TJBA 12/04/2022 - Pág. 4024 - CADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL - Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.077 - Disponibilização: terça-feira, 12 de abril de 2022
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Trata o presente caderno processual de ação declaratória de anulabilidade de contrato de cartão de crédito c/c restituição de valores e indenização por danos morais, através da qual pretende a autora o reconhecimento de que o requerido estaria cobrando
de forma indevida a Reserva de Margem Consignável (RCM) referente a um cartão de crédito que alega nunca ter sido solicitado.
Alegou o Banco requerido que a parte autora anuiu de livre e espontânea vontade com o contrato aderindo aos termos propostos
e autorizando os descontos em folha.
Não obstante o acolhimento da inversão do ônus da prova, o requerido não postulou nem produziu qualquer prova para desconstituir, modificar ou extinguir o direito alegado pela parte autora, ônus que lhe cabia nos termos do art. 373, II, do CPC.
Da mesma forma, o artigo 15, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 28/2008, que estabelece critérios e procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito, contraídos nos benefícios
da Previdência Social, dispõe ser possível à constituição de reserva de margem consignada para utilização de cartão de crédito
mediante solicitação formal por meio eletrônico:
Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão
constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto
no art. 58 desta Instrução Normativa:
I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por
meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade.
Entretanto, apesar de se reconhecer que não há ilegalidade na Reserva de Margem Consignável (RMC), observa-se que esta
deve ser prévia, regular e expressamente aceita pelo contratante.
Não se pode olvidar que pretendia a autora firmar o denominado “empréstimo consignado” puro e simples, com parcelas fixas
e preestabelecidas, vindo, entretanto, tempos depois, a saber que contraíra outro tipo de empréstimo, via reserva de margem
consignável, mediante a emissão de cartão de crédito, e com juros tão elevados a ponto de impossibilitar a quitação do débito.
A parte autora afirmou na petição inicial que realmente estabeleceu relação contratual referente a empréstimos consignados;
todavia, afirma que jamais solicitou a tomada de empréstimo pela via cartão de crédito com a reserva de margem consignável
com o banco demandado.
Esclarecidos os fatos que redundaram na propositura da presente demanda, cumpre pontuar que o caso deve ser analisado sob
a ótica do Microssistema protetivo do consumidor, por força da Súmula nº 297 do STJ que assim dispõe: “o Código de Defesa do
Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Chancelada aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, anota-se que o art. 6º, do aludido diploma legal, dispõe
acerca dos direitos básicos do consumidor e, especificamente nos incisos III e X, prevê o direito à “informação adequada e clara
sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”, e também o direito à “adequada e eficaz prestação dos
serviços públicos em geral”.
Adiante, o art. 39, incisos I e IV, do aludido diploma, vedam ao fornecedor de serviços as seguintes práticas reputadas abusivas:
“condicionar o fornecimento de produtos ou serviços ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a
limites quantitativos” (prática comumente conhecida como venda casada) e “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.
À vista disso, não só pela aplicabilidade das mencionadas normas previstas no Código de Defesa do Consumidor como, principalmente, porque se trata de fato negativo, cuja prova é impossível de ser feita pela parte autora (diabólica), incumbia exclusivamente ao banco demandado a demonstração não só da pactuação em si (instrumento contratual) como, também, que o
consumidor tinha plena ciência do que estava efetivamente contratando.
Significa dizer, não basta apenas a apresentação do contrato (o qual, a propósito, é de cunho adesivo) mas, sim, a comprovação
de que a consumidora - hipossuficiente tecnicamente perante as operações bancárias - recebeu efetivamente os esclarecimentos e informações acerca do pacto. Isto é, que detinha conhecimento do seu teor, especialmente que contratava não um empréstimo consignado comum, mas sim um cartão de crédito, cujo pagamento, que seria descontado em seu benefício mediante
a reserva de margem consignável, seguiria encargos financeiros de outra linha de crédito, sabidamente mais onerosa, diferente
do simples empréstimo pessoal consignado.
Diante de tal contexto, é pouco crível que a parte autora tenha, de fato, contratado um cartão de crédito para angariar valores normalmente obtidos por meio de contratos de empréstimo consignado comum, até porque a essência do contrato de cartão de crédito não está atrelada a obtenção de recurso por meio de saque de valor em espécie, mas na aquisição de produtos e serviços.
Ora, é certo que o banco causou verdadeira desorientação à consumidora quando passou a descontar mensalmente de seu
benefício previdenciário um valor referente a reserva de margem consignável, referente ao pagamento mínimo de fatura de um
cartão de crédito a toda evidência não solicitado ou utilizado.
Assim, o contexto dos autos aliado à hipossuficiência técnica da contratante, leva a crer que, de fato, a parte autora não pretendeu contratar cartão de crédito com reversa de margem consignável, tampouco tinha ciência do conteúdo e extensão dos
descontos da reserva de margem consignável em seus proventos, o que revela a falta de informação clara de precisa acerca do
objeto contratado, em franco desrespeito às normas de proteção ao consumidor.
Nos termos do CDC, aplicável ao caso por força da Súmula n. 297 do STJ, é direito básico do consumidor a informação adequada
e clara sobre os produtos e serviços que adquire (art. 6º, inciso III).
À vista disso, a nulidade da contratação se justifica quando não comprovado que a consumidora do caso em exame - hipossuficiente tecnicamente perante as instituições financeiras - recebeu efetivamente os esclarecimentos e informações acerca
do pacto, especialmente que contratava um cartão de crédito, cujo pagamento seria descontado em seu benefício mediante a
reserva de margem consignável, com encargos financeiros de outra linha de crédito, que não a de simples empréstimo pessoal,
com taxas sabidamente mais onerosas.