TJBA 26/07/2022 - Pág. 2007 - CADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL - Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.144 - Disponibilização: terça-feira, 26 de julho de 2022
Cad 2/ Página 2007
FERNANDO ANTONIO DANTAS FILGUEIRAS, devidamente qualificado nos autos, por meio de advogado legalmente constituído, propôs AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL
C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA ANTECIPADA em face do BANCO BMG
S.A, igualmente qualificado nos autos do processo em epígrafe.
Alegou a autora que firmou contrato de empréstimo com o banco requerido, no entanto, percebeu que foi induzida a contratar
cartão de crédito com margem de reserva consignável.
Requereu, por fim: I) a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita; II) liminarmente, a concessão do pedido de tutela provisória de urgência; III) ao final, declarar inexistente a relação contratual; devolução dos valores descontados em dobro; bem como
condenar a parte Ré a indenizar a parte Autora, a título de danos morais, no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais).
Inicial instruída com documentos sob ID 134591740 ao 134591756.
Pedido de gratuidade de justiça deferido. Deferiu-se a liminar pleiteada. Determinou-se a inversão do ônus da prova. (ID
135565722)
Devidamente citada, a parte ré ofereceu contestação sob o ID 146191808. Em sede preliminar, impugnou a concessão da gratuidade de justiça, além de suscitar prescrição e decadência. No mérito, afirmou que a contratação do cartão consignado INSS foi
firmada em 11 de maio de 2015. Destacou que a autora constituiu autorização expressa para a Reserva de Margem Consignável
em seu benefício. Por fim, pugnou pela improcedência da presente demanda.
Com a contestação foram acostados documentos sob ID 146191808 ao 146192970.
Réplica sob ID 154831285.
Decisão saneadora. (ID 215623331)
É o relatório.
Posto isso. Decido.
O feito já está instruído, não havendo necessidade de produzir outras provas, visto que a matéria de méritos ventilados nos autos
é unicamente o julgamento antecipado da lide (art. 355, NCPC).
Processo devidamente saneado, conforme decisão de ID 215623331.
Aduz a autora, em inicial, que, imaginando celebrar um contrato de empréstimo consignado comum, acabou por aderir, inadvertidamente, a um contrato de empréstimo do tipo RMC, cuja nulidade defende. Assiste-lhe razão. Assim, revela-se que a questão
versa sobre relação de consumo, tendo em vista a existência de relação contratual entre as partes, com base nos arts. 2º, 3º e
14 do CDC, seja em decorrência da fraude praticada por terceiros, que configura falha na prestação do serviço, ou pela relação
contratual estabelecida de fato entre as partes, seguindo os pressupostos necessários.
Em contestação, a parte ré apresentou detalhes da contratação da autora e juntou aos autos cópia de contrato do cartão consignado com a assinatura da parte autora, não tendo a assinatura de tal documento sido impugnada pela autora, bem como algumas
faturas, sendo muitas, apenas demonstrando os encargos sem haver efetivas compras.
Da análise dos autos, verifica-se que, de fato, a parte ré promoveu descontos nos proventos de aposentadoria da parte autora,
a título de pagamento de suposto contrato de empréstimo consignado celebrado entre as partes.
Pois bem, o requerido junta contrato aos autos, todavia, não há nenhuma prova de que foi esse o tipo de contrato firmado com a
parte autora ou que as devidas informações foram passadas à requerente anteriormente.
Ademais, imperioso destacar, que no presente caso, há evidências de que o banco induziu o autor ao erro. Ora, o empréstimo foi
contratado no ano de 2015, sendo que até maio de 2018, o autor não utilizou o cartão para efetuar compras ou saques, passando
usar somente em abril de 2018 quando enviado novo cartão, aparentemente, sem encargos abusivos. O que se evidencia é que
o réu fornece empréstimos intermináveis, sem prestar qualquer informação ou suporte ao consumidor, fazendo com que suas
dívidas com o banco se transformem em “ bolas de neve”, ou seja, só tendem a piorar.
É de se reconhecer, de fato, a abusividade desta espécie de avença.
Em se tratando de contrato de financiamento, cumpre ao banco informar, com clareza e exatidão, o montante dos juros de mora,
os acréscimos legalmente previstos e, notadamente, o número e periodicidade das prestações.
Trata-se da dicção do artigo 52, do CDC, ora transcrito:
“Art. 52 - No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
I - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento.”
No caso dos cartões consignados, as instituições financeiras se utilizam de um formulário bem parecido com aquele empregado
para a contratação de empréstimos consignados em folha, aos quais já se encontram acostumados os consumidores padrão
deste tipo de produto, aposentados, pensionistas ou servidores públicos.
No entanto, ao contrário do que ocorre com o empréstimo consignado, esta modalidade de contratação impede que o mutuário
conheça, de antemão, o número e os valores exatos das parcelas que terá de pagar para quitação da dívida, uma vez que esta
varia de conforme o desconto efetuado mês a mês em folha, que, por sua vez, oscila conforme a reserva de margem consignável
do aposentado ou pensionista.
Pois bem, ao atrelar a concessão de empréstimo à contratação de um cartão de crédito, sem que tal circunstância seja informada
com desejável clareza, o banco acaba por se lançar às práticas vedadas pelos artigos 39, I e IV, do CDC, por condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (venda casada), e impingir produto ou serviço
ao consumidor valendo-se de fraqueza ou ignorância causada por sua idade avançada.
Nota-se que esta espécie de contratação redunda em manifesta desvantagem ao consumidor (artigo 39, V e 51, IV, do CDC),
pelos fundamentos que seguem.
É sabido que o aposentado, pensionista ou servidor público, como é o caso do autor, tem acesso, no mercado, a contratos de
empréstimo consignado que apresentam baixas taxas de juros, pelo reduzido risco de inadimplência, derivado da possibilidade
de desconto das parcelas diretamente do benefício.