TRT15 19/08/2021 - Pág. 3959 - Judiciário - Tribunal Regional do Trabalho 15ª Região
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Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
Data da Disponibilização: Quinta-feira, 19 de Agosto de 2021
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concurso público, só tem feito que a experiência, como herança,
se admite negar a relação de emprego em uma relação de trabalho
esteja passando de prefeito para prefeito...
por expressa previsão legal, juridicamente justificável, sob pena de
Acresça-se que o ente público, sendo um dos principais promotores
inconstitucionalidade.
do desenvolvimento social, não tem, por óbvio, nenhum benefício
Assim, o chamado princípio da supremacia do interesse público
jurídico que lhe permita afastar a configuração de emprego, com
sobre o privado deve ser interpretado em consonância com a
relação àqueles que lhe prestam serviços de forma não eventual,
consagração da valorização do trabalho como princípio
remunerada e subordinada, pois se assim fosse estaria negando a
constitucional. O Estado-Administração equipara-se aos demais
sua função social e adquirindo um privilégio odioso diante da
empregadores quando se beneficia do trabalho alheio, tendo em
iniciativa privada que, nas mesmas circunstâncias, não teria igual
vista que a própria Constituição da República determinou que o
tratamento.
trabalho é componente do interesse público. O princípio da
Ademais, como destaca Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, abordando
supremacia do interesse público, portanto, só será atendido em sua
a questão sob o ângulo do contrato-realidade: "Se no geral, para a
plenitude se forem observados a valorização do trabalho humano e
relação de trabalho privado, não correram os suportes formais de
o trabalho como primado da ordem social.
admissão, esta não deixou de existir e a sua substância, que é
Neste sentido, vale citar Acórdão do TRT da 3ª Região: "Não pode
objetiva e fundada no ato-fato-trabalho, declarou-se abertamente.
quem emprega alegar irregularidade praticada por sua própria
Os efeitos jurídicos são os efeitos trabalhistas e, na área pública, o
iniciativa (art. 37, II/CF), já que a valorização do trabalho humano,
funcionário que, inadvertidamente ou não, permitiu o trabalho de
constitucionalmente garantida (artigos 1º, item IV, 170 e 193 da CF)
outrem em uma repartição, responde, se for o caso, perante o
se sobrepõe a limitações de ordem administrativa que devem
Estado pela ação ou pela omissão" (VILHENA, op. cit., p. 31).
ocasionar sanções a quem as pratica, mas nunca a nulidade de
A exigência de concurso, para ingresso no serviço público, tem a
trabalho lícito prestado a quem dele se beneficiou. A limitação dos
finalidade de evitar que o administrador faça da coisa pública o
direitos nestas situações a apenas salário injusta e moralmente
quintal de sua casa, empregando as pessoas que bem entender,
incorreta pois os direitos trabalhistas nada mais são que formas de
além de ser requisito essencial para a formação do vínculo
remuneração complementares ao salário, fixadas objetivamente
estatutário, para fins de aquisição de estabilidade. A ausência do
pelo legislador. Cabe ao Juiz do Trabalho valorizar o trabalho
concurso público pode gerar, portanto, a rescisão dos contratos
humano que, perante nosso Direito, bem jurídico garantido
firmados, com a concomitante responsabilização do administrador
constitucionalmente, atribuindo-lhes as conseqüências patrimoniais
pela malversação do dinheiro público, mas não a negação dos
plenas que a lei prevê" (RO 16.338/00, Relator Juiz Antônio Álvares
direitos trabalhistas ao servidor de boa-fé.
da Silva, DJMG 28/10/2000, p. 14).
Cabe frisar, ademais, que a responsabilização do administrador,
No mesmo sentido: RO 12.409/02, DJMG 07.12.2002, p. 09, in
pelos eventuais desmandos administrativos que provenham de tal
www.mg.trt.gov.br. Também o Superior Tribunal de Justiça vem se
situação, depende, necessariamente, de se atribuir ao ente público
manifestando no sentido de serem devidas todas as verbas de
uma condenação pecuniária, que provém de uma irregularidade do
natureza trabalhista: Resp. 2001/0077165-4, DJ de 04.04.2002;
administrador, para que o ente público mova, então, ação de
Resp. 326.676/GO, DJ de 04.04.2002; Resp. 284.250/GO, in
regresso em face do administrador. Negando-se o vínculo, o
www.stj.gov.br. Por fim, vale mencionar alguns julgados do TJMG:
administrador, que contratou trabalhadores sem concurso público,
1.0193.02.005327-1/001, DJMG 20/04/2004; 1.0439.02.007182-
não gerou prejuízos ao erário. Pelo contrário, seu ato, ainda que
5/001; DJMG 20/04/2004, in www.tjmgj.gov.br.).
ilegal, foi benéfico ao erário e poucas chances há de,
Aspecto da maior importância, portanto, é o da averiguação da má-
concretamente, vê-lo responsabilizado por tal ato.
fé do servidor de fato. No caso de conluio, dolo direto, é evidente
Lembre-se, a propósito, com bastante relevo, que o artigo 1º da
que existe a intenção delituosa, sendo porém, extremamente
Constituição Federal fixou, como princípio fundamental da
complexa a comprovação da intenção do agente.
República Federativa do Brasil, a valorização social do trabalho e a
Subsídio interessante no sentido de se contornar a dificuldade de
proteção da dignidade humana. Para cumprimento desses preceitos
comprovação da má-fé do servidor de fato deve ser buscado no
há que se aplicar o aparato constitucional estabelecido no artigo 7º,
tratamento dado pela doutrina ao tema do desvio de poder.
da mesma Constituição, sendo certo que a aplicação dos
O desvio de poder, ou desvio de finalidade, consiste no vício do ato
dispositivos ali contidos depende do reconhecimento da existência
administrativo editado em desconformidade com a finalidade
de vínculo empregatício em dada relação de trabalho, daí porque só
prevista pelo ordenamento jurídico. Como a intenção do agente é
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