Ex-secretários de Itu são condenados por fraudes em licitação em ação denunciada pela prefeitura e pelo MP

Acusação é de que foram firmados, entre os anos de 2007 e 2015, 13 contratos fraudulentos na cidade. Trata-se da segunda condenação em menos de seis meses de Marcus Aurélio Rocha de Lima; a primeira foi em setembro de 2023 e envolvia taxas de cemitério.

Dois ex-secretário municipais de Itu (SP), incluindo Marcus Aurélio Rocha de Lima, foram condenados em uma ação movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e pela Prefeitura de Itu por fraudes em licitação. A decisão é de 26 fevereiro deste ano.

Esta é a segunda condenação de Marcus em menos de seis meses. A primeira é de setembro de 2023, por desvios de valores de taxas municipais envolvendo o cemitério público e a funerária da cidade. A decisão é de 3 de setembro, da 2ª Vara Civil de Itu. Cabe recurso à última decisão.

A acusação é de que foram firmados, entre os anos de 2007 e 2015, 13 contratos administrativos para prestação de serviços de informática, em procedimentos de dispensa de licitação fraudulentos, com prejuízo ao erário da ordem de R$ 138.744,03.

Conforme o juiz do caso, Rita de Cássia Almeida, que também foi secretária municipal na cidade, e Marcus Aurélio Rocha de Lima eram os responsáveis pelas contratações denunciadas, conforme os documentos apresentados na ação, o relato das testemunhas ouvidas e os próprios depoimentos dos dois investigados.

“Assim, está demonstrado que os réus, na qualidade de agentes públicos, violaram os princípios administrativos com tais condutas, já que as provas dos autos demonstram que eles não só tinham conhecimento do procedimento correto a ser seguido, como providenciaram meios de burlar a legislação a fim de favorecer os corréus Luiz Gonzaga e Donovan.”
Contratações sem justificativas e com orçamentos falsos
Conforme a sentença, de forma dolosa, eles não apresentaram a devida fundamentação para as contratações. Também não observaram o valor médio de mercado para os serviços, mas mantendo no limite permitido para a contratação direta com o intuito de facilitar a conduta ilícita.

Por fim, não realizaram efetiva pesquisa de preços dos serviços a serem contratados, já que os orçamentos utilizados eram falsos.

Apesar da comprovação das falsificações por meio de perícia, os responsáveis pelo crime não foram identificados. Os serviços contratados eram de informática, software e hardware, voltados para a Secretaria de Assuntos Funerários.

Outro condenado do caso, Gonzaga, que já prestava estes serviços de forma particular para a pasta, chegou a integrar os quadros da administração municipal em cargo comissionado na própria secretaria. Esse fato, conforme a decisão, facilitou a contratação dos serviços da empresa do seu filho Donavam Gonzaga, de forma privilegiada.

“O dano ao erário, assim, está devidamente demonstrado. Não só pela desnecessidade da contratação, como pela falsa demonstração das formalidades legais. Embora o preço pago esteja em consonância com o mercado, não é possível atestar que se tratava, de fato, do menor preço possível”, lembra o magistrado em outro trecho da sentença.
Sanções da sentença
Marcus, Rita, Donavan e Luiz Gonzaga, por praticaram os atos de improbidade, fomentando o enriquecimento ilícito de terceiros, causando prejuízo ao erário e ferindo os princípios administrativos, foram condenados às seguintes sanções:

Perda dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;
Perda da função pública;
Suspensão dos direitos políticos por oito anos;
Proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de cinco anos;
Pagamento de multa civil de três vezes o valor do dano e o acréscimo patrimonial.

Donavan Luiz de Andrade e Luiz Gonzaga de Andrade afirmaram que vão recorrer da decisão. “Isso daí é totalmente injusto. Nós não praticamos nada ilícito, nada ilegal, não demos nenhum prejuízo ao patrimônio e nós vamos recorrer. Nós trabalhamos, nós fizemos um trabalho muito bem feito, por sinal”, alegam.

Rita de Cássia Almeida e Marcus Aurélio Rocha de Lima não foram localizados para se posicionar. Na ação, todos negam as irregularidades.

Outras três pessoas foram inocentadas na ação.

Segunda condenação
O ex-secretário municipal de Itu Marcus Aurélio Rocha de Lima também foi condenado em uma ação movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) por desvios de valores de taxas municipais envolvendo o cemitério público e a funerária da cidade. Nesse caso, a decisão é de 3 de setembro, da 2ª Vara Civil de Itu.

Conforme o MP, durante anos as taxas cobradas dos munícipes para serviços prestados pela funerária municipal e do cemitério foram desviadas.

A investigação apontou desvio de dinheiro que não foi revertido aos cofres públicos, em conta da Prefeitura de Itu ou em conta bancária que, indevidamente, também era mantida pela Secretaria de Assuntos Funerários.

Segundo a investigação do MP, o ex-secretário passava na administração do cemitério diariamente entre 2005 e 2016 e levava tanto o dinheiro quanto os recibos emitidos como forma de ocultar o desvio.

Na sentença, o juiz Bruno Henrique de Fiore Manuel diz que, pelos documentos apresentados no processo, Marcus possuía ciência da condição de ilegalidade dos atos e, mesmo assim, continuou na execução das mesmas condutas.

Rita de Cássia Almeida, companheira de Marcus à época dos fatos, também foi denunciada, mas foi inocentada no caso, em função de decisão criminal sobre a situação, na qual ela também foi inocentada.

 

STJ concede nova prisão domiciliar a chefe de organização criminosa do RS capturado há menos de duas semanas por violar benefício

Ministro Rogerio Schietti Cruz embasou a determinação no “quadro debilitado de saúde” de Marizan de Freitas, de 35 anos. Ministério Público avalia ingressar com recurso para tentar reverter decisão.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu prisão domiciliar a um homem apontado pela Polícia Civil como chefe de uma das maiores organizações criminosas do Rio Grande do Sul menos de duas semanas após ele ser capturado. Na primeira vez que ganhou o benefício, Marizan de Freitas, de 35 anos, fugiu. Ele foi preso no dia 30 de julho, em um restaurante de luxo de São Paulo.

A decisão do ministro Rogerio Schietti Cruz é de quinta-feira (10). No documento, o magistrado cita o “quadro debilitado de saúde do sentenciado”. Tuberculose em tratamento, infarto, hipertensão arterial, depressão e ansiedade são elencados no despacho.

Em contato com o g1 nesta segunda-feira (14), o Ministério Público informou que “tomou conhecimento da decisão e está avaliando a possibilidade de recurso”.

A defesa de Marizan também alegou ao STJ que ele se recuperava de uma cirurgia na coxa direita, feita poucos dias antes de ser capturado, e que a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) não reuniria condições adequadas para a plena recuperação do homem. Um laudo médico anexado pelos advogados atestou um “inicio de infecção na ferida operatória”.

“A casa prisional não possui de meios próprios para realizar o tratamento de fisioterapia. Ademais, sabe-se que o ambiente prisional é muito mais propício para desenvolver infecções e outras moléstias decorrentes da insalubridade existente em todo e qualquer ambiente prisional”, sustentou a defesa.

A decisão do ministro do STJ não cita a fuga de Marizan, ocorrida em 27 de julho. De acordo com a Polícia Civil, o homem informou que estaria em um condomínio de alto padrão em Capão da Canoa, no Litoral Norte, mas não foi localizado pela Brigada Militar (BM). A polícia acrescenta que o deslocamento se deu “logo após o seu conhecimento da revogação do benefício” da prisão domiciliar, concedido para a realização do procedimento cirúrgico.

A ideia de Marizan, conforme os delegados Gabriel Borges e Gabriel Casanova, era sair do país. O destino provável era o Peru e lá ele coordenaria a remessa de crack e cocaína enviada ao Brasil.

Marizan possui extensa ficha criminal. Segundo as autoridades, ele é investigado por liderar organização criminosa, tráfico de drogas, porte de arma de fogo de calibre restrito, lavagem de dinheiro e homicídio.

Ex-prefeito de São João da Ponte (MG) é condenado por improbidade administrativa

O Ministério Público Federal (MPF) obteve a condenação de três pessoas (duas físicas e uma jurídica) em razão da prática de ato doloso de improbidade administrativa que resultou em dano ao erário federal no valor de R$ 207.608,49. Os condenados são Fábio Luiz Fernandes Cordeiro, ex-prefeito de São João da Ponte, município com aproximadamente 25 mil habitantes, situado na região Norte de Minas Gerais; o Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC) e seu representante legal, Deivson Oliveira Vidal.

Além de terem sido obrigados ao ressarcimento integral do dano no valor de R$ 207.608,49 e ao pagamento de multa civil de mesmo valor, os três réus foram proibidos de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica, pelo prazo de seis anos, a contar do trânsito em julgado da sentença.

Os fatos ocorreram entre 2010 e 2012 durante a execução de contrato cujo objeto era a implementação do programa Projovem Trabalhador no município de são João da Ponte.

De acordo com o MPF, cuja investigação teve início a partir de relatório de fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU), o ex-prefeito, auxiliado por agentes públicos municipais, teria direcionado procedimento licitatório para a contratação do IMDC, que não possuía capacidade operacional para a execução do ProJovem, sendo mero intermediário de mão de obra.

Além de alegar fraude à licitação, o Ministério Público Federal também apontou, entre outras irregularidades, preços superfaturados, ocorrência de ilícita antecipação de pagamento e alterações no plano de implementação do programa “com a retirada de cursos inicialmente previstos e o acréscimo de outros não contemplados no plano original, bem como a realização de alterações nos quantitativos de alunos e ausência de comprovação da efetiva inserção de jovens qualificados no mercado de trabalho”.

Pagamento ilícito – Para o Juízo Federal, no entanto, embora não se possa ignorar que houve diversos problemas na execução do convênio, a análise do caso impõe o cotejo com a realidade local. “Em outras palavras, conquanto a inclusão no mercado de trabalho de pouco mais de uma centena de jovens em atividades de natureza urbana possa se dar com alguma tranquilidade em cidades como Uberlândia (MG) – mencionada na inicial -, a alocação do mesmo quantitativo em um município pequeno e pouco desenvolvido como São João da Ponte (MG) – altamente dependente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – é de concretização absolutamente improvável”.

Nesse sentido, a sentença registra que, ainda que tenha havido falhas e omissões na execução do convênio, não houve prova suficiente para demonstrar “ajuste prévio entre os réus no sentido de algum tipo de direcionamento ou favorecimento no certame em questão. Não há comprovação acerca de um artifício, ardil ou o meio enganoso no intuito de se perpetrar intencionalmente uma fraude elaborada previamente e consistente na contratação e execução fraudulenta do programa”.

Contudo, o julgador reconhece que, diferentemente do previsto em contrato, os réus Fábio e Deivson promoveram ilícita antecipação de pagamento no valor de R$ 273.549,92, o que é expressamente proibido pela Lei 8.429/1992, no artigo 10, inciso XI.

De acordo com o relatório de fiscalização da CGU, “(…) embora o contrato tenha sido assinado em 24 de março 2010, as aulas de capacitação dos jovens, que deveriam ter sido parâmetro para o pagamento avençado, tiveram início somente em 28 de junho de 2010 (…)”. No entanto, apenas 17 dias após o início das aulas de qualificação, a prefeitura pagou ao IMDC a quantia de R$ 273.549,92, montante que o contratado somente faria jus dois meses depois, em 12 de setembro de 2010.

Nesse contexto, registra o Juízo Federal, tem-se que, objetivamente, foi realizado pagamento antes de contraprestação do serviço em favor do poder público”, em violação inclusive ao próprio contrato celebrado entre as partes, que, em sua cláusula quarta, previa que “o pagamento decorrente da concretização do objeto desta licitação será efetuado mensalmente, conforme a prestação dos serviços, em parcelas fixas e iguais, após apresentação de nota fiscal/fatura hábil acompanhada das guias de recolhimento dos encargos sociais (INSS e FGTS) dos empregados lotados na execução do contrato, referentes ao mês da prestação dos serviços e ainda as CNDs do INSS e do FGTS e comprovante de cumprimento da carga horário de capacitação”.

Restituição ao erário – “Há clara necessidade de restituição do dano ao erário nesse importe”, afirma a sentença, lembrando que “inexiste justificativa para o pagamento realizado sem comprovação de contraprestação. No caso, não se trata de simples desrespeito a comando legal, mas de clara malversação de recursos públicos com prejuízo efetivo ao erário, caracterizando dilapidação de numerário aplicado sem justificativa ou contraprestação”.

Portanto, “sem a atuação consciente do representante da IMDC em cobrar por algo não prestado e do dirigente máximo do município em ordenar pagamento manifestamente indevido não haveria desfalque ao erário, causador de claro prejuízo ao erário de R$ 207.608,49 e em desrespeito manifesto à lei”, conclui o magistrado.

Recurso – O MPF recorreu da sentença, pedindo que a decisão judicial seja reformada em vários pontos, entre eles, o reconhecimento de fraude à licitação (por exemplo, a prefeitura realizou tomada de preços para um contrato de valor superior ao limite estabelecido pela Lei 8.666/1993 para essa modalidade) e pagamento/recebimento indevido de valores destinados à quitação de tributos e contribuições.

O MPF pede ainda que, em relação ao ato de improbidade administrativa referente à antecipação do pagamento, os réus Fábio e Deivson também sejam condenados à pena de suspensão dos direitos políticos.

O recurso será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6).

(AIA 1000479-40.2017.4.01.3807)

Íntegra da sentença

Íntegra do recurso apresentado pelo MPF

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Operação Hefesta: oito pessoas são presas por fraudes e desvio de R$ 7,9 milhões em obras do Museu do Trabalhador

MPF pediu o sequestro de bens dos envolvidos; também foram cumpridos oito mandados de condução coercitiva e 16 de busca e apreensão em SP, RJ e DF

Coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira. Foto: Diego Mattoso - Ascom MPF/SP

Coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira. 

Oito pessoas foram presas nesta terça-feira, 13 de dezembro, por envolvimento em fraudes e desvio de pelo menos R$ 7,9 milhões durante a construção do Museu do Trabalho e do Trabalhador, em São Bernardo do Campo/SP. As prisões temporárias, de cinco dias, foram autorizadas pela Justiça após pedido do Ministério Público Federal em São Paulo. Também foram cumpridos oito mandados de condução coercitiva (quando a pessoa tem sua liberdade restringida por algumas horas até que preste esclarecimentos à polícia) e 16 mandados de busca e apreensão. A ação faz parte da Operação Hefesta, deflagrada em conjunto com a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União (CGU).

Entre os presos estão os atuais secretários municipais de Obras e Cultura de São Bernardo do Campo, Alfredo Buso e Osvaldo de Oliveira Neto, e o ex-secretário de Obras, Sérgio Suster, bem como gestores de construtoras que participaram das irregularidades. Segundo as investigações, pelo menos 18 pessoas, entre agentes públicos e empresários, formaram organização criminosa para obter vantagens ilícitas por meio de fraude à licitação e na execução de contrato, peculato, inserção de dados falsos no sistema de gestão de convênios do governo federal e falsidade ideológica.

A operação foi autorizada pela 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo, que aceitou todos os requerimentos do Ministério Público Federal. Os mandados foram cumpridos em nove cidades brasileiras, simultaneamente: São Paulo, São Bernardo do Campo, Brasília, Santana do Parnaíba, Santos, São Vicente, Rio de Janeiro, Barueri e Brasília. Foram apreendidos documentos, grandes quantias em dinheiro e bens, como veículos de luxo. A sede do Ministério da Cultura também foi alvo de busca e apreensão e o envolvimento de agentes do ministério será apurado.

A Justiça determinou ainda o arresto e sequestro de bens de 29 pessoas, com o objetivo de garantir a reparação integral dos prejuízos causados ao erário. Os valores desviados poderiam ter chegado a R$ 11 milhões, mas parte dos recursos referentes ao convênio firmado entre o MinC e o Município de São Bernardo do Campo para a criação do museu ainda não foram efetivamente pagos às empresas envolvidas.

A operação também garantiu que outros R$ 19 milhões em recursos federais deixassem de ser desviados pelo esquema. Isso porque obteve o bloqueio do projeto de incentivo cultural aprovado em 2013 junto ao Ministério da Cultura, por meio da empresa Base 7, que visava a captação do valor via Lei Rouanet. O projeto tinha o mesmo objetivo do convênio firmado em 2010 para construção do museu, representando um duplo gasto de recursos que resultaria em novos danos aos cofres públicos.

O CONVÊNIO. O Museu do Trabalhador, conhecido popularmente como “Museu do Lula”, deveria ter sido concluído em janeiro de 2013, com o custo inicial de R$ 18 milhões. A obra, contudo, permanece inacabada, após três prorrogações do contrato. O valor atual do convênio passa de R$ 21 milhões, dos quais R$ 14,6 milhões caberiam ao Ministério da Cultura e R$ 7 milhões, ao município de São Bernardo do Campo, na forma de contrapartida. Entre as causas para o aumento do valor total do projeto estão o superfaturamento de serviços de engenharia e arquitetura, o desvio de recursos mediante o pagamento em duplicidade pela realização de trabalhos, a modificação do projeto original com custo acima do teto legal e as prorrogações indevidas do contrato.

LICITAÇÃO. O inquérito policial mostra que os envolvidos buscaram diminuir o caráter competitivo da licitação que deveria escolher a construtora responsável pela obra, incluindo no edital exigências de qualificação técnica ilegais. Como consequência, apenas sete empresas apresentaram propostas. Por outro lado, os agentes públicos não aferiram a idoneidade e capacidade econômica das concorrentes, permitindo que a “Construções e Incorporações – CEI Ltda.” vencesse a competição por apresentar o menor preço – uma empresa fantasma, com receita de R$ 41 mil, desprovida de patrimônio, empregados e experiência, e cujos sócios admitiram ser laranjas.

As provas colhidas até agora indicam a existência de ajuste prévio entre os envolvidos para beneficiar duas outras construtoras, a Cronacon e a Flasa, que indiretamente ficaram responsáveis pela execução da obra. Além desta interposição fraudulenta, ficou comprovada a subcontratação de inúmeras outras empresas ao longo do convênio, o que era proibido pelo contrato. Para elaboração do projeto executivo, por exemplo, a CEI recebeu R$ 1,5 milhão, mas terceirizou o serviço por R$ 850 mil para a Apiacás Arquitetos Ltda. Esta quarteirizou a demanda para a Brasil Arquitetura por R$ 723 mil, que por fim quinteirizou o projeto a outros prestadores por R$ 346 mil.

Tal forma de terceirização também foi apurada na execução da obra em si. Mas, apesar de terem conhecimento destas violações, os secretários Municipais de Obras, Alfredo Buso, e de Cultura, Osvaldo de Oliveira Neto, não rescindiram o contrato nem aplicaram qualquer penalidade à CEI. “A subcontratação, sem autorização do Poder Público, acarreta um significativo aumento no custo global da obra, com prejuízos ao erário municipal e federal, que poderiam ter pago preço global menor caso a licitante vencedora tivesse condições de executar diretamente os serviços”, reforça a procuradora da República Fabiana Rodriguez de Sousa Bortz, responsável pela investigação.

Também ficou comprovado o desvio de recursos públicos mediante o pagamento de trabalhos não realizados. Entre 2012 e 2013, a CEI deveria elaborar o projeto executivo, instalar o canteiro de obras, iniciar os serviços de terraplenagem e as fundações, entre outras atividades. Contudo, neste período não houve obra alguma. Ainda assim, Osvaldo de Oliveira Neto e o secretário Municipal de Obras à época, Sérgio Suster, atestaram a execução integral dos serviços pela empresa e autorizaram os pagamentos. A construtora emitiu notas fiscais frias cobrando por mão de obra não utilizada e materiais não fornecidos. Ao todo, entre 2012 e 2016, ela recebeu R$ 15 milhões.

AUMENTO DO CUSTO. Em 2012, o Município determinou a paralisação do contrato e a alteração do projeto arquitetônico para suprimir o auditório no subsolo e elevar o nível da obra em relação à rua, o que elevou os custos do projeto em mais de R$ 3,6 milhões. A justificativa para a mudança foi a probabilidade de chuvas e alagamentos na região do Paço Municipal, onde está sendo construído o museu. Porém, o risco de enchentes no local já era historicamente conhecido antes mesmo da abertura da licitação. Para o MPF, a inclusão do auditório servira apenas para justificar a inclusão de cláusulas restritivas no edital, de forma a direcionar o resultado da disputa à CEI, e, em um segundo momento, permitir a celebração de aditivos de valor ao contrato.

Além disso, em 2014, os agentes públicos determinaram novamente a paralisação das obras retomadas no ano anterior, alegando falta de recursos financeiros, mesmo havendo mais de R$ 6 milhões disponíveis. Estes episódios levaram a prorrogações indevidas do contrato e acarretaram vantagem à CEI calculada em R$ 3 milhões, em virtude do reajuste anual de preços. Tais dilatações do prazo ainda foram autorizadas em momentos em que o contrato já havia vencido, o que significou reativação de acordo extinto e, por consequência, recontratação sem licitação.

OUTRAS FRAUDES. As irregularidades no caso do Museu do Trabalhador podem ser percebidas antes mesmo da celebração do convênio com o MinC, tendo em vista que o processo no Ministério foi apresentado, analisado e aprovado em apenas quatro dias úteis, sem que fosse exigido o projeto básico. “A União aprovou proposta, formulada em termos tão inexatos, insuficientes e confusos, criando, assim, obrigação de dispêndio de mais de R$ 14 milhões em verbas federais, sem definir precisamente com o quê e como esse dinheiro seria gasto”, destaca a procuradora.

Em relação ao Município de São Bernardo do Campo, a contrapartida devida pela Prefeitura não foi disponibilizada dentro dos prazos previstos, mas os agentes públicos inseriram dados falsos no sistema de gestão de convênios do governo federal, informando depósitos não realizados. Ficou comprovado ainda que o projeto básico do museu foi superfaturado, com aporte de R$ 1,3 milhão em 2010. No ano seguinte, os envolvidos pagaram em duplicidade pela elaboração de novo projeto básico, gerando prejuízo de R$ 563 mil. Até o momento foi apresentada apenas a prestação de contas parcial do convênio por parte da municipalidade.

Empresário preso com Valter Araújo é condenado por outras fraudes
O Tribunal de Justiça de Rondônia negou seguimento a recurso especial apresentado pelo empresário José Miguel Saud Morheb, que tenta modificar condenação por fraude em concorrência no Detran, caso ocorrido há mais de 10 anos. Miguel ficou conhecido nacionalmente no final de 2011 quando foi preso, juntamente com o ex-deputado Valter Araújo, por formação de quadrilha e danos ao erário, descobertos na Operação Termópilas. Ele foi flagrado ainda afirmando que o pagamento de propina era investimento.
 
José Miguel Saud Morheb, o “Miguel ou Turco” é dono das empresas MAQ-SERVICE e RONDO SERVICE. Ele e os seus empreendimentos são apontados pelo Ministério Público do Estado como um dos braços econômicos que garantia impunidade à quadrilha comandada por Valter Araújo.
 
A decisão do Judiciário de Rondônia publicada no Diário Oficial nesta terça-feira, revela, no entanto, que as atividades ilícitas de José Miguel Saud Morheb são antigas no Detran. Ele tinha um parente na autarquia e, segundo a denúncia, criou uma nova empresa para ganhar dinheiro do órgão:
 
DESPACHO DO PRESIDENTE
nrº
 
Vistos.
 
José Miguel Saud Morheb interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, inc. III, a, da CF, alegando que o julgado de fls. 398/404 contrariou os arts.11, 12, II, da Lei 8.429/92, bem como contrário jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça por assim posicionar-se:
 
ACP. Cerceamento de defesa. Perícia. Licitação. Fraude.
 
Inexiste o cerceamento de defesa alegado, se demonstrada a intimação da data designada para a perícia e a indicação de assistente ténico.
Mantém-se a condenação, quando comprovado o ato improbo ante o evidente desrespeito aos princípios administrativos e a lesão ao erário.
 
É o relatório.
 
Decido.
 
Tratou-se de ação por ato de improbidade e ressarcimento ao erário proposta pelo Ministério Público em desfavor de Maurício Calixto, Célio Batista de Souza ME, José Miguel Saud Morheb, Célio Batista de Souza e Sandra Regina Gomes dos Santos, imputando a estes condutas improbas e reclamando sanções da Lei 8.429/92. O Juízo da 2º Vara da Fazenda Pública julgou procedente, em parte, o pedido inicial e condenou o recorrente José Miguel Saud Morheb nas sanções: I obrigação de ressarcimento dos valores indevidamente expropriado ao erário, no quantum apurado no laudo pericial, corrigido monetariamente; II vedação de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios do Poder Público, direta ou indiretamente pelo prazo de 05 (cinco) anos; III multa civil fixada no valor correspondente a 02 (duas) vezes o valor do prejuízo apurado.
 
Interposta apelação este foi provida parcialmente apenas em relação ao pagamento da multa, pois entendeu-se que dentro do princípio da proporcionalidade e razoabilidade ser suficiente o pagamento do valor de 1 (uma) vez o valor do prejuízo apurado.
 
Daí o inconformismo do recorrente.
 
Pois bem.
 
plano se vê que a pretensão do recorrente quanto a alegação de violação ao art. 1.243 do CC esbarra no óbice da Súmula n. 7 do STJ. É que o Tribunal a quo firmou sua fundamentação na análise do conjunto fático-probatório constante dos autos, se lê do seguinte trecho do acórdão recorrido:
 
[…]
A prática do ato ímprobo é evidente.
O MP instaurou, no Centro de Atividades Extrajudicias, o Processo Administrativo n. 2002001060000511, com a finalidade de apurar o conluio para fraudar procedimento licitatório do Detran.
Diante do que foi apurado, o Ministério Público do Estado de Rondônia promoveu ação de improbidade e ressarcimento ao erário, desfavorável a Maurício Calixto, Célio Batista de Souza – ME, José Miguel Saud Morheb, Célio Batista de Souza e Sandra Regina Gomes dos Santos para apurar o direcionamento da licitação para que essa fosse vencida pela empresa Célio Batista de Souza – ME, empresa laranja da propriedade do apelante.
 
Evidenciou-se, pela prova produzida, que se uniu aos agentes da Comissão de Licitação e do DETRAN, com a finalidade de fraudar a licitação e a execução do contrato.
 
Observa-se do procedimento licitatório, que até a empresa Célio Batista de Souza – ME lograr vencedora, diversos fatos mostraram-se contrários à lei.
 
Aberta a licitação (PA n. 01260/99, Tomada de Preços – Edital n. 003/00 – documentos anexos), com o fim para selecionar na prestação de serviços de limpeza e conservação no prédio do Departamento Estadual de Trânsito, habilitaram-se as empresas Construtora e Conservadora Candelária Ltda., Célio Batista de Souza – ME e Rondonorte Prestadora de Serviços Ltda, essa última logo foi inabilitada dada a não apresentação da demonstração contábil.
 
Na segunda fase, a empresa Construtora e Conservadora Candelária Ltda. apresentou a proposta no valor de R$13.331,26, com preço total de R$159.975,12, e a Célio Batista de Souza – ME no valor de R$10.326,35 e global de R$123.916,20.
 
No entanto, as duas foram desclassificadas e, com respaldo no art. 48, §3º, da Lei n. 8.666/90, a Construtora e Conservadora Candelária Ltda. e Célio Batista de Souza – ME foram notificados para apresentação de nova proposta.
 
Então, somente a firma Célio Batista de Souza – ME apresentou nova proposta (fls. 266/275 – anexo I) muito similar a anteriormente oferecida (fls. 232/241 – Anexo I), porém com os valores majorados – R$15.225,08 e valor global de R$182.700,96.
 
A presidente da comissão de licitação então aceitou a nova proposta, sem que fossem sanadas as irregularidades que determinaram a desclassificação anterior da empresa de Célio, simplesmente acolhendo a majoração do serviço proposto pela empresa sem que sequer fossem comprovados os motivos que levaram a tal aumento.
 
Além disso, demonstrou-se que a empresa foi favorecida, pois não foi tratada com os mesmos rigores que as demais participantes, visto que foi dispensada a apresentação de caução, em desobediência ao que constava da Cláusula 17 do Contrato.
 
Acresça-se a isso que a empresa do certame estava em nome de um laranja. Explico.
José Miguel, ora apelante, por ser irmão de um procurador do Detran, não poderia contratar com a autarquia. Assim, valendo de uma empresa laranja – CÉLIO BATISTA DE Souza – ME -, da qual figurava como procurador, participou da Tomada de Preços – Edital n. 003/00 – SUPEL.
Foi provado que a empresa Célio Batista de Souza – ME foi criada por José Miguel, em nome da pessoa de Célio Batista, para que, sem qualquer impedimento, participasse e vencesse a citada concorrência.
Apurou-se que, apesar de Célio figurar como dono da empresa, ele não era o seu verdadeiro dono. O próprio Célio revelou às fls. 124 e 320:
[…] a única relação mantida entre o contestante e o Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB, que foi quem, fraudando documentos, utilizou seu nome em processo licitatório, foi de cunho empregatício […] (fls. 124).
[…] a única relação mantida com o Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB, que foi quem, fraudando documentos, utilizou seu nome em processo licitatório […]. o Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB, JUNTO COM SUA ESPOSA, aproveitando-se de sua condição de patrão, e da subordinação que impõe a relação laboral, solicitou ao apelante seis documentos para abrir uma firma, alegando que naquele momento estavam com restrições devido a problemas na suas declarações de imposto de renda, porém assim que regularizassem suas situações fiscais passariam a firma para seu nome. O argumento utilizado pelo Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB e sua esposa para convencer o apelante foi de que a firma seria utilizada na atividade comercial de alimentos” lances “no mesmo local onde ele trabalhava. Isso explica por que o endereço da empresa CÉLIO BATISTA DE SOUZA é o mesmo do Sr. JOSÉ MIGUEL SAUD MORHEB e também do local de trabalho do apelante, conforme atesta o contrato de trabalho estampado na CTPS […] (fl. 320 – sic).
 
Além disso, revelou-se que Célio não apresentava padrão de vida compatível com quem fazia contrato de valores elevados com a Administração, sequer possuindo casa própria, vivendo em área de invasão.
 
Ademais disso, a acusação, por meio da análise dos documentos originais do PAD n. 01260/99, mostrou que todas as assinaturas referentes à documentação da empresa, da qual, repito, o apelante era o procurador, foram falsificadas (laudo de fls. 39/43).
Nesse ponto, é importante mencionar o que disse o MP na denúncia e que restou comprovado:
[…] E a empresa do testa de ferro não passa de empresa de pasta, que como tantas outras em nosso Estado, se presta a esquentar esquemas de fraude à licitações. Essa empresa, conforme consta da denúncia (fl. 61) não possui escritório e no endereço em que afirma ter sede (rua Natanael de Albuquerque, 101, Centro) funcionava, à época, uma lanchonete e hoje uma loja de produtos esotéricos com o nome fantasia de Essência da Terra[…].
Outrossim, o parquet ainda logrou comprovar que, à época, José Miguel era sócio da empresa Rondon Service Conservação e Limpeza Ltda e requereu exclusão da sociedade em 24/4/1999 (fl. 30), cerca de um mês antes de tornar-se procurador da empresa Célio Batista de Souza – ME.
 
Registre-se que nem ao menos houve a fiscalização quanto ao cumprimento do contrato, visto que o serviço foi prestado por profissionais em menor número do que foi contratado.
 
Vê-se que houve o direcionamento explícito da licitação, de forma a permitir que essa empresa fraudulenta vencesse o certame.
Também foi exposto, por meio de perícia, que houve uma alteração considerável na metragem das áreas externas e internas, o que por fim, importou na diferença a maior do valor que foi contratado (R$2.384,22 por mês), o que em 12 meses, implicou numa diferença de R$28.610,64.
 
Vejamos:
 
Área efetiva Área comprovadamente alterada Externa: 3.663,09 m²Externa: 5.558,45 m²Interna: 3.558,45 m²Interna: 8.354,27 m²
Insta consignar que esse superdimensionamento dos prédios, constante do Projeto Básico e da Tomada de Preços n. 003, devidamente assinados por Maurício Calixto, revelou uns dos primeiros passos para o desvio de verba pública.
 
Isso porque não se sabe a origem dessas medidas, para as quais, consoante se vê da Comunicação Interna n. 13599, datada de 7/12/1999 (fls. 4 – anexo), o Diretor Administrativo e Financeiro do Detran Interino (Edney Gonçalves Ferreira) solicitou ao então Diretor Geral Maurício Calixto.
 
Portanto, é evidente o ato ímprobo, pois é claro o desrespeito aos princípios administrativos, bem como a lesão ao erário.
 
Outrossim, no que concerne à alegação de divergência jurisprudencial, o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade, porquanto a divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fático-jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base no art. 105, III, alínea “c”, da Constituição Federal (AgRg no AREsp 163891/RJ, Ministro Herman Benjamin, j. Em 16/08/2012, Dje 24/08/2012).
Justiça Federal do RS condena réus de operação da PF

A Justiça Federal de Porto Alegre condenou quatro réus da operação mãos dadas, da Polícia Federal, pelos crimes de formação de quadrilha, falsidade ideológica e denunciação caluniosa. Entre os condenados, está o casal Wolf Gruenberg e Betty Guendler, acusados de fazer parte de um esquema de “prática de estelionato contra a União, para obter precatórios que lhes foram concedidos”. O caso corre sob sigilo de Justiça e ainda não transitou em julgado.

Atualização (dia 16 de março de 2016): A ação movida contra o casal por estelionato foi trancada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois não há sequer lei penal sobre o chamado “estelionato judicial” do qual são acusados e, ainda que houvesse a tipificação de tal crime, a acusação não conseguiu comprovar as supostas manobras e inverdades usadas no processo, segundo acórdão do dia 1º de outubro de 2009.

Os réus foram condenados, por maioria de votos, a penas que variam entre dois e nove anos de prisão, além de multas que vão de 63 a 7,6 mil salários mínimos. Foi fixada, ainda, fiança de R$ 30 milhões a um dos acusados, que reside no Uruguai. Não foram divulgados os nomes dos condenados.

Atualização (dia 16 de março de 2016): A fiança de R$ 30 milhões foi revogada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A defesa de Gruenberg declarou que ainda não foi notificada da condenação. Afirmou que é uma “total surpresa dos advogados terem tomado conhecimento pelo site da Justiça Federal e por órgãos de imprensa”.

A sentença veio um dia depois da publicação de uma reportagem da revista Época narrando os vários casos judiciais de Gruenberg. Intitulada O homem que processou o Brasil, a reportagem em três capítulos conta a história do empresário e de seus embates com a Justiça brasileira. O primeiro deles data de 1978, quando Gruenberg entrou na Justiça para reclamar de uma venda pela qual não recebeu o dinheiro. A compradora, à época do negócio, era uma empresa controlada pelo Banco do Brasil, e poucos meses depois do início do caso, a família Gruenberg foi à falência.

O homem que processou o Brasil

A insólita história de Wolf Gruenberg, o empresário que dedicou sua vida a cobrar uma dívida, foi preso sob acusação de manipular a Justiça – e hoje acusa a polícia de tortura e quer fazer seu caso chegar às Nações Unidas

Capítulo 1

UM CASAL NA PRISÃO

Sentado na cafeteria de um shopping center no bairro paulistano de Higienópolis, Wolf Gruenberg narra sua história. O terno e as rugas de seus 63 anos lhe conferem um ar de respeitabilidade. Ele entremeia seu relato com um sem-número de documentos que vai sacando de uma pasta de couro preta. Todo tipo de artefato jurídico sai lá de dentro: há certidões, sentenças, recursos, registros, agravos de instrumento, exceções de suspeição e um emaranhado de fios que vão se cruzando nos pontos e nós de um enredo que, por seu relato, daria um thriller ao estilo dos best-sellers de autores como John Grisham ou Scott Turow.

Wolf nasceu em 1948, pouco depois da Segunda Guerra Mundial, no campo de refugiados de Wolfrathausen, onde seus pais se conheceram. Quando a guerra acabou, era inviável para judeus como eles permanecer na Alemanha. O casal Gruenberg e o filho de 3 anos, nascido apátrida, cruzaram então o Atlântico para se estabelecer na Bolívia, depois no Brasil. Wolf viveu em Corumbá, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Porto Alegre. Aos 18 anos, recebeu a cidadania brasileira. Formou-se em Direito e, adulto, tornou-se um empresário dedicado a recuperar companhias em processo falimentar. Às vésperas dos 60 anos, foi acometido de um incomum e virulento câncer sublingual, que quase lhe tirou a voz e a vida. Quando foi diagnosticado, o tumor crescia a cada 26 horas. Havia duas saídas: uma cirurgia radical ou uma combinação agressiva de sessões de quimioterapia e radioterapia. A opção escolhida foi a segunda. A doença regredia de acordo com os planos médicos, até que a vida de Wolf sofreu uma súbita reviravolta.

Às 6 horas da manhã do dia 11 de julho de 2008, cerca de 30 policiais federais armados de submetralhadoras arrombaram o portão de sua casa em Porto Alegre. Prenderam Wolf e sua mulher, Betty. Até então, Wolf apenas suspeitava ser o foco de investigações policiais. Desconhecia detalhes das pilhas de processos resultantes de uma investigação de mais de um ano em sua vida, suas contas, seus negócios, suas relações pessoais. Ele era monitorado pela Polícia Federal (PF) por meio de escutas telefônicas, telemáticas e ambientais. Passara de empresário renomado, com bom trânsito na alta sociedade, a principal alvo da operação da Polícia Federal batizada de mãos dadas. Nas páginas dos jornais que noticiaram a operação, Wolf Gruenberg foi qualificado como chefe de uma quadrilha que arquitetou um esquema bilionário de fraudes contra a União.

Wolf afirma ter sido privado, ao longo dos 150 dias que passou na prisão, da fase final de seu tratamento contra o câncer. Ainda assim, diz ele, suas agruras no cárcere foram pequenas em comparação com o suplício da mulher. Quando foi presa, Betty Gruenberg acabara de sair de uma cirurgia para redução nos seios. Nem sequer tinha retirado os pontos da delicada operação. Ela foi então instalada pelas autoridades numa cela da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre. Lá, contraiu uma infecção que deixou seus seios purulentos e quase se transformou em septicemia. Transferida para o melhor hospital de Porto Alegre, o Moinhos de Vento, Betty quase perdeu as mamas. Na UTI do hospital, foi mantida algemada pelos pés à maca em que convalescia. “O Estado quase a matou. Eles foram extremamente cruéis com ela”, afirma Wolf. Ele retira então da pasta de couro fotografias que mostram as lesões da mulher e os boletins médicos que relatavam a gravidade de seu quadro. Quando saiu do hospital, Betty foi colocada na carceragem da Polícia Federal, onde, de acordo com os relatos de Wolf, dividiu uma cela com homens.

As arbitrariedades de que Wolf se julga vítima não cessaram aí. Conversas dele com seus advogados foram grampeadas – prática repudiada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Câmeras de vídeo foram instaladas em quartos de hotéis em que o casal Gruenberg se hospedou. Em 2009, a casa de Wolf em Punta del Este, no Uruguai, foi vasculhada pela polícia uruguaia, de posse de um mandado de busca e apreensão oriundo do Judiciário brasileiro. Documentos, computadores, chaves dos carros e objetos da família foram apreendidos. Wolf deu por falta até de uma caneta da marca Mont Blanc que seu filho mais novo ganhara por ocasião de seu bar mitzvah, cerimônia judaica que marca a entrada do homem na vida adulta, aos 13 anos. Os objetos nunca mais foram vistos pela família Gruenberg. Tampouco a Polícia Federal brasileira os recebeu. Espera por eles há quase três anos para prosseguir com as investigações. A polícia uruguaia não soube explicar onde foram parar os pertences dos Gruenbergs.

Depois de ser libertado, graças a um habeas corpus, Wolf começou uma cruzada a que tem se dedicado nos últimos quatro anos. Nela, tem investido tempo e dinheiro. Contratou assessores de imprensa e alguns dos mais badalados advogados do Brasil, como Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Luiz Roberto Barroso, Carlos Eduardo Caputo Bastos e o ex-deputado federal e delegado da Polícia Federal Marcelo Itagiba. Wolf também buscou o apoio de ONGs internacionais, como a Justiça Global. A pedido dele, a Justiça Global remeteu um relatório sobre as condições de sua prisão e de sua mulher para a análise da Relatoria Especial da Organização das Nações Unidas contra tortura. “Temos muitas demandas de violações de direitos humanos em cadeias brasileiras. Em geral, as vítimas são pobres. No caso de Wolf, não tivemos tempo de averiguar tudo, mas ele trouxe fotos e documentação para comprovar o que nos disse”, afirma Sandra Carvalho, da Justiça Global.

Em mais de oito horas de conversa, em dois encontros com ÉPOCA, Wolf procurou relatar seu caso incomum. “Sou um perseguido, e meus inimigos usam o Estado brasileiro para me atingir”, diz. Essa é a explicação, de acordo com sua versão, para a extensa lista de crimes que lhe imputam e que enumera com sua voz mansa, enquanto alisa a barba espessa e grisalha: formação de quadrilha, estelionato judicial, falsidade ideológica, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, denunciação caluniosa. “Nem na época da ditadura uma coisa dessas aconteceria.” Ri, nervosamente.

Capítulo 2

GRUENBERG X UNIÃO

A contenda entre Wolf e as autoridades é uma história longa e complicada, que se estende por quase todos os desvãos do labiríntico sistema Judiciário brasileiro. Seu início data de 1977. Naquela ocasião, a família Gruenberg tocava a AC Indústria e Comércio, Importação e Exportação S.A., uma indústria têxtil em São Paulo. Um dos negócios da AC era vender mercadorias a uma empresa no Paraguai. A operação de exportação era intermediada pela Companhia Brasileira de Entrepostos Comerciais, ou Cobec, uma empresa de capital misto, da qual a União era acionista. A operação comercial, segundo Wolf, teve um desfecho desastroso. A Cobec comprou, mas não pagou. A família Gruenberg vendeu, mas não levou. Restou a Wolf apenas uma coleção de duplicatas não pagas no valor, na moeda de então, de Cr$ 15 milhões. Isso é o equivalente, em valores atualizados, a aproximadamente R$ 2,7 milhões, de acordo com a evolução do Índice de Preços ao Consumidor de São Paulo (IPC-SP), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Depois de mais de um ano de tentativas para receber o crédito, Wolf recorreu à Justiça pela primeira vez em 1978. Moveu dois processos contra a Cobec. Um para receber o montante que a empresa paraguaia pagaria por suas mercadorias. E outro para obter reparação pelo que a família deixara de ganhar em lucros futuros por causa do calote. Poucos meses depois de sofrê-lo, a empresa da família Gruenberg foi à falência. Wolf ganhou o primeiro processo no final da década de 1980. Na ocasião, a Cobec, então controlada pelo Banco do Brasil, já fora rebatizada de Infaz. A Justiça fixou o valor a ser recebido por Wolf em US$ 1,06 milhão. Esse montante, segundo as contas da Infaz, incluía o valor corrigido das mercadorias e as perdas futuras da AC. E somava também uma multa estipulada pela Justiça, que considerou a Infaz culpada de ter tentado postergar a sentença usando argumentos desleais ou, no jargão jurídico, de ter praticado litigância de má-fé. A família Gruenberg discordou. De acordo com Wolf, o que lhes foi pago estava aquém do justo. “Além disso, a Infaz não dispunha de recursos para liquidar a dívida e nos pagou apenas 10% do que a Justiça determinou”, diz ele.

A trama se embaralhou ainda mais quando Wolf insistiu no segundo processo contra a Cobec, para receber indenização por perdas e danos. Nesse ponto da narrativa, sua contida indignação começa a aumentar. Mas sua voz rouca jamais sobe de tom. Sem precisar consultar nenhuma anotação, cita nomes e datas com precisão. Quando questionado sobre algum trecho da história, retoma a explicação sem cair em contradição. Chega a repetir frases inteiras, palavra por palavra, em conversas distintas, quase como se tivesse decorado um texto. Na Justiça, a Infaz acusou Wolf de cobrar o pagamento de um prejuízo pelo qual ele já fora ressarcido no primeiro processo. A disputa se deu no âmbito cível da Justiça de São Paulo. Em 30 de outubro de 1991, 14 anos depois do calote, Wolf obteve outra decisão favorável nesse segundo processo. O juiz Aclibes Burgarelli decidiu que uma perícia contábil deveria ser realizada para fixar o valor da indenização a ser paga pela Infaz a Wolf. O perito contratado pela Infaz calculou-o em US$ 10 milhões. O perito de Wolf estimou-o em US$ 58 milhões. O perito nomeado pelo juiz Aclibes Burgarelli estipulou o valor de US$ 41 milhões.

Bastaria superar o imbróglio contábil para que esse capítulo da vida de Wolf se encerrasse. A essa altura, já fazia 17 anos que ele levara o calote. No entanto, antes que o juiz desse a sentença final sobre o valor da indenização, em 10 de junho de 1994, houve mais uma reviravolta na já rocambolesca história. A Infaz foi absorvida pela União. Daí em diante, quem se sentaria no banco dos réus da ação movida por Wolf era o próprio Estado brasileiro – e não mais uma empresa de capital misto. A briga começava a ganhar contornos ainda mais kafkianos. A discussão, que até então seguia na Justiça de São Paulo, teve de ser reaberta em âmbito federal, a instância jurídica adequada para processos que envolvem o Estado brasileiro. Por conveniência de Wolf, que morava em Porto Alegre, o processo foi transferido para a Primeira Vara Cível Federal na capital gaúcha.

Apenas em 1999, 22 anos depois do calote, a União assumiu efetivamente seu papel de parte no processo. A Advocacia-Geral da União (AGU) acusou Wolf de tentar cobrar uma dívida que a Infaz já pagara, ato chamado, no jargão jurídico, de dúplice cobrança. A AGU também pediu a entrada do Ministério Público Federal no caso, a anulação do processo e novas perícias contábeis. A tramitação foi morosa, a despeito da disposição do juiz federal Alexandre Lippel em julgar com celeridade. “O processo já tramitava havia muitos anos, e o doutor Wolf sempre vinha me pedir rapidez”, diz Lippel. “Queria que ele saísse do meu pé.” Só em 2004, 27 anos depois do calote e 13 anos depois da primeira decisão favorável à indenização, Lippel pronunciou sua decisão. Fixou a indenização devida a Wolf em R$ 754 milhões, ou mais de R$ 1 bilhão em valores corrigidos pela inflação.

Em dezembro de 2011, o juiz Lippel demonstrou perplexidade ao ser questionado sobre sua decisão de sete anos atrás. Seus olhos azuis ficaram perdidos. Lippel disse que se baseou nos três laudos contábeis que constavam do processo que corria na Justiça de São Paulo. Sua decisão levou em conta correções monetárias a partir da variação do dólar e de uma expectativa de lucro calculada em quase 20% ao ano para a empresa de Wolf. “É um valor enorme, me surpreendeu, mas, pelo tempo que a ação corria, imaginei que fosse isso mesmo”, disse Lippel. “Dei até um prazo dilatado para a União se manifestar.” Ao longo das investigações da Operação Mãos Dadas, da PF, Lippel foi chamado a depor na ação criminal contra Wolf. Em seu depoimento, afirmou que nunca foi pressionado a decidir em favor do empresário e que olhou o processo “com capricho”. “Estava convencido dos critérios que usei para julgar”, disse a ÉPOCA. “Mas fica sempre a dúvida, eu não sei (se fui enganado). A gente atua na boa-fé, confiando na lealdade das pessoas. Dizem que eu teria sido manipulado. Até hoje, fica essa desconfiança.”

A União apelou contra a decisão de Lippel e argumentou que devia apenas R$ 47,6 milhões. Mesmo com uma decisão que lhe atribuía um crédito de quase R$ 800 milhões, Wolf também apelou para reclamar um valor maior. O processo subiu para o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Foi nesse mesmo período que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal iniciaram uma investigação contra Wolf por suspeita de “estelionato judicial”, uma tentativa de ludibriar a Justiça para lesar a União. De acordo com a investigação, longe de ser vítima do Estado brasileiro, Wolf era o responsável por uma criminosa alquimia que transformou uma dívida de alguns milhares de cruzeiros – de que ele era credor no final da década de 1970 – numa conta de mais de R$ 1 bilhão a ser paga pela União. Segundo a PF e o MPF, Wolf manipulou fatos, provas e juízes para conseguir essa façanha.

Atualização (dia 16 de março de 2016): A ação movida contra o casal por estelionato foi trancada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois não há sequer lei penal sobre o chamado “estelionato judicial” do qual são acusados e, ainda que houvesse a tipificação de tal crime, a acusação não conseguiu comprovar as supostas manobras e inverdades usadas no processo, segundo acórdão do dia 1º de outubro de 2009.

Capítulo 3

A INVESTIGAÇÃO POLICIAL

O resumo das atividades criminosas de que Wolf foi acusado consta dos volumes de processos que tramitam em caráter sigiloso na Justiça. Eles foram elaborados, sobretudo, ao longo de mais de um ano de trabalho exclusivo de um único delegado e dois agentes da Polícia Federal, no Rio Grande do Sul. “Como pode uma empresa que tinha patrimônio negativo, em 1977, de Cr$ 6.976.510,35 e faliu ser capaz de gerar uma indenização de R$ 1 bilhão?”, diz o delegado Luciano Flores de Lima, que comandou as investigações da PF. Atualizado pelo IPC da Fipe, os Cr$ 6 milhões de patrimônio negativo da empresa AC, da família Gruenberg, equivaleriam hoje a R$ 1,3 milhão.

Em 2006, quando a indenização a Wolf em R$ 754 milhões foi confirmada, em segunda instância, pelo desembargador Edgar Lippmann, do TRF da 4a Região, a PF reforçou sua investigação contra ele. Na época, surgiram denúncias de que Lippmann vendera uma sentença favorável à reabertura de uma casa de bingos. Por causa dessas denúncias, Lippmann , desde 2008, é investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele responde a um processo administrativo disciplinar, que deverá ser julgado até março. Pelas mesmas acusações, Lippmann enfrenta um processo criminal no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os investigadores da PF sugerem que Lippmann pode ter sido permeável às pressões de Wolf. O empresário nega. “Lippmann não nos ajudou em nada”, diz ele. No vaivém de recursos e liminares relativos aos processos, dois juízes deram decisões contrárias aos interesses de Wolf. Os dois foram denunciados por ele como parciais. Para a PF e o MPF, foi uma tentativa de Wolf para desacreditá-los e retirá-los do caso. Pelas ações contra os juízes, Wolf responde a processo por denunciação caluniosa. “Dizem que enganei juízes, mas não dizem a quem enganei”, afirma Wolf. “Ou sou um gênio, mais inteligente que Albert Einstein, ou os mais de 40 juízes que atuaram no caso são todos uns incapacitados.”

Atualização (16 de março de 2016): Não houve qualquer imputação de corrupção ou tentativa de corrupção por parte de Wolf em relação a Lippmann. Em relação aos magistrados que estão no contexto das acusações de denunciação caluniosa, as representações foram feitas por advogado nomeado pela Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas do Advogado da OAB-RS, órgão de classe que deferiu assistência em favor de Wolf por entender violadas suas prerrogativas profissionais.

Trinta e um anos depois do calote, em abril de 2008, a então ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), reviu todas as decisões anteriores que mandaram a União pagar indenização a Wolf. Acatando um pedido da AGU, ela suspendeu o pagamento. Na ocasião, Wolf já recebera quase R$ 11 milhões dos R$ 754 milhões que a União lhe devia. Boa parte do dinheiro fora enviada ao Uruguai, onde Wolf tem casa em Punta del Este. De acordo com a PF e o MPF, a transferência do dinheiro era um ardil para evitar que ele fosse confiscado para o pagamento de dívidas trabalhistas das empresas da família Gruenberg. Wolf foi então acusado de evasão de divisas. Ele chama essa acusação de “balela”. Diz que transferiu seu dinheiro por meio do Banco Central e, por isso mesmo, as autoridades brasileiras sabiam onde ele estava. E que, como tinha negócios no Uruguai, resolveu manter seus recursos por perto.

Atualização (16 de março de 2016): A transferência foi feita através de instituição financeira oficial, com a chancela do Banco Central. O mesmo juiz que prendeu Wolf pela suposição da prática do ilícito de evasão de divisas, veio a absolvê-lo sumariamente após a resposta à acusação, em decisão confirmada pelo TRF da 4ª Região.

A investigação da PF contra Wolf colheu mais elementos do que chamava de “conduta criminosa” do empresário. Monitorado por telefone, e-mail e escutas ambientais, Wolf foi flagrado, segundo os investigadores, tentando constranger autoridades e influenciar o curso de seus processos. Num telefonema a sua mulher, Betty, Wolf, de acordo com as investigações, dissera estar disposto a gastar “de R$ 10 a R$ 15 milhões” em subornos a servidores federais, entre eles o então chefe da AGU, José Dias Toffoli, hoje ministro do STF. Em outro diálogo, com dois advogados de Brasília, disse, de acordo com as gravações: “Contratem juristas de renome, para atuar detrás das cortinas, no STF e no STJ”. As escutas serviram de justificativa para a ação da Operação Mãos Dadas que prendeu Wolf, sua mulher e alguns de seus funcionários, em 11 de julho de 2008. “Isso é mentira. Tenho um amigo em comum com o Toffoli, mas não teria cabimento abordá-lo para falar do meu caso”, diz Wolf.

Responsável por decretar as prisões, o juiz federal criminal de Porto Alegre João Paulo Baltazar nega qualquer tipo de excesso ou maus-tratos em relação aos réus. “Houve várias perícias na senhora Betty. Ela foi internada no hospital particular que escolheu. Na minha interpretação, não houve violação de nenhum direito”, afirma Baltazar. Segundo ele, Betty não teve contatos com nenhum homem em sua cela, porque estava numa solitária. Reconhece que, no local, não havia vaso sanitário, mas afirma que essa é uma determinação legal para evitar que os detentos tenham qualquer instrumento capaz de facilitar um suicídio. E diz que as algemas foram necessárias no período no hospital, porque Betty ameaçava fugir. Recentemente, Wolf tentou afastá-lo do caso por meio de um instrumento jurídico conhecido como exceção de suspeição. A ação de Wolf contra Baltazar, juiz especializado em lavagem criminal e ex-auxiliar do CNJ, foi rejeitada pelo TRF da 4ª Região. Baltazar só concordou em receber a reportagem de ÉPOCA para falar em tese, e não sobre o caso específico de Wolf.

Atualização (22 de março de 2016): A exceção de suspeição movida contra o juiz José Paulo Baltazar Junior foi rejeitada pelo argumento de que a vinculação ideológica do juiz não é motivo indicado na lei para suspeição.

A prisão pela PF e as denúncias feitas pelo MPF transtornaram completamente a vida da família Gruenberg. Mais de três anos depois da Operação Mãos Dadas, Wolf continua empenhado em receber a indenização da União pela qual briga há 33 anos. O pagamento da dívida continua suspenso. A essa batalha judicial, acrescentou outra: move dois processos contra a União por tortura e tenta derrubar as últimas acusações que subsistem contra ele na Justiça: falsidade ideológica, formação de quadrilha e denunciação caluniosa. Os crimes de evasão de divisas, estelionato judicial e lavagem de dinheiro foram considerados inexistentes ou improcedentes. Os processos relativos a eles foram trancados na primeira e na segunda instâncias e no STJ. Os remanescentes devem ser julgados dentro de seis meses pelo juiz Baltazar, cujas decisões têm sido desfavoráveis a Wolf. Curiosamente, é o próprio Baltazar quem resume a insólita história de Wolf, um homem que passou mais da metade de sua vida envolvido em disputas nos tribunais brasileiros: “A Justiça brasileira é disfuncional e sem fim”.

Atualização (22 de março de 2016): Os delitos de evasão de divisas, estelionato judicial e lavagem de dinheiro foram considerados inexistentes ou improcedentes. As acusações em relação aos demais delitos — falsidade ideológica de documento particular, formação de quadrilha e denunciação caluniosa — ainda aguardam a análise de embargos infringentes no TRF-4.

Prefeito de cidade cearense não é visto há 8 meses e não passa cargo para vice

Ausência do prefeito gerou investigação do Ministério Público para entender como a administração da cidade de Limoeiro do Norte tem sido conduzida – e por quem. Gestor é rompido com a vice e não passa o cargo, mesmo com meses de ausência.

Ao longo dos meses de julho e agosto, uma agente do Ministério Público do Ceará (MP-CE) foi duas vezes por dia, de manhã e de tarde, durante os dias úteis, à Prefeitura de Limoeiro do Norte para notificar o prefeito José Maria Lucena (PSB) acerca do processo que investiga sua ausência do município. Em nenhuma das tentativas a técnica encontrou o prefeito em seu gabinete.

Esta ausência, porém, não é novidade. A última vez que Lucena, de 78 anos, foi visto em público foi no dia 12 de janeiro de 2023, portanto, há oito meses. Desde então, o gestor não aparece em compromissos oficiais nem promove audiências com vereadores ou aliados. O sumiço levou o Ministério Público a abrir um processo administrativo para investigar o caso.

Segundo assessores e advogados de Lucena, o prefeito está realizando tratamento de hemodiálise em Fortaleza, a 200 quilômetros de Limoeiro do Norte, três vezes por semana, para combater problemas renais.

Apesar disso, o gestor não solicitou licença médica e seus assessores garantem que Lucena está cumprindo plenamente suas funções de chefe do Executivo do município de 55 mil habitantes, um polo regional do Vale do Jaguaribe.

“Esses rumores já são de muito tempo, no ano passado já existiam rumores de que ele não tava bem, e para falar bem a verdade ninguém o via aqui pela cidade não”, afirmou ao g1 um morador de Limoeiro do Norte, que não quis se identificar. “Desde janeiro, a gente já vê com uma força maior e esse falatório de que ele não tá na cidade, de que ele tá doente, que tem outras pessoas à frente da gestão”, completa.
Há relatos de que Lucena está há meses internado e os únicos com acesso a ele são os secretários municipais, que para despachar com o prefeito vão a Fortaleza. Os vereadores de Limoeiro do Norte chegaram a protocolar na Câmara pedidos oficiais para reuniões com Lucena, mas não tiveram resposta.

A oposição aponta que a ausência do prefeito viola a Lei Orgânica do município, que funciona como uma espécie de “Constituição” da cidade. De acordo com a lei, o prefeito não pode se ausentar do município por mais de 15 dias sem permissão da Câmara dos Vereadores, sob pena de perda do mandato.

No processo administrativo conduzido pelo MP, também é apontado que, embora o Lucena esteja teoricamente ausente, o Executivo municipal continua enviando projetos para a Câmara – o que levanta o questionamento de quem está exercendo as funções do prefeito.

Se estes atos administrativos estiverem sendo realizados por terceiros, o caso poderia configurar o crime de usurpação de função pública, como previsto no Código Penal.

Segundo apuração do g1, a resistência de Lucena em pedir afastamento vem porque, neste caso, assumiria sua vice-prefeita, Dilmara Amaral (PDT), com quem o prefeito é rompido politicamente.

A reportagem entrou em contato com representantes da Prefeitura de Limoeiro do Norte para obter um posicionamento da administração municipal e atualizações do estado de saúde do prefeito, mas não obteve resposta.

Denúncia no Ministério Público
José Maria Lucena, conhecido em Limoeiro do Norte como Dr. Zé Maria, foi eleito prefeito em 2016 e reeleito em 2020.

Sua família tem forte envolvimento política: uma das filhas, Juliana Lucena, é deputada estadual pelo PT; outra filha, Andrea Lucena, é secretária de Governo de Limoeiro; a esposa de Zé Maria, Maria Erivan, é ex-prefeita da cidade e atual secretária de Assistência Social.

Nas eleições de 2020, já era de conhecimento público que o prefeito tinha problemas renais crônicos, conforme o morador com quem o g1 conversou. “Ele já tava bem debilitado, mas tipo, era um debilitado de aparecer nos eventos públicos, de dar com a mão, dar umas duas, três palavras, o discurso dele sempre muito curto”, relembra.

A partir do segundo semestre de 2022, conforme relatos, Lucena começou a se ausentar mais longamente. Em fevereiro de 2023, o MP-CE recebeu uma denúncia de um vereador de oposição de que o prefeito estava ausente do município há meses e sem permissão da Câmara. Em março, o órgão abriu um processo administrativo para investigar a situação.

Para averiguar o funcionamento da gestão, o promotor de Limoeiro do Norte, Felipe Carvalho de Aguiar, convocou membros da gestão para oitivas no dia 30 de março. Lucena participou apenas por videochamada.

Na descrição do momento, o MP-CE destacou que o prefeito estava sendo “quase a todo momento conduzido no depoimento pelo seu advogado”, e que em alguns momentos em que falou só, disse frases desconexas.

Na mesma sessão, quando perguntado do andamento das atividades da prefeitura, das obras e das secretarias, segundo o MP, o prefeito “nada relatou” e pediu que o órgão solicitasse estas informações à Secretaria de Governo da prefeitura, comandada pela filha de Lucena, Andrea Lucena.

Entre os pontos que o Ministério Público investiga estão a capacidade do prefeito para exercer as funções para as quais foi eleito e, na ausência dele, quem tem comandado a prefeitura. Isto porque no período em que, segundo a denúncia, o prefeito está internado em Fortaleza, os documentos continuam a ser assinados e enviados para a Câmara de Vereadores.

“É evidente que a gestão da municipalidade não se encontra em situação de normalidade, haja vista a caracterização de ausência do prefeito no trato com os diversos atores que rotineiramente se relacionam, despacham, postulam e necessitam de atendimento pelo Chefe do Poder Executivo. […] Ao que se vislumbra, sempre há neste ano de 2023, interpostas pessoas para despachar ou dar andamento na gestão do Município ao invés do próprio prefeito exercendo suas funções”, aponta o relatório do MP-CE assinado pelo procurador Felipe Carvalho de Aguiar.

As redes sociais de José Maria Lucena são atualizadas com alguma frequência. O prefeito, geralmente, aparece sentado, recebendo secretários em um ambiente residencial. Nas postagens em que comemora alguma data do município, utiliza fotos antigas.

Já nas redes sociais da prefeitura, é possível notar que os atos de gestão são encabeçados pelos secretários da cidade, que acompanham as obras, participam dos eventos oficiais e representam Limoeiro do Norte em atividades fora do município.

Até mesmo algumas prerrogativas do prefeito foram oficialmente delegadas a secretários. Em agosto, por exemplo, a prefeitura nomeou dezenas de concursados. A nomeação, porém, foi feita pelo secretário de Gestão de Convênios, Recursos Humanos e Patrimoniais, que recebeu poderes para tal por decreto.

Após a sessão virtual em março, o Ministério Público marcou uma nova sessão com Lucena, desta vez presencial, em Limoeiro do Norte, para o dia 8 de agosto. Os advogados de Lucena, no entanto, informaram que ele não poderia comparecer por estar em tratamento em Fortaleza.

Uma nova sessão foi marcada para o dia 4 de setembro – os advogados do prefeito, no entanto, informaram que naquela data não seria “seguro” o deslocamento de Lucena até a promotoria em Limoeiro do Norte por “razões médicas”.

Rompimento com a vice-prefeita
Nas eleições de 2020, José Maria Lucena e sua vice, a odontóloga Dilmara Amaral, receberam 18.465 votos, cerca de 53% dos votos válidos de Limoeiro do Norte. A relação entre prefeito e vice, no entanto, azedou logo no início do mandato e os dois romperam.

O rompimento seria o principal motivo para o prefeito e seus aliados resistirem a solicitar a licença na Câmara dos Vereadores, uma vez que após o afastamento de Lucena, Dilmara assumiria a prefeitura.

Ao g1, vice-prefeita afirmou que os dois romperam ainda em maio de 2021, isto é, no quinto mês do mandato. De acordo com Dilmara, não houve motivo aparente para o rompimento.

Segundo Dilmara, um dia ela chegou na sede da prefeitura e viu que a fechadura da sua sala havia sido trocada. Depois, foi informada que sua sala seria usada para outros fins – e não voltou a despachar na prefeitura.

“Desde esta época, eu não consegui, nem eu nem meu pai, que meu pai também é um político aqui antigo, foi prefeito três vezes, e nós não conseguimos conversar com o Dr. Zé Maria. Nem com ele nem com a filha nem com ninguém que estava no comando da gestão”, afirma a vice-prefeita.
Nos últimos meses, houve uma tentativa de reaproximação entre Dilmara e o grupo político de Lucena. Conforme a odontóloga, a família do prefeito a convidou para discutir a licença de Lucena, período no qual Dilmara assumiria. Não houve, porém, um acerto.

Quando questionada pelo g1 sobre por que as duas partes não chegaram a um entendimento, Dilmara afirmou que não sabe o motivo do recuo.

“Eu estou como vice-prefeita apenas com o salário de vice-prefeita e pronto”, diz. “Eu me faço presente nos eventos cívicos do município porque não deixo esse vácuo. Mas eu não sou convidada para nada.”

Movimentação na Câmara de Vereadores
No dia 11 de setembro, o Ministério Público emitiu um novo ofício convidando a defesa de José Maria Lucena a se manifestar sobre as denúncias de que o prefeito estaria ausente há meses, sem exercer suas funções e sem se licenciar, antes que “sejam tomadas as medidas judiciais cabíveis”.

O MP já apontou que a ausência do prefeito do município por mais de 15 dias sem permissão dos vereadores – no caso de Limoeiro, uma ausência que já seria de meses – é uma infração político-administrativa que deve ser julgada na Câmara municipal.

Em junho, a o órgão legislativo municipal arquivou os documentos que o Ministério Público enviou sobre a investigação, indicando que não há processo oficial contra Lucena em andamento.

O g1 entrou em contato com o presidente da Câmara dos Vereadores de Limoeiro do Norte, Darlyson de Lima Mendes, mais conhecido como Paxá, para entender como a Câmara analisa a situação do prefeito, no entanto, a reportagem não obteve resposta.

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