DOEPE 08/03/2018 - Pág. 5 - Poder Executivo - Diário Oficial do Estado de Pernambuco
Recife, 8 de março de 2018
Ano XCV • N0 43 – 5
Diário Oficial do Estado de Pernambuco – Poder Executivo
FOLGUEDO POPULAR
Reisado de Inhanhum é patrimônio
em busca de renovação
Tiago Montenegro
Comunidade quilombola no Sertão pernambucano comemora o título de Patrimônio Vivo do
Estado e define estratégias que apontam para a sobrevivência da expressão cultural secular.
o topo do Monte Carmelo, ponto
privilegiado de observação do Rio
São Francisco, no município de
Santa Maria da Boa Vista, mestra
Maria Emília lamenta a estiagem no Sertão
pernambucano e o assoreamento do território
em que vive há 71 anos. É as margens do Rio,
símbolo de vida e resistência, que ela dá continuidade a uma tradição cultural secular da
região e um dos mais recentes Patrimônios
Vivos de Pernambuco: o Reisado da comunidade quilombola do Inhanhum, ou simplesmente, Reisado de Inhanhum.
Sem registro preciso de fundação, a história do grupo é repassada oralmente pelos
mais velhos do povoado, onde cerca de cem
famílias residem atualmente e veem no folguedo popular um motivo de orgulho, de festa e de expressão de sua religiosidade.
“Tinha 12 anos quando comecei a dançar
o Reisado, era uma emoção muito grande
porque naquele tempo não
“A gente sempre
tinha os moviviveu da
mentos (festiagricultura e houve vos) que tem
hoje”, lembra
época em que não
no tertinha dinheiro para Emília
raço de sua cafazer as roupas”.
sa onde reuniu
os integrantes
Maria Genovês - do grupo para
dançarina do grupo uma conversa
boa - e um
almoço farto - com a equipe do portal
Cultura.PE.
Era Dia de Reis. Os festejos haviam começado na noite anterior, com o tradicional cortejo de porta em porta pela comunidade. “A
gente começa aqui nesta casa, se veste, sai em
fila pela rua, vai pedir a bênção ao padroeiro
e ao menino Jesus dos Santos Reis e só
depois segue para as outras casas cantando ‘O
Rei da Porta’. Onde deixam a gente entrar, a
gente faz a festa”, sorri a mestra.
Herança da colonização portuguesa, o reisado agrega músicas, cantos, danças e encenações dramáticas conhecidas como entremezes - ou entremeios - nos quais se destacam personagens cômicos, tais como o
Mateus e os caretas, e ainda representações
de animais como a borboleta.
A memória coletiva do Inhanhum aponta
que a brincadeira por lá começou na segunda
metade do século 19, tendo como importante
referência um homem negro chamado
Nazário Mateus, que aprendeu sozinho a
tocar viola e chegou a criar seu próprio reisado, o Reisado de Palma ou Reis de Batuque.
O grupo permaneceu ativo até, pelo menos, a
década de 1940, sob o comando de seus filhos
Corneu Mateus, Damázio Mateus e ainda de
FOTOS: RODRIGO RAMOS/CULTURA-PE
N
COMPOSTO
majoritariamente
por pessoas
idosas, grupo que
é Patrimônio Vivo
de Pernambuco
enfrenta o desafio
de renovar a
tradição cultural
A MESTRA Maria
Emília mantém a fé na
brincadeira popular
Dona Adelina, viúva de Corneu e que
assumiu o papel de mestra do grupo por volta
de 1930.
O atual Reisado do Inhanhum perpetua
saberes e reaviva ainda a experiência de um
outro grupo surgido na região em meados do
século passado, o Reisado de Congo. Sob a liderança do agricultor João Preto - que aprendera os ritos da tradição na Bahia e passou a
ensinar jovens a tocar instrumentos como
violão, pandeiro e triângulo ao retornar à comunidade -, o grupo se manteve ativo tam-
ANA LÚCIA, ao centro, na cerimônia
de entrega do título de Patrimônio Vivo
bém pelo empenho de personagens como a
mestra Dona Xandô, irmã de João.
“Se não fosse João Preto, eu não tava aqui
agora”, lembra Manoel Benedito, atual violeiro do grupo. Foi com ele que aprendeu,
ainda adolescente, a tocar o instrumento que
tem animado as festas na região.
TRADIÇÃO QUE SE RENOVA - De acordo
com relatos dos remanescentes do quilombo,
homens e mulheres sempre participaram do
reisado em Inhanhum, mas sem indumentárias especiais. Os homens usavam chapéus e
roupas do cotidiano; as mulheres, saias ou
vestidos. O cuidado com as vestimentas - como a definição de trajes que revelam a unidade do grupo - é uma inovação na linha histórica do folguedo.
“A gente sempre viveu da agricultura,
teve época em que não havia dinheiro para
fazer as roupas, então comprava tintol e
tingia as saias de vermelho, pra todas ficarem iguaizinhas”, lembra Maria Genovês,
uma das dançarinas mais antigas do grupo.
Hoje, as vestimentas, arranjos de cabeça e
fantasias, assim como as espadas utilizadas
nas apresentações são confeccionadas pelos
integrantes ou parentes.