TJAC 05/06/2020 - Pág. 114 - Diário da Justiça - Tribunal de Justiça do Estado do Acre
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Rio Branco-AC, sexta-feira
5 de junho de 2020.
ANO XXVIl Nº 6.609
Justiça Pública ajuizou ação contra JOSÉ CLEIDSON ARAUJO CORREIA,
brasileiro, solteiro, autônomo, natural de Cruzeiro do Sul/AC, nascido no dia
28/05/1982, portador do RG 367780 SSP/AC e do CPF 519.394.442-68, filho
de filho de José Souza Correia e Maria Claudete Lima de Araújo, residente na
Rua Pedro Teles, n° 459, bairro Baixa, nesta cidade, tel.: 99939-7472. Narra a
denúncia que no período de maio de 2016 a maio de 2017, em datas ignoradas, nesta urbe, o denunciado, de forma livre e consciente, prevalecendo-se
das relações domésticas, ameaçou a vítima Luzinete de França Ferreira, sua
madrasta, através de palavras, de causar-lhe mal injusto e grave. A vítima ligou
para o denunciado para pedir-lhe autorização para ir a fazenda, que faz parte
do espólio, do qual ela é inventariante. O denunciado, então lhe respondeu que
se esta fosse até a fazenda referida, ele ira lhe “fazer de três rolas, com um
terçado”. O denunciado ainda mandou trocar o cadeado da porteira da fazenda
e também mandou que o caseiro não desse cópia da chave à vítima, de modo
a lhe impedir o acesso. Tais fatos foram suficientes a gerar na vítima temor
acerca da veracidade das ameaças proferidas pelo seu enteado. A denúncia
foi oferecida no dia 08 de abril de 2018 (fls. 76-78) e recebida em 19 de abril de
(fls. 79-80). Citado, o acusado apresentou defesa prévia (fls. 96-101). No dia
11 de março de 2020 foi realizada audiência de instrução, e nesta foi colhido o
depoimento da vítima, a oitiva da testemunha, bem como interrogatório do acusado, constando no ato todos os depoimentos gravados em sistema de áudio
e vídeo. O Ministério Público e a defesa nada requereram na fase do art. 402
do CPP, encerrando-se a fase instrutória. Em alegações finais, o Ministério Público pugnou pela condenação nos termos da denúncia apresentada. A defesa,
por sua vez, pugnou pela absolvição do acusado. O processo está concluso
para sentença. É o breve relatório. Passo a Decidir. Ausente preliminares a
analisar ou nulidades a reconhecer, o feito comporta julgamento de mérito. A
materialidade do delito restou configurada pelo Termo de Declarações (pág.
04), Boletim de Ocorrências (pág. 03), especialmente prova oral produzida em
Juízo. Quanto à autoria, também não há qualquer dúvida de que o acusado
cometeu o crime, o que foi confirmado pela vítima, conforme extrai-se do seu
depoimento em Juízo, afirmando que era casada com o pai do denunciado
e que após o seu falecimento, a família dele tomou todos os bens, que até a
casa em que residia, sofreu ameaças do réu para dela sair e não retornar e que
em outra ocasião já havia tentado agredi-la, que nunca recebeu nada após o
falecimento do marido, que conviveu com o marido por 16 anos, que os filhos
do seu marido não aceitavam o relacionamento deles, que a ameaça presente
de que iria “rolar” seu pescoço recebeu por meio de um recado, mas que ele já
a ameaçou em outras ocasiões. As ameaças não foram presenciadas pela testemunha Keite, ex cunhada do réu. Esta relatou a ameaça proferida por Júlio
César, irmão do acusado. No entanto, Keite relatou que em discussão de Júlio
César com o réu, ouviu este ameaçar a vítima. E o motivo seria a não concordância dos dois quanto ao acesso da vítima à fazenda do genitor. Ainda confirmou que os dois venderam grande parte dos bens, e que não deram a partilha
a viúva do pai e que a vítima, junto com a filha (filha também do falecido e
irmã do réu) tem passado dificuldades financeiras, sem qualquer ajuda do réu
e irmão. Desse modo, desse contexto se extrai a veracidade das declarações
da vítima, bem como do temor por sua vida e de sua filha, já que o réu tentou
amedrontá-la para que a mesma não questionasse a venda dos bens ou tencionasse buscar na Justiça por sua herança, enquanto companheira do falecido, bem como mãe da única filha do falecido, irmã do réu. Verifica-se ainda que
há outro processo, de nº 000973-18.2018, tratando sobre ameaças cometidas
em tese pelo irmão do réu em face da mesma vítima, também decorrente do
fato da vítima ser inventariante do inventário do genitor de ambos, de modo
que do fato se extrai que após o falecimento do genitor, passou-se a ter um
relacionamento difícil entre eles e a madrasta, bem como evidente discordância sobre a divisão de bens. Tais fatos foram confirmados pela testemunha
Keite que relatou que no dia do velório do genitor, a família deste retirou o
carro que a vítima usava, em ostensiva atitude de suprir-lhe o uso de todos os
bens que corriqueiramente usava ou detinha a posse durante a relação com o
genitor. A jurisprudência tem decidido que em casos de violência doméstica,
rotineiramente praticados de forma clandestina, a palavra da vítima constitui na
melhor prova, já que quase nunca há testemunhas. Nesse sentido: PENAL E
PROCESSUAL PENAL. AMEAÇA. SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
E FAMILIAR. CONDUTA QUE INFLIGIU FUNDADO TEMOR. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. CONJUNTO PROBATÓRIO CONSISTENTE. CONDENAÇÃO. Devidamente provado que o réu tinha o propósito de infligir mal injusto e grave à
vítima, que ficou verazmente amedrontada, resta caracterizado o delito de
ameaça. Nos crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da
vítima reveste-se de especial força probatória, sobretudo quando corroborado
por outros elementos de prova. Apelação conhecida e provida. (TJDFT, Processo nº 2011.08.1.007456-2 (623851), Terceira Turma Criminal, Rel. Esdras
Neves, DJe 04.10.2012). APELACAO CRIMINAL. LESAO CORPORAL DE NATUREZA LEVE. ABSOLVIÇAO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRA DA VITIMA. PROVA PERICIAL. IMPROVIMENTO DO APELO. Nao pode ser promovida a absolviçao do apelante quando
demonstradas, sob o crivo do contraditorio, a autoria e materialidade delitivas,
sobretudo pela palavra firme e coerente da vitima aliada a prova pericial.
(TJAC, ACR n. 0002293-89.2008.8.01.0120. Relator Des. Pedro Ranzi, julgado
em 18.10.2012, publicado em 29.10.2012, no DJE n. 4.788). A versão apresentada pelo réu é isolada nos autos, sem respaldo idôneo no conjunto probatório,
que a rechaça por completo, uma vez que não explica o contexto de desaven-
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ça entre ele e a ex madrasta e nem como ocorreu ou deveria ocorrer naturalmente a divisão de bens do espólio do pai, devendo-se ser tomada como ato
natural de autodefesa. Portanto, há nos autos suficientes elementos para extrair-se convicção positiva quanto à materialidade do delito de ameaça bem
como quanto à sua autoria, na medida em que consistentes foram as provas
carreadas aos autos, sobretudo se conjugado com o claro e coeso depoimento
da vítima e do depoimento de Keite que confirma o comportamento do réu de
afastar a vítima de todos os seus direitos enquanto companheira e mãe de uma
das herdeiras necessárias do espólio do genitor do réu. Tal assertiva também
é corroborada pela extensa ficha de antecedentes criminais do réu (fls.
155/156), donde se extrai o processamento de outros crimes de ameaça contra
a mesma vítima, embora seja o réu tecnicamente primário por não ter sofrido
condenação criminal com trânsito em julgado. Outrossim, o delito de ameaça é
classificado como formal, ou seja, não exige a pou seja, não exige a produção
do resultado naturalístico para sua consumação, ainda que eventualmente sobrevenha. Sendo assim, basta que o ofensor ameace causar mal injusto e
grave ao ofendido, gerando fundado temor neste, para que se configure o delito. Insta acentuar que o comportamento típico empreendido pelo réu também
se revelou ilícito, do ponto de vista formal e material, ante a inexistência de
quaisquer causas de exclusão da ilicitude. Assim, diante do contexto probatório
já examinado, as provas colacionadas são fortes, contundentes e autorizam
um juízo afirmativo para a procedência da ação, e condenar o denunciado pela
prática do crime previsto no art. 147, caput, (duas vezes), do CP. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos da denúncia para CONDENAR o acusado JOSÉ CLEIDSON ARAUJO CORREIA, nas penas previstas no artigo 147,
do CP, na forma da Lei 11.340/06. A culpabilidade é mais grave do que a normal ao tipo penal, pois através de ameaça, restou claro que o réu tencionava
suprimir direitos hereditários da vítima e de sua filha, irmã do réu, portante
herdeira necessária. O acusado não registra maus antecedentes, nos termos
da jurisprudência das corete superiores que exigem condenação com trânsito
em julgado para tanto, embora registre outros processos tratando de violência
doméstica contra a mulher e em especial, contra a mesma vítima dos autos
presentes. No entanto, tais registros, com vítimas diferentes, demonstram não
ter o agente uma boa conduta social, de modo que tal fato deve ser considerado na dosimetria da pena. Não há estudo nos autos capaz de fornecer elementos acerca de sua personalidade. Os motivos do crime são os inerentes ao tipo
penal, não havendo nada a considerar. As circunstâncias e consequências do
crime também foram graves, posto que lograram possibilitar a venda dos bens
do espólio suprimindo direito hereditária da vítima e de sua filha, bem como lhe
impedindo o exercício da condição de inventariante, além de gerar à vítima e à
filha situação de penúria econômica e tal situação perdurar por anos. Por fim,
anoto que o comportamento da vítima em nada contribuiu para o delito. Diante
dessas considerações, fixo a pena-base em 04 meses de detenção. Na segunda fase da dosimetria da pena, observo a agravante do art. 61, inc. II, ‘f’, do CP
(prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade,
ou com violência contra a mulher na forma da lei específica), razão pela qual
agravo a pena em 1/6 da pena-base aplicada para tais delitos, descontando-se
as frações de pena, consoante art. 11 do CP. Assim, agravo a pena em 05 dias,
restando a pena de 04 meses e 20 dias de detenção. Não há circunstâncias
atenuantes. Na terceira fase, não observa-se causas de aumento/diminuição a
considerar, redundando na pena pelo crime previsto no artigo 147, CP, em 04
(quatro) meses e 20 (vinte) dias de detenção. Em atendimento ao disposto no
artigo 33, § 2.°, “c”, do Código Penal, o regime inicial de cumprimento de pena
será o aberto. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, haja vista a vedação do art. 44, inc. I, do CP (crime cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa). Deixo de aplicar-lhe o sursis, pois este
mostra-se mais gravoso ao apenado que o próprio cumprimento da pena aplicada, visto que o prazo de suspensão e, consequentemente, de cumprimento
das condições a serem impostas será de no mínimo 02 (dois) anos, sendo a
pena aplicada de 04 meses e 20 dias de detenção, no regime aberto. Neste
prisma, cito os seguintes julgado: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE AMEAÇA LESÃO CORPORAL - RECURSO MINISTERIAL - SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS) - ARTS. 77 E 78 DO CP - SITUAÇÃO MAIS
GRAVOSA MANUTENÇÃO DO CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE EM REGIME ABERTO - MATÉRIA PREQUESTIONADA - APELO
IMPROVIDO. 1. A aplicação da suspensão condicional da pena, prevista no
art. 77 do CP, sursis, se mostra, na prática, como situação mais grave para o
réu, já que a sua pena privativa de liberdade, que fora fixada em patamar baixo, é de detenção e em regime aberto, sendo seu efetivo cumprimento situação mais benéfica para o recorrido, pois evita que o mesmo tenha que cumprir
as condicionantes previstas no § 2º do art. 78 do CP, pelo prazo de dois anos.
2. Apelo improvido. (TJ-ES - APL: 00000733020178080049, Relator: ADALTO
DIAS TRISTÃO, Data de Julgamento: 08/08/2018, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 14/08/2018) APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU CONDENADO A 02 ANOS DE RECLUSÃO NOS TERMOS DO ART. 304 DO CP USO DE DOCUMENTO FALSO - FIXADO O REGIME ABERTO PARA O
CUMPRIMENTO DA PENA - INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
- PRETENDIDA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR
RESTRITIVAS DE DIREITOS OU APLICAÇÃO DO SURSIS PENAL -INVIABILIDADE - DIREITO SUBJETIVO DO RÉU - SUBSTITUIÇÃO A QUAL SE MOSTRA MAIS GRAVOSA AO RÉU CONDENADO NO REGIME ABERTO - DECISÃO MANTIDA NA INTEGRALIDADE - RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO.
Não há se falar em substituição da pena privativa de liberdade fixada no regime