
“faturamento” ou de “receitas”, nos termos do art. 195, I, “b”, da Constituição, e do art. 110 do CTN.
Ocorre que o E.STF mudou a orientação jurisprudencial ao julgar o RE 574.706/PR, Pleno, m.v., Relª. Minª. Cármen Lúcia, com repercussão geral, j. 15/03/2017,
DJe-223 de 29/09/2017 (pub. 02/10/2017), assim ementado:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E
COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE.
RECURSO PROVIDO.
1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil.
O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas
saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS.
2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição
da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação.
3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele
na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da
COFINS.
3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718⁄1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para
os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado
momento da dinâmica das operações.
4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS".
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 24/04/2020 971/3874