TJRR 11/10/2016 - Pág. 99 - Caderno único - Tribunal de Justiça do Estado de Roraime
Boa Vista, 11 de outubro de 2016
Diário da Justiça Eletrônico
906/915).
Afirma o réu CARLOS EDUARDO LEVISCHI em alegações finais que
não existiu dolo e que foram pagos os serviços realizados pela empresa
de transporte aéreo em regular processo administrativo, não havendo
fato criminoso. Salientou, ainda, que na denúncia não houve a
identificação clara dos atos supostamente praticados pelos réus e de
forma individualizada, o que dificultou o exercício da defesa (fls.
916/920).
Por fim, o acusado ADÃO DE PINHO BEZERRA afirmou existir
litispendência destes autos com outro em tramite na 1ª Vara Criminal
(0010.04.096952-8), bem como que na época Roraima não dispunha de
aeronaves, sendo necessária a contratação da empresa NITA NIMBUS
TÁXI AÉREO, que tinha condições de prestar os serviços emergenciais
para deslocamento de pessoas, no interesse do governo, para diversas
regiões do estado de Roraima, o que efetivamente ocorreu e não causou
qualquer prejuízo ao erário (fls. 923/930).
É o relatório. Decido.
A preliminar de ilegitimidade passiva formulada pela ré não merece
prosperar porque para efeitos penais e fiscais, ordenador de despesa é
considerado qualquer autoridade cujos atos resultem em "emissão de
empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de
recursos públicos" (DL 200/67, art. 80), conceito em que se enquadram
ambos os réus CARLOS EDUARDO LEVISCHI e MARLY FIGUEIREDO
BRILHANTE na condição de gestores financeiros do DER/RR e por
terem assinado os empenhos e as ordens de pagamento.
A litispendência não ocorreu como afirmado em alegações finais pelo
réu ADÃO DE PINHO BEZERRA, tendo em vista que os presentes autos
dizem respeito a pagamentos decorrentes do Edital de Tomada de
Preços n. 041/2000, enquanto os autos n. 010.04.096952-8, em trâmite
na 1ª. Vara Criminal Residual relaciona-se com o pagamento indevido no
Edital de Tomada de Preços n. 013/2001, conforme esclarecido na
manifestação ministerial de fls. 975/976.
Ao contrário do alegado quanto à eventual cerceamento de defesa, a
denúncia visivelmente evidencia o comportamento de cada um dos
acusados, sendo CARLOS EDUARDO LEVISCHI e MARLY
FIGUEIREDO BRILHANTE, responsáveis pelos desvios de recursos
públicos, na condição de dirigentes do DER/RR e ADÃO DE PINHO
BEZERRA pelo recebimento dos mesmos.
No mérito, vale destacar que o Código Penal Brasileiro protege o
Patrimônio Público ao estabelecer tipos penais específicos para os
Crimes contra a Administração Pública, são crimes funcionais e assim
deve figurar funcionário público na condição de autor, co-autor ou
partícipe do ato ilícito. Esta qualidade, no entanto, comunica-se aos
demais co-autores, partícipes ou beneficiários, que respondem pelo
crime independente da condição de funcionários públicos.
Nesse contexto o que se tutela é a moralidade administrativa,
representada in casu pela correta aplicação dos recursos públicos, bem
como para proteger o próprio funcionamento do Estado e dos seus
órgãos, os quais têm a missão de desempenhar suas funções típicas em
defesa do estado democrático de direito, i.e., aos princípios da
legalidade, impessoalidade, probidade e eficiência, que devem nortear
todos os atos da administração pública e em respeito ao patrimônio de
toda sociedade.
No caso em exame, estamos diante do crime previsto no artigo 312 do
Código Penal, que possui a seguinte redação: Art. 312. Apropriar-se o
funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel,
público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviálo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e
multa.
Compulsando os autos, com relação à comprovação da autoria e
materialidade delitiva, verifica-se às fls. 80/88 que foi juntado o Contrato
de Prestação de Serviços, decorrente do Edital de Tomada de Preços n.
041/2000, assinado por todos os réus. ADÃO PINHO BEZERRA, na
qualidade de prestador de serviços e representante (procurador) da
empresa NITA NIMBUS TÁXI AÉREO; CARLOS EDUARDO LEVISCHI
e MARLY FIGUEIREDO BRILHANTE, na condição de gestores do
DER/RR, o primeiro como Diretor-Geral e a segunda como Diretora
Administrativa-Financeira.
Diante da participação de todos os réus no contrato originário dos
pagamentos questionados, resta clara a consciência dos mesmos
quanto aos limites contratuais remuneratórios existentes, expressos na
Cláusula Terceira, nos seguintes termos: "Dá-se a este contrato o valor
de R$ 298.500,00 (duzentos e noventa e oito mil e quinhentos reais),
referente ao valor total do serviço previsto na Cláusula 1ª e para a
totalidade do período mencionado na Cláusula 4ª".
Destaca-se que na Cláusula 1ª os serviços contratados foram de
"fretamentos emergenciais de aeronaves, a fim de atender
compromissos inadiáveis e de interesse do Estado de Roraima, durante
o ano de 2000". Na Cláusula 4ª o período de prestação dos serviços
ficou convencionado em 06 (seis) meses, com a data de início dos
serviços do dia da assinatura do contrato, ou seja, em 03 de julho de
2000. Com efeito, resta claro diante dos termos do contrato, que durante
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o segundo semestre do ano de 2000, o limite de gastos com o serviços
de fretamento emergencial de aeronaves era de no máximo R$
298.500,00 (duzentos e noventa e oito mil e quinhentos reais).
Não obstante, conforme provas documentais juntadas às fls. 95/154 e
relatório constante da denúncia (f. 04/05) e também anexado às fls. 156,
foram emitidas notas de empenho e ordens de pagamentos assinadas
pelos gestores (ora réus), seguidas das respectivas notas fiscais da
empresa, em valores muito superiores aos contratados de R$
657.585,60 (seiscentos e cinquenta e sete mil, quinhentos e oitenta e
cinco mil reais e sessenta centavos), evidenciando um desvio de
recursos públicos não autorizados por lei ou pelo contrato administrativo,
no valor de R$ 359.085,60 (trezentos e cinquenta e nove mil, oitenta e
cinco reais e sessenta centavos).
Vale citar por oportuno que, uma única Nota Fiscal n. 000154, emitida
em 03 de novembro de 2000 (f. 142 e 149), comprova o pagamento pelo
DER/RR e o recebimento pela empresa de transporte aéreo NITANIMBUS do valor de R$ 287.304,00 (duzentos e oitenta e sete mil,
trezentos e quatro reais). Assim, esta única nota atinge quase o teto
máximo de pagamento contratado, limite que era de conhecimento de
todos os réus por terem assinado o contrato administrativo, nota que
somada com as ordens de pagamento juntadas às fls. 95 e ss.,
evidenciam a ocorrência dos desvios de recursos públicos tal como
assinalados na denúncia.
Nos interrogatórios, os réus não negam os pagamentos a maior, sequer
contestam os valores apresentados na denúncia pelo Ministério Público,
entendem, segundo suas declarações, que os serviços foram prestados
e corretamente pagos, o que acaba por confirmar a participação de cada
um deles nos desvios. Das provas documentais e dos interrogatórios
subsume-se que CARLOS EDUARDO LEVISCHI, na condição de
Diretor-Geral do DER/RR, era quem autorizava os pagamentos; MARLY
FIGUEIREDO BRILHANTE como Diretora Administrativa-Financeira do
DER/RR, determinava os pagamentos, após autorizados por Carlos; e,
ADÃO DE PINHO BEZERRA, era o piloto, o responsável (procurador) da
empresa contratada para os transportes e o beneficiário direto dos
pagamentos indevidos.
Nesse sentido:
O réu ADÃO DE PINHO BEZERRA afirmou em síntese (f. 890) que na
época dos fatos era piloto da empresa; que a denúncia não é verdadeira;
que existia uma briga entre dois comandantes, onde um queria a vaga
do outro; que um por não ter conseguido, tentou prejudicar a todos com
as denúncias existentes no processo.
No interrogatório de fls. 889 CARLOS EDUARDO LEVISCHI refutou os
fatos constantes da denúncia afirmando que o DER/RR na época
comandava o setor de aviação do governo e que nunca foi feito qualquer
pagamento sem nota fiscal, porque o sistema não permitia a emissão de
ordem de pagamento sem nota fiscal.
A ré MARLY FIGUEIREDO BRILHANTE (f. 888) afirmou em sua defesa
que as notas que assinava eram atestadas pelo chefe do Angar do
governo estadual, chegando para o Dr. Carlos que repassava para ela,
que emitia a ordem de pagamento e após isso enviava para o setor
responsável do governo. Afirma que Adão era o gerente da empresa que
levava as notas fiscais diretamente para o Angar do governo.
Os depoimentos testemunhais não acrescentaram novos elementos de
prova aos já comentados, tendo as testemunhas Whashington Luiz Rikils
e Hélio de Oliveira Ramos (fls. 493 e 709) afirmado que não tinham
conhecimento sobre como eram feitos os pagamentos pelo DER/RR.
Apenas a testemunha Dagoberto da Silva Gonçalves (f. 887) disse ter
algum conhecimento sobre os fatos, afirmando que conhecia todos os
réus e que um ex-piloto foi quem noticiou as supostas irregularidades.
Que essas irregularidades, segundo o "denunciante", diziam respeito a
emissão de notas de empenho superiores as respectivas notas fiscais.
Diante da realidade documental do processo e em parte confirmada nos
depoimentos colhidos durante a instrução processual, restam evidentes
as condutas delituosas dos réus CARLOS EDUARDO LEVISCHI e
MARLY FIGUEIREDO BRILHANTE, que no segundo semestre do ano
de 2000, na condição de gestores do DER/RR, emitiram ordens
(assinadas por ambos) e assim autorizaram o pagamento de valores que
excederam o limite de gastos com o serviços de fretamento emergencial
de aeronaves, em proveito do réu ADÃO DE PINHO BEZERRA e em
desacordo com o Edital de Tomada de Preços nº 041/2000, que
culminou no desvio e prejuízo ao erário da quantia de R$ 359.085,60
(trezentos e cinquenta e nove mil, oitenta e cinco reais e sessenta
centavos).
Com efeito, praticaram o crime de peculato próprio, na modalidade
desvio de recursos públicos, conforme ensinamentos da doutrina de
Rogério Sanches Cunha:
"O caput do art. 312 pune o que a doutrina chama de peculato próprio,
cuja ação material do agente consiste na apropriação ou desvio de
dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de
que tem a posse em razão do cargo".
"Crimes dessa natureza afetam, sempre, a probidade administrativa,