TJSP 02/03/2011 - Pág. 2016 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quarta-feira, 2 de Março de 2011
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IV - Edição 904
2016
fornecimento de tais medicamentos de forma gratuita. Afirma que mesmo com insistência não encontrou um meio amigável para
solucionar a questão. Assim, requer que a ré seja compelida a fornecer-lhe os medicamentos em questão, pois não possui
condições financeiras de custeá-los. Foi deferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 39/40). A ré foi citada (fls.
44) e apresentou contestação (fls. 58/65), na qual, preliminarmente, sustenta a falta de interesse de agir do autor em relação ao
medicamento Lasix 40 mg (Furosemida). No mérito, argumenta pela improcedência da ação. Houve réplica (fls. 74/76). É o
relatório. DECIDO. Cabe, no presente caso, julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo
Civil, uma vez que é desnecessária a produção de provas em audiência. Todas as questões de fato já foram demonstradas por
meio de documentos, não sendo necessária maior dilação probatória. Inicialmente, deve-se reconhecer a falta de interesse de
agir do autor com relação ao medicamento Lasix 40 mg. Conforme é possível verificar pelos documentos de fls. 45/47, o
mencionado medicamento é padronizado e regularmente fornecido pelo Programa de Assistência Básica do Estado de São
Paulo por meio das Unidades Básicas de Saúde. Ressalte-se que, embora o autor tenha mencionado na petição inicial a
exclusão de tal medicamento do referido programa assistencial, ele não juntou nenhum documento para comprovar tal afirmação,
nem mesmo juntou qualquer documento para demonstrar o indeferimento do fornecimento de tal remédio. Assim, não está
caracterizado o interesse de agir do requerente com relação ao referido medicamento. No mérito, a ação é parcialmente
procedente. O autor afirma que é portador de várias doenças, mais precisamente diabetes, necessitando utilizar, diariamente,
os medicamentos Glifage X R 50 mg, Januvia 100 mg, Lasix 40 mg, Diacqua 25 mg, Naprix 5 mg, Concor 5 mg e Crestor 10 mg.
Com relação ao medicamento Lasix, como já exposto, este é padronizado pelo sistema público de saúde e fornecido
gratuitamente. Por outro lado, os demais medicamentos não estão padronizados (fls. 46/47). A Fazenda do Estado de São Paulo
argumenta que compete ao Executivo estabelecer políticas públicas e ações na área da saúde, mormente em relação aos
medicamentos disponibilizados, os quais deverão ter eficácia e segurança para a distribuição ao público. Nesse sentido, afirma
que o Ministério da Saúde possui uma padronização dos medicamentos e tratamentos disponíveis para as enfermidades,
configurando a interferência do Judiciário nesta área uma violação ao princípio da separação de poderes. Afirma também que o
poder público, para qualquer despesa, precisa de prévia dotação orçamentária. Não vingam os argumentos da ré. A Constituição
Federal prevê em seu art. 196 o seguinte: “A saúde é de direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.” É certo que é obrigação dos três entes da federação fornecer assistência à saúde
a toda a população. Ressalte-se que o art. 30, VII, da Constituição Federal também prevê que compete ao município, com
cooperação técnica e financeira da União e do Estado, prestar serviços de atendimento à saúde da população. Além disso,
deve-se ter em vista que a Lei nº 8.080/90 prevê em seu art. 7º, I, como princípio do SUS, a universalidade de acesso aos
serviços de saúde em todos os níveis de assistência. Nesse contexto, cabe aos Estados e Municípios preverem dotação de
crédito em seu orçamento para arcar com as ações do SUS. Ademais, diante da previsão constitucional da solidariedade dos
entes da federação para a prestação da saúde, eventual questão de repasse de verbas deve ser discutida administrativamente
entres estes entes, não podendo o cidadão arcar com eventuais divergências, pondo em risco sua saúde. Acrescente-se que o
art. 5º da Constituição Federal também prevê o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, o que está intimamente
relacionado à saúde. Dessa forma, a legislação aplicável ao caso deve ser devidamente interpretada à luz do dever dos poderes
públicos no fornecimento da saúde, bem como diante dos princípios do direito à vida e dignidade da pessoa humana. Nesse
sentido, não prospera o argumento da ré de que eventual decisão concedendo o pedido do autor implicaria em violação à
separação de poderes, pois não há intromissão na disciplina das políticas públicas, mas sim provocação do Judiciário a fim de
garantir a aplicação de direitos básicos do cidadão. O Judiciário está sendo chamado apenas para garantir direito líquido e
certo, em nada interferindo na discricionariedade do poder público para traçar as políticas da saúde pública. Nesse sentido: “E
nem se diga que tal decisório afronta o princípio da separação dos poderes porque não se trata de intromissão na condução
política da saúde e sim da necessária provocação do Poder Judiciário para garantir a aplicação das leis de modo a impor ao
Estado o cumprimento de suas obrigações sociais.” [TJ/SP-2ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível nº 808.446-5/4-00, rel.
Des. Vera Angrisani, deram parcial provimento ao recurso, v.u., j. 02.09.2008] Também descabe o argumento de que existem
dotações orçamentárias certas para saúde e decisões determinando a concessão de um específico medicamento significaria
desrespeito ao orçamento e às finanças públicas. Se assim se entendesse, seria impossível conceder qualquer tipo de
medicamento a qualquer pessoa, independentemente da situação, o que certamente geraria uma inviabilidade da análise do
caso concreto e da garantia de direitos individuais eventualmente desrespeitados. Ademais, tal interpretação alçaria o legislador
responsável pelo orçamento à única pessoa capaz de dizer o que é o direito ou não, o que não se coaduna ao controle
jurisdicional e às normas constitucionais. Além disso, quanto a este argumento, vale ressaltar o disposto no art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal, o qual dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Não se
pode admitir também o argumento de que os medicamentos fornecidos pelo SUS são padronizados e os medicamentos
requeridos pelo autor estão fora da lista existente. Diante dos princípios constitucionais já expostos, certamente não se pode
aceitar a idéia de que, diante da simples não inclusão de um medicamento em uma lista elaborada pelo Ministério da Saúde, a
sua disponibilidade estaria absolutamente vetada, independentemente da necessidade de qualquer pessoa. Aceitar esta idéia
significaria desrespeitar os princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, assim como o dever do estado em
prover a saúde, princípios e normas que não podem ser limitados por um ato infranormativo da administração pública. Nesse
contexto, resta apenas analisar os requisitos necessários para o fornecimento dos medicamentos pleiteados pelo autor. Para o
deferimento do pedido, devem ser analisados alguns requisitos, a fim de que não seja deferido medicamento, tratamento, ou
qualquer outro utensílio a quem tem possibilidade de adquiri-lo, bem como para não permitir o fornecimento de medicamento ou
método terapêutico que possui similar já adotado pelo sistema de saúde pública. Nesse sentido, é fundamental o estabelecimento
de critérios gerais e objetivos para que seja possível aferir a real necessidade do deferimento dos medicamentos pleiteados. Os
critérios adotados em diversos julgados do Egrégio Tribunal de Justiça (cf.: TJ/SP-10ª Câmara de Direito Público, Apelação
Cível nº 680.669-5/0-00, rel. Des. Reinaldo Miluzzi, j. 13.04.2009) são os seguintes: 1) necessidade do medicamento ou método
terapêutico, podendo a sua falta acarretar em prejuízos à saúde do requerente; 2) a existência do medicamento ou método
terapêutico no mercado, com a possibilidade de fácil aquisição ou utilização, não se tratando de medicamento ou método
experimental; 3) necessidade de receita, atestado ou prescrição de um médico ligado ao SUS, confirmando, sob sua
responsabilidade, a imprescindibilidade da utilização do medicamento ou método terapêutico; e 4) prova inequívoca da
impossibilidade do requerente de adquirir o medicamento ou arcar com os custos do método terapêutico. Diante dos requisitos
acima expostos, necessário analisar o caso concreto. O autor apresentou receituário emitido por médico ligado ao serviço
público de saúde (fls. 15/16), prescrevendo os medicamentos descritos na petição inicial. Além disso, o relatório social realizado
nos autos demonstra ser o autor hipossuficiente, na medida em que aufere renda de apenas um salário mínimo (fls. 34/35).
Nesse contexto, o autor preencheu todos os requisitos necessários para o deferimento dos medicamentos Glifage X R, Januvia,
Lasix, Diacqua, Naprix, Concor e Crestor, sob as expensas da fazenda pública, na medida em que estes não se encontram
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