TJSP 18/02/2009 - Pág. 1825 - Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2009
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano II - Edição 418
1825
biológica e a socioafetiva. Tutela da dignidade de pessoa humana. Procedência. Decisão reformada. 1 a ação negatória de
paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado pela Súmula n. 149 do STF, já que a demanda versa sobre
o estado da pessoa, que é a emanação do direito de personalidade. 2 - No confronto entre a verdade biológica, atestada em
exame de ENA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada adoção à brasileira (isto é, da situação de um casal ter
registrado, com outro nome, menor como se dele filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a
situação que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3 A paternidade socioafetiva, estando baseada na tendência a
personificação do Direito Civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante,
apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘adoção à brasileira’,
não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais,
proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado (TJPR, ap. Cível n.
108.417-9, Rel. Accacio Cambi, DJPR 04.02.2002) (RBDFam 24/157). Negatória de paternidade Improcedência Insurgência do
autor Alegada ocorrência de vício do consentimento Inconsistência Hipótese em que caracterizada típica ‘adoção à brasileira’
Reconhecimento, portanto, irrevogável e irretratável Ademais, os estudos social e psicológico revelaram a existência de vínculo
socioafetivo entre as partes Menor que não pode ser desapossado de seu estado de filho simplesmente em razão das ingerências
entre sua genitora e o autor Verdade socioafetiva qe sobrepuja à biológica Sentença Mantida Recurso improvido (Apelação
Cível n. 534.955-4/1-00, 8a. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Joaquim Garcia, julgado em
08.10.2008). No caso em tela, o primitivo requerente (Gonzalo) sustenta que foi enganado por sua primeira esposa, afirmação
que fundamentou o seu pedido na exordial (fls. 03, item III e IV). Verifica-se, contudo, que pelas provas produzidas, tanto o
falecido sabia da condição de não ser pai biológico de Gonzalo Eduardo desde seus três anos de idade, como também continuou
a tratá-lo como filho construindo forte relação socioafetiva entre ambos. Verifica-se pelos depoimentos colhidos durante a
instrução, que está comprovado o vínculo de filiação socioafetiva entre o falecido Gonzalo e o requerido Gonzalo Eduardo. O
tratamento dado por Gonzalo a Gonzalo Eduardo era como aquele fosse efetivamente pai deste. O lapso temporal de convivência
entre as partes demonstra a existência do estado e filiação consolidado por mais de trinta anos de convivência, inclusive pelas
possibilidades de estudo que Gonzalo proporcionou a Gonzalo Eduardo. Conforme depoimento da sra. Imaricia Benedito,
segunda esposa do sr. Gonzalo, este nunca fez diferença entre os filhos e mantinha bom relacionamento com o requerido. A sra.
Imarícia também afirmou que nunca teve conhecimento de que Gonzalo Eduardo não era filho legítimo de Gonzalo, mesmo
tendo convivido com as partes durante quatorze anos (fls. 505). Maria Guilhermina, vizinha das partes quando Gonzalo ainda
era casado com a genitora do requerido, também ratifica esta posição, afirmando que Gonzalo nunca fez distinção entre os
filhos, propiciando aos dois o mesmo padrão de vida e visitando-os, também após a separação de sua primeira esposa (mãe do
requerido). Sustenta que tanto a mãe como o sr. Gonzalo já sabiam que Gonzalo Eduardo não era filho legítimo do autor (fls.
503). A própria autora E. (filha de M.T. assim como G.E.) confirmou que o pai (Gonzalo) sempre tratou G. E.como filho e nunca
fez diferenças entre os filhos, sendo que custeou tanto os estudos de E., como os de E.E. noticiou, inclusive, que G. sabia que
G. E. não era filho biológico de G., pois a mãe de E. contou este fato para G. quando G.E. tinha três anos de idade. Apesar de
G. ter tomado conhecimento deste fato continuou a tratar G.E. como filho. (fls. 496/498). Cumpra observar, como bem apontado
pelo Dr. Promotor de Justiça em seu parecer final, que houve curso espaço de tempo entre a propositura da presente ação
negatória de paternidade (ajuizada em 23.11.2004 fls. 02) e o início da ação de interdição do sr. Gonzalo (14.03.2005 fls. 142).
Ora, pode ser que o sr. G. tenha sido influenciado pela sua então esposa (sra. M.), que no interesse de atribuir vantagem
econômica aos seus filhos (Isabela e Giovani), convenceu o autor a propor a presente ação. Segundo depoimento da própria
viúva de G. (sra. M.A.G.) este somente resolveu fazer o exame de DNA para confirmar a paternidade de Gonzalo Eduardo, após
estabelecer convívio com a mesma (fls. 494) . Segundo elementos dos autos, a viúva M. conviveu com seu companheiro por
aproximadamente cinco anos (desde 2000, segundo seu depoimento pessoal fls. 493) e o requerido já contaria com mais de
vinte e cinco anos de idade quando M. deu início à união estável com o de cujus, considerando que o requerido nasceu em
1974, demonstrando, assim, que o relacionamento entre pai (Gonzalo) e filho (G. E.) foi muito mais duradouro. O distanciamento
entre G. e G.E., ao que parece, ocorreu no final da vida de G., mais em virtude de mágoa por parte de G.E., quanto ao
ajuizamento da presente ação, do que alguma divrgência de outra natureza entre tais pessoas. A alegação de que G.E. não foi
ao hospital, ou não visitou o pai com freqüência no fim da vida do mesmo, ou ainda porque G.E. não tomou providências junto à
empresa da qual G. era sócio para que não fosse reduzido o pro labore de G. na época em que este estava afastado da empresa
por problemas de saúde, não pode ocasionar a retirada do nome de G. como pai do requerido, junto ao assento de nascimento
deste. As notícias trazidas pelas informantes arroladas pelos réus menores de idade (fls. 501/502), no sentido de que o requerido
não visitava o pai nos últimos seis anos de vida dele, também não podem ser consideradas como hábeis a ocasionar a
procedência da ação. Durante mais de 25 anos o relacionamento entre G.e G.E.foi o de pai e filho, de modo que está demonstrada
a existência de paternidade socioafetiva entre eles. Não pode uma motivação egoística servir como fundamento para a
desconstituição do vínculo já estabelecido entre as partes, pois segundo os autos é evidente, considerando as provas orais
produzidas, que o falecido sabia, desde os três anos de idade do réu, que não era pai biológico do requerido. Entretanto, mesmo
sabendo disto, continuou mantendo o relacionamento socioafetivo de pai e filho com o réu, pelo menos até 2000, quando G.
passou a viver em companhia da sra. M. Constata-se que a representante legal dos menores (sra. M.) não pode opor seu
interesse ao patrimônio do falecido, em detrimento do vínculo socioafetivo de filiação que já existia entre o de cujus G. e o réu.
Como apontado nos inúmeros casos jurisprudenciais já acima transcritos, o atual entendimento é de que a verdade biológica
não deve prevalecer sobre a verdade socioafetiva, pois deve prevalecer a situação que melhor tutele a dignidade da pessoa
humana, como também a responsabilidade mútua entre as pares. A proteção à dignidade da pessoa humana e a solidariedade
familiar são princípios que devem nortear a interpretação e aplicação dos dispositivos legais previstos no Código Civil de 2002.
Assim sendo, no caso em tela, deve ser afastada a aplicação do artigo 1601 combinado com art. 1604 para o presente caso
concreto. Está comprovada nos autos a paternidade socioafetiva exercida por 30 anos por parte de Gonzalo em relação a G.E.
e não é possível alegar falsidade do registro de nascimento, no que toca à paternidade. A impugnação da paternidade fundada
apenas na ausência de vínculo genético, não enseja a procedência da ação, pois há no caso ora em exame a paternidade
socioafetiva, que enseja a manutenção do nome de G. no assento de nascimento de G.E., com pai deste, já que efetivamente
durante a maior parte da vida de G.E., o falecido Gonzalo exerceu a função de pai, no sentido filosófico da palavra, e não
apenas de pai biológico. Por fim, observo que não é o caso de determinar o desentranhamento do depoimento da sra. M.T.C.O.,
apenas porque a mesma deixou de ser ré na presente demanda. Ora, a mesma foi inquirida pelo Juízo, tendo constado que se
tratava de depoimento da requerida. Entretanto, como se verifica dos autos, o autor G. desistiu da ação em relação a ela, tendo
a mesma sido excluída do pólo passivo da ação. Na verdade, a sra. M.T. foi inquirida como testemunha do Juízo, para
esclarecimentos acerca dos fatos discutidos nos autos. Por outro lado, não é o caso de reputar que o requerido não seja filho do
falecido G. apenas porque em ação de consignação em pagamento movida pela empresa da qual G. era sócio (Ife Indústria e
Comércio de Cabos Especiais Ltda.), não foi incluído G.E. como filho do falecido G. (fls. 507/511). Ora, a ausência de inclusão
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