TJSP 24/02/2012 - Pág. 1605 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Sexta-feira, 24 de Fevereiro de 2012
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano V - Edição 1130
1605
Cardoso Requerida: Santa Casa de Misericórdia de Monte Alto VISTOS. MARIA JOSÉ LOURENÇO CARDOSO, qualificada nos
autos, move a presente demanda reparatória contra a SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE MONTE ALTO, também identificada,
por intermédio da qual busca a condenação da requerida ao pagamento de pensão mensal e vitalícia correspondente ao
percentual de redução de sua capacidade laborativa, considerando a renda auferida ao tempo do evento danoso, bem como ao
fornecimento, vitalício, dos analgésicos necessários ou o equivalente em dinheiro, e ainda, ao pagamento de danos morais e
estéticos sofridos, frente a perda de movimentos da mão direita. Alegou, em síntese que, em virtude do trabalho que exercia
como cozinheira, desenvolveu problemas no pulso direito, que lhe causavam fortes dores. Na qualidade de funcionária da
Prefeitura Municipal, mantinha convênio médico com a requerida, sendo que, atendida por médico ortopedista de seu corpo
clínico, foi-lhe indicada intervenção cirúrgica. Ocorre que, após o procedimento perdeu os movimentos da mão direita, e passou
a suportar fortes dores em todo braço, necessitando fazer uso constante de analgésicos, tendo ficado, ainda, totalmente
incapacitada para o trabalho, além de suportar dano estético facilmente perceptível (fls. 02/18). Juntou procuração e documentos
(fls. 19/45). A demandada foi regularmente citada (fls. 49vº), formando, desta feita, a relação jurídica processual válida. Ofertou
resposta, suscitando em preliminar ilegitimidade passiva “ad causam”, impossibilidade jurídica do pedido e carência da ação,
requerendo ainda denunciação à lide do médico Marcelo Augusto Pires do Rio Ribeiro. No mérito, aduziu que não lhe foi
imputada culpa pelo evento danoso, mas tão somente ao médico que procedeu a intervenção jurídica, o qual jamais atuou na
qualidade de seu preposto, de forma que ausente o nexo causal. Sustentou, também, que a autora não faz juz à indenização por
redução de sua capacidade laborativa, uma vez que recebe benefício previdenciário, inexistindo comprovação nos autos da
necessidade dos medicamentos pleiteados. Ao final, sustentou ausência de comprovação dos danos morais e estéticos
pleiteados, bem como impossibilidade da acumulação deles para fins indenizatórios (fls. 54/70). Juntou documentos (fls. 71/90).
Réplica (fls. 111/122). Saneado o feito (fls. 123), as matérias preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e de carência da
ação, assim como a denunciação da lide, foram afastadas, tendo sido determinada a realização de prova pericial, além de
deferida a inversão do ônus da prova. Laudo pericial às fls. 193/196. Após manifestação da autora (fls. 198/199), o perito
prestou esclarecimentos (fls. 211). Foi noticiado o falecimento da autora, requerendo a única herdeira, ELISANGELA CARDOSO,
habilitação nos autos (fls. 247/253). Na audiência designada (fls. 261/262), houve alegação de prescrição pela ré, além de ser
deferida a habilitação pleiteada e concedido prazo para a autora apresentar manifestação. Manifestação da autora (fls. 265/267),
seguindo-se de decisão afastando a prescrição (fls. 270). Em audiência de instrução e julgamento (fls. 297), foram ouvidas três
testemunhas arroladas pela autora (fls. 298/307) e duas indicadas pela requerida (fls. 294 e 334, ambas por precatória). As
partes apresentaram memoriais, reiterando, em suma, suas pretensões deduzidas (fls. 338/342 e 344/348). É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO. Trata-se de ação indenizatória intentada pela autora, falecida no curso da demanda e sucedida por
sua filha, atribuindo a Irmandade requerida responsabilidade civil por erro médico cometido por um dos profissionais de seu
quadro clínico (ortopedista) em cirurgia ocorrida nas dependências do seu nosocômio. Por primeiro anoto que a Irmandade de
Misericórdia de Monte Alto é associação beneficente, voltada para a prestação de serviços médicos hospitalares, inscrita no
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, ostentando, assim, personalidade jurídica de direito privado (fls. 75/90). Nesse diapasão e
porque os fatos ocorreram dentro de seu estabelecimento, através de serviços prestados por um dos seus profissionais de
determinada área médica (ortopedia), tenho reunir legitimidade passiva para figurar no pólo passivo da presente. Segundo se
depreende dos autos a autora era conveniada da requerida e, com fortes dores no pulso direito - tenossinovite e síndrome do
túnel de carpa - ao procurar pelos serviços médicos da demandada lhe foi disponibilizado um ortopedista, o Dr. Marcelo Augusto
Pires do Rio Ribeiro, CRM 162.370, que lhe submeteu a procedimento cirúrgico para corrigir o problema, porém, sem sucesso,
vindo a lhe causar a perda dos movimentos da mão direita. Como visto, não só a intervenção cirúrgica foi realizada nas
dependências do nosocômico, como foi a requerida quem disponibilizou a autora-paciente o ortopedista integrante de seu
quadro clínico para lhe prestar os serviços médicos buscados. Portanto, toda a evasiva tentativa da ré em se imiscuir da
legitimidade processual não merece guarida. No mérito, porém, as pretensões não procedem, diante da ausência de elementos
seguros a caracterizar a responsabilidade civil do preposto da demandada. Senão vejamos. Como é cediço, a responsabilidade
dos profissionais da área de saúde, em regra, é de meio e depende da pesquisa da culpa, ou seja, da prova de uma atuação de
forma negligente, imprudente ou imperita. De acordo com CARLOS ROBERTO GOLÇALVES , o objeto do contrato médico é a
“prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência.
Comprometem-se a tratar o cliente com zelo, utilizando-se dos recursos adequados, não se obrigando, contudo, a curar o
doente. Serão civilmente responsabilizados quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência ou
imperícia”. Para casos deste jaez a responsabilidade da demandada (Santa Casa) advém do disposto no art. 932, III, do CC/02
(ato do seu preposto), independentemente de sua culpa, conforme art. 933, do CC/02 (responsabilidade objetiva), apresentandose, ainda, solidária àquele (art. 942, parágrafo único, CC/02). Todavia, para sua configuração com as características acima
mencionadas, imprescindível se mostra a demonstração de culpa (estrito senso), sob alguma das modalidades (imperícia,
negligência e imprudência) do presposto do estabelecimento, in causu, do médico ortopedista. Pois bem. A autora sustenta que
em virtude do trabalho repetitivo que desempenhava como cozinheira/merendeira do Município de Monte Alto acumulou
problemas no pulso direito, nomenclaturados como tenossinovite e síndrome do túnel de carpo, causadores de fortes dores no
local. Os problemas surgiram no ano de 1997 tendo sido submetida a alguns tratamentos, os quais, por terem se mostrados
inócuos, a levou a se submeter à intervenção cirúrgica, que lhe resultou na perda dos movimentos da mão direita, além de dores
no braço direito até a altura do pescoço. Mesmo submetida a uma segunda cirurgia seu quadro não se alterou. Resta, agora,
apurar se houve erro médico. Os elementos inseridos nos autos, cujo conjunto probatório instalado deve servir de subsídio para
o julgador formar seu livre convencimento acerca da caracterização ou não de responsabilidade, na forma em que projetada nos
autos, não autoriza concluir na linha argumentativa da autora. Não há dúvidas que os autos tratam de questão técnica, que em
seu cerne só pode ser elucidada por perícia. A simples leitura do prontuário geral da paciente e dos exames a que foi submetida
não permite avaliar se o caso foi bem conduzido do ponto de vista médico. Incontroverso nos autos que autora é portadora de
síndrome do túnel do carpo a direita (cf. conclusão do laudo pericial de fls. 195). Segundo o renomado médico Dr. DRÁUZIO
VARELLA (www.drauziovarella.com.br), a Síndrome do Túnel do Carpo “é uma neuropatia resultante da compressão do nervo
mediano no canal do carpo, estrutura anatômica que se localiza entre a mão e o antebraço. Através desse túnel rígido, além do
nervo mediano, passam os tendões flexores que são revestidos pelo tecido sinovial. Qualquer situação que aumente a pressão
dentro do canal provoca compressão do nervo mediano e a síndrome do túnel do carpo”. Tem como causa principal a L.E.R.
(Lesão do Esforço Repetitivo), gerada por movimentos repetitivos” E, em sede de esclarecimentos prestados, o expert integrante
do IMESC foi taxativo ao relatar que “não há como afirmar com certeza ter havido má Prática Médica, já que tal complicação
pode ser inerente ao procedimento” (sic - fls. 211). Discorreu, ainda, que inexiste intervenção cirúrgica isenta de riscos e,
aquelas que abordam o Túnel do Carpo podem levar a complicações de difícil solução, relatadas na Literatura Médica como
“sub-luxação do Nervo Mediano e Distrofia Simpático Reflexa” (sic - fls. 211) E, em resposta a quesito formulado pela autora
quanto ser a intervenção cirúrgica o procedimento mais adequado a ser empregado, diante do seu quadro médico na época (fls.
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