TJBA 03/10/2022 - Pág. 2015 - CADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL - Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.190 - Disponibilização: segunda-feira, 3 de outubro de 2022
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Portanto, constituo parcialmente rescindido o contrato controvertido nos autos, e consequentemente condeno a parte acionada a restituir o valor antecipado relativo aos produtos que não foram entregues, monetariamente atualizado.
Analisa-se, agora, o pedido de compensação por danos morais.
A responsabilidade civil encontra-se assentada na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso V e X. De acordo com a
doutrina, a responsabilidade civil consumerista pressupõe a ocorrência de: conduta (comissiva ou omissiva), dano e nexo causal, consoante artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. Se presentes tais pressupostos, há dever de indenizar.
A conduta da parte demandada é fato incontroverso, uma vez que a instituição não nega que deixou de entregar os produtos objetos
da relação jurídica controvertida, na medida em que ela própria ofereceu à demandante, crédito em valor equivalente a esses produtos.
Outrossim, restou comprovado nos autos que a parte autora dependia dos materiais de construção para dar segmento às obras que
já estavam em curso. Portanto, o mínimo que poderia ser feito pela requerida a fim de evitar maiores danos, seria promover, voluntariamente, a rescisão do contrato e a devolução dos valores pagos à autora, como preceitua o art. 35, III, CDC, mas não o fez. Esse
fato, consequentemente, levou o demandante a empreender mais tempo e dinheiro para realizar uma nova compra em outra loja, o
que também restou comprovado, além de ter gerado atraso no desenvolvimento da construção que estava em curso à época do fato.
Por fim, insta salientar que mesmo ciente do descumprimento contratual, a parte requerida deixou transcorrer um lapso de mais de 70
(setenta) dias sem promover a devida rescisão e devolução do dinheiro ao autor, fato que ensejou o ajuizamento da presente ação.
Não pairam dúvidas sobre a ocorrência do dano moral provocado pelo mencionado ato ilícito. Deveras, diversamente do que afirmou
o suplicado em sua peça de defesa, é certo que a celebração do contrato sem as cautelas necessárias acarretou para a parte autora
o dano moral, mormente pelo extenso lapso temporal em que ficou sem receber os produtos que contratou. Assim, resta claro que o
autor foi economicamente lesado pela negativa de restituição da empresa ré. Por último e não menos importante, sabe-se que o tempo
como bem jurídico exsurge do fato de que ele constitui base para o desenvolvimento de toda e qualquer relação jurídica, espraiando-se
em todos os setores humanos, individual e coletivo, jurídico e extrajurídico. Para Dessaune (2018), o tempo é a base da vida, que dura
certo tempo, e é nele que se desenvolvem todas as atividades existenciais humanas.
O dano moral não pode ser recomposto, já que é imensurável em termos de equivalência econômica. A indenização a ser concedida
é apenas uma justa e necessária reparação em pecúnia, como forma de atenuar o padecimento sofrido.
Ante a inexistência de previsão legal para fixação do montante do dano moral, já ficou assentado:
“Indenização Responsabilidade civil. Dano moral. Verba devida. Arbitramento. Juízo prudencial. Adequação à situação pessoal das
partes. A indenização por dano moral é arbitrável mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia,
satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa. Deve, por isso, adequar-se à condição pessoal das
partes, por que não sirva de fonte de enriquecimento da vítima, nem agrave, sem proveito, a obrigação do ofensor.” (JTJ-LEX 236/167).
Há, portanto, uma dupla função jurídica do dano moral, que ao tempo que busca satisfazer a dor da vítima, por outro lado também
tenta dissuadir o autor da ofensa de igual e novo atentado. O quantum a ser fixado, ao ser norteado por essa dupla função, necessita
justamente ser adequado à situação peculiar das partes envolvidas.
Nessa medida, deve-se sopesar também a repercussão do dano em relação a terceiros, bem como a capacidade econômica do devedor e do credor. In casu, a parte autora é pessoa sem grande poder aquisitivo, fato que não se aplica à empresa demandada.
Pois bem. Na fixação do valor de reparação por dano moral, deve ser adotado o denominado critério bifásico. Sobre o método bifásico
para fixação do dano moral, confira-se o entendimento da jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça:
(...) 4. Elevação do valor da indenização por dano moral na linha dos precedentes desta Corte, considerando as duas etapas que
devem ser percorridas para esse arbitramento. 5. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes. 6.
Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para fixação definitiva do valor da indenização, atendendo a
determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz. (...) (REsp 1152541/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 21/09/2011).
A par disso, na primeira fase da quantificação, deve ser levado em consideração o valor médio adotado pela jurisprudência, à luz do
bem jurídico atingido abstratamente, bem como os parâmetros supramencionados para a estipulação pecuniária. No presente caso,
levando-se em consideração as especificidades do caso e a condição econômica das partes, fixo, na primeira fase, a quantia de R$
5.000,00 (cinco mil reais).
Na segunda fase, e partindo do valor inicialmente fixado, tem-se que, no presente caso, à luz de todas as peculiaridades expostas, e
levando-se em consideração, ainda, a extensão do dano (art. 944 do CC); o fato da parte ré ser pessoa física portadora de vasto patrimônio; a vedação ao enriquecimento ilícito; a reiteração de conduta da parte demandada nesse tipo de ilícito; a função pedagógica do
dano moral e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, mantenho o valor da indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
4. DISPOSITIVO
Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo
Civil, para:
a) declarar a rescisão do contrato controvertido nos autos referente aos pedidos protocolados nos sistemas internos da empresa acionada sob os números 480557 e 481773.
b) condenar a parte demandada a devolver, de forma simples, os valores referentes aos produtos objetos do contrato que não foram
entregues. Ressalte-se que os valores devolvidos deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros moratórios
de 1% ao mês, a partir da data da citação válida.
c) condenar a parte ré ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Os valores da
compensação por dano moral deverão ser corrigidos monetariamente, a partir da sentença (Súmula 362 do STJ), e acrescidos de juros
moratórios de 1% ao mês, a partir da data da citação válida.
Ainda, confirmo o deferimento do pedido de tutela provisória contido na exordial (id nº 100292269), a fim de que a parte ré promova a
rescisão do supramencionado contrato e a evolução dos valores pagos relativos à parte inadimplida, sob pena de multa diária de R$
100,00 (cem reais), ficando a multa limitada ao montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Sem custas e honorários, conforme artigo 54 da Lei nº 9.099/95.
Após o trânsito em julgado, se nada for requerido, arquive-se os autos e dê-se baixa na distribuição.
SÃO FELIPE/BA, na data da assinatura.
FELIPE PACHECO CAVALCANTI