TRF3 20/05/2021 - Pág. 929 - Publicações Judiciais I - JEF - Tribunal Regional Federal 3ª Região
segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68."
Por consequência, com a exclusão dos benefícios por incapacidade do referido artigo, não será mais possível o cômputo como tempo de serviço especial de períodos de afastamento em razão de auxílio-doença (tanto
previdenciário quanto acidentário) a partir de 01.07.2020, data do início da vigência do Decreto 10.410/2020.
A avaliação da nocividade do agente pode se dar de forma somente qualitativa, hipótese em que o reconhecimento da natureza especial da atividade independe de mensuração (Anexos 6, 13, 13-A e 14 da NR-15 do
MTE), ou também quantitativa, hipótese em que a natureza especial da atividade somente pode ser reconhecida quando a mensuração da intensidade ou da concentração do agente nocivo no ambiente de trabalho
demonstrar que o segurado esteve exposto ao agente nocivo em nível superior ao limite de tolerância estabelecido (Anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da NR-15 do MTE).
A nocividade do agente ruído se caracteriza de acordo com os limites de tolerância especificados no Decreto 53.831/1964, no Decreto 2.172/1997 e no Decreto 4.882/2003, ou seja, (a) até 05.03.1997, 80 dB(A), (b)
de 06.03.1997 a 18.11.2003, 90 dB(A), e (c) a partir de 19.11.2003, 85 dB(A) (STJ, 1ª Seção, Pet 9.059/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 09.09.2013).
Nesse caso, deve-se ressaltar que os danos causados ao organismo por aquele agente agressivo vão além daqueles relacionados à perda da audição, razão pela qual se aplica a Súmula 09 da Turma Nacional de
Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (“o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo
de serviço especial prestado”).
Esse entendimento veio a ser sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 664.335/SC, ocasião em que ficou assentado o seguinte:
a) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o equipamento de proteção individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a
nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;
b) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do equipamento de
proteção individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Todavia, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais - TNU, ao julgar o PEDILEF 0501309-27.2015.4.05.8300, em março de 2018, fixou o entendimento de que as atividades exercidas até
02.12.1998 podem ser consideradas como especiais, independentemente de constar no PPP a informação acerca do uso de EPI eficaz para qualquer agente nocivo, tese inclusive que já vem sendo adotada no âmbito
administrativo, nos moldes do art. 279, § 6º da Instrução Normativa 77 de 2015 [somente será considerada a adoção de equipamento de proteção individual – EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3
de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade (...)].
O art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999, com a redação conferida pelo Decreto 8.123/2013, estabelecia que “a presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º,
de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador”.
A Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 09/2014, em vigor a partir de 08.10.2014, publicou a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (Linach). No aludido normativo consta que para efeito do
art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999 “serão considerados agentes cancerígenos aqueles do Grupo 1 desta lista que tem registro no Chemical Abstracts Service – CAS”.
Porém, a TNU, em tese representativa de controvérsia (tema 170), assentou o entendimento de que a redação do art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999 poderia ser aplicada na avaliação de tempo especial de períodos a
ele anteriores, incluindo-se, para qualquer período, (a) desnecessidade de avaliação quantitativa e (b) ausência de descaracterização pela existência de EPI (TNU, PUIL nº 5006019-50.2013.4.04.7204/SC).
Assim, comprovada a presença no ambiente de trabalho de agentes reconhecidamente cancerígenos em humanos (Grupo 1 da Linach) com registro no CAS, bem como a exposição do trabalhador de forma habitual
e permanente a esses agentes, a avaliação deveria ser feita de forma qualitativa, devendo-se considerar especial a atividade, ainda que constasse no PPP informação acerca da eficácia de EPI.
Entretanto, com as alterações decorrentes da publicação do Decreto 10.410/2020, a redação do art. 68, § 4º do Decreto 3.048/1999 passou a ser a seguinte: “Os agentes reconhecidamente cancerígenos para
humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam
adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição”.
Logo, da conjugação de tais normas, pode-se concluir que, até 30.06.2020 (data da publicação do Decreto 10.410/2020), a exposição aos agentes cancerígenos listados na Linach é suficiente para o reconhecimento
do tempo de serviço especial, ainda que haja informação de eficácia do EPI. Entretanto, para os períodos posteriores, a utilização de EPI que elimine a nocividade do agente descaracteriza a atividade como especial.
A regra do art. 195, § 5º da Constituição Federal, segundo a qual “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”, é dirigida à
legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
De acordo com tais parâmetros, passo a analisar o pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial nos períodos controvertidos.
Períodos: 05.05.1995 a 09.10.1995, 07.05.1996 a 11.11.1996, 07.05.1997 a 20.11.1997, 01.01.2000 a 07.06.2004, 13.09.2004 a 07.11.2005, 19.03.2010 a 30.11.2010, 22.03.2012 a 29.12.2012 e 15.04.2014 a 21.08.2014.
Empresas: Agropecuária Nova Europa S/A e Roberto Malzoni Filho e outros/Usina Santa Fé S/A.
Setores: produção/transportes I.
Cargo/função: motorista.
Atividades: descritas nos PPP’s.
Meios de prova: PPP’s (seq 01, fls. 21/22, 46/47, 48/49, 52/54, 50/51, 31/32, 34/35 e 28/29).
Agentes nocivos: ruído – intensidade de 86,3; 85,9; 80,8; 80,6; 79,3; 78,4; e 75,3 dB – e contato dermal com derivados de hidrocarbonetos.
Enquadramento legal: item 1.1.6 do Anexo I do Decreto 53.831/1964.
Conclusão: o tempo de serviço nos períodos 05.05.1995 a 09.10.1995 e 07.05.1996 a 11.11.1996 é especial, vez que restou comprovada a exposição do segurado a ruído em nível superior ao limite de tolerância (80dB
até 05.03.1997). Já nos períodos 07.05.1997 a 20.11.1997, 01.01.2000 a 07.06.2004, 13.09.2004 a 07.11.2005, 19.03.2010 a 30.11.2010, 22.03.2012 a 29.12.2012 e 15.04.2014 a 21.08.2014 é comum, visto que esteve
exposto a ruído em níveis que não ultrapassaram os limites de tolerância (90dB de 06.03.1997 a 18.11.2003 e 85dB a partir de 19.11.2003). A menção genérica ao fator de risco contato dermal com derivados de
hidrocarbonetos, sem especificação quantitativa ou qualitativa e com indicação de EPI eficaz, não permite o enquadramento da atividade como especial.
Períodos: 23.01.2006 a 21.10.2009 e 03.08.2017 a 30.09.2019.
Empresas: Rodoviário Morada do Sol Ltda e José Ayrton Bozeli Eireli.
Setores: transportes.
Cargo/função: motorista carreteiro e motorista.
Atividades: “Descarga e Condução de veículo pesado (tanque). Transporte de etanol, gasolina e óleo diesel" (23.01.2006 a 21.10.2009) e "Carregar, descarregar e conduzir máquinas e veículos de transporte de
carga" (03.08.2017 a 30.09.2019).
Meios de prova: PPP’s (seq 01, fls. 125/126 e 59/60).
Agentes nocivos: ruído – intensidade de 75 a 84 dB e 79,58 dB –/esforço ao dirigir (23.01.2006 a 21.10.2009) e acidentes e produtos químicos (03.08.2017 a 30.09.2019).
Enquadramento legal: itens 1.0.3, 1.0.17 e 1.0.19 do Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo II da NR 16 do MTE.
Conclusão: o tempo de serviço no período 23.01.2006 a 21.10.2009 é especial. Isso, porque a parte autora, conforme descrição do PPP, transportava combustíveis líquidos. Conforme já exposto, o rol de agentes
nocivos não é exaustivo e o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar do agente nocivo eletricidade, decidiu, em sede de recurso repetitivo, que a periculosidade dá ensejo ao reconhecimento da natureza especial da
atividade mesmo após a Lei 9.032/1995. O risco de explosão, em razão do transporte de líquidos inflamáveis, não pode ser neutralizado por eventual utilização de EPI. Já no período 03.08.2017 a 30.09.2019 é comum,
vez que, pela descrição das atividades, denota-se que não havia contato direto e permanente do segurado com produtos químicos e que o fator de risco acidentes não consta na legislação correlata ao tema. Não
bastasse, o PPP indica a utilização de EPI eficaz. Reitero que havendo nos autos PPP regularmente preenchido pelo empregador resta desnecessária a realização de perícia judicial, sendo que eventual discordância
do segurado com as informações constantes no formulário deve ser dirimida na Justiça do Trabalho, por se tratar de controvérsia de natureza trabalhista.
Em resumo, é possível o reconhecimento como tempo especial nos períodos 05.05.1995 a 09.10.1995, 07.05.1996 a 11.11.1996 e 23.01.2006 a 21.10.2009.
Por fim, considerando o acréscimo do tempo de serviço especial ora reconhecido (resultado da conversão: 1 anos, 10 meses e 16 dias), a parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, já que na via administrativa o tempo de serviço apurado foi de apenas 25 anos, 11 meses e 05 dias de tempo de contribuição (seq 01, fl. 223).
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para tão somente condenar o INSS a averbar o tempo de serviço especial nos períodos 05.05.1995 a 09.10.1995, 07.05.1996 a 11.11.1996 e 23.01.2006 a
21.10.2009 e converter o tempo de serviço especial em tempo de serviço comum, com acréscimo de 40%.
Não há, neste grau de jurisdição, condenação em custas processuais e honorários de sucumbência, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/1995.
Publique-se. Sentença registrada eletronicamente. Intimem-se.
5000514-15.2020.4.03.6120 - 1ª VARA GABINETE - SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO Nr. 2021/6322010296
AUTOR: GRAZIELA FERREIRA (SP124496 - CARLOS AUGUSTO BIELLA, SP335116 - LIAMARA BARBUI TEIXEIRA DOS SANTOS)
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - I.N.S.S. (PREVID) (SP269285 - RAFAEL DUARTE RAMOS)
Vistos etc.
Cuida-se de ação ajuizada por Graziela Ferreira contra o Instituto Nacional do Seguro Social em que pleiteia a averbação de tempo de serviço especial e a concessão de aposentadoria.
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei 10.259/2001, passo ao julgamento do feito.
Tempo especial.
A contagem diferenciada do tempo de serviço em razão da exposição do segurado a agentes nocivos encontra fundamento no art. 201, § 1º da Constituição Federal.
Na seara previdenciária tem especial relevância o princípio tempus regit actum. Desse modo, enquanto o direito ao benefício previdenciário é adquirido de acordo com a lei vigente quando do implemento de todos os
requisitos, o direito à contagem do tempo de serviço é adquirido de acordo com a legislação vigente no momento em que o serviço é prestado (STJ, 6ª Turma, REsp. 410.660/RS, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, DJ 10.03.2003, p. 328).
O tempo de serviço especial anterior à EC 103/2019 pode ser convertido em tempo de serviço comum, com acréscimo, para a obtenção de benefício previdenciário diverso da aposentadoria especial, nos termos do
art. 57 da Lei 8.213/1991. A partir de 13.11.2019 essa conversão não é mais possível, conforme art. 25, § 2º da EC 103/2019.
Até 28.04.1995 era possível o enquadramento tanto por atividade profissional, situação em que havia presunção de submissão a agentes nocivos, cuja comprovação dependia unicamente do exercício da atividade,
quanto por agente nocivo, cuja comprovação poderia ser feita mediante o preenchimento, pelo empregador, de formulário de informação indicando qual o agente nocivo a que estava submetido o segurado, exceto
quanto aos agentes ruído e calor, para os quais era exigido laudo técnico. As atividades profissionais especiais e o rol dos agentes nocivos à saúde ou à integridade física constavam, então, no Anexo III do Decreto
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 20/05/2021 929/1397