TJSP 01/06/2012 - Pág. 1680 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Sexta-feira, 1 de Junho de 2012
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano V - Edição 1196
1680
Processo 0002196-03.2011.8.26.0698 - Procedimento do Juizado Especial Cível - Arrendamento Mercantil - Edson Pereira
da Silva - BANCO ITAUCARD S/A - Vistos. EDSON PEREIRA DA SILVAajuizou a presente ação de cobrança em face de BANCO
ITAUCARDI S/A aduzindo, em apertada síntese, que firmou contrato de arrendamento mercantil com o banco réu, referente a
um veículo FIATmodelo Uno Miller Fire Fex, ocasião na qual lhe foi cobrada a quantia de R$540,00 a título de Tarifa de
Contratação (TC/ TAC) e, mais R$4,50 referente à cada parcela de boleto bancário, fls. 09/11. Requer a declaração de nulidade
das referidas cláusulas, das cobranças e a repetição em dobro. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/95.
Fundamento e decido. Julgo antecipadamente a lide, nos termos dos artigos 131 e 330, I, do CPC, vez que, não obstante a
questão seja de direito e de fato, prescinde de prova testemunhal, estando o feito suficientemente instruído. Primeiramente,
analiso a prejudicial de Decadência/ Prescrição Tenho que não há falar-se em prazo decadencial, eis que não se cuida de
defeito na prestação de serviços ou produtos, mas de declaração de nulidade de cláusula contratual e repetição do pagamento
indevido. A bem da verdade, incide prazo prescricional da pretensão deduzida, no caso, é de 10 (dez) anos (CC, art. 205).
Analiso a preliminar de incompetência do Juízo. Não há falar-se, no caso sob exame, de complexidade na produção probatória,
como afirma o recorrente. Verifica-se que a insurgência confunde a complexidade de solução da causa, com aquela proveniente
nos reajustes nas parcelas do financiamento em tela que é intrínseca ao contrato, e não está diretamente relacionada ao
deslinde do feito. Ora, visivelmente, nota-se que a liquidação da sentença necessita tão-somente de meros cálculos aritméticos;
descabe qualquer cálculo financeiro de maior complexidade. Mas, ressalta-se que esses cálculos não se relacionam à prova
propriamente dita. A prova dos fatos é o próprio contrato juntado aos autos, analisado à luz do direito. Nesse passo, afasta-se a
alegação de incompetência do juizado para apreciação da questão posta. Analisa-se a preliminar de carência de ação, ante a
impossibilidade jurídica do pedido, devido ao alegado ato jurídico perfeito. Em que pesem a força vinculante do contrato e o
pacta sunt servanda, é plenamente possível revisar eventuais ilegalidades na execução do ajuste, ainda que tenha havido
quitação, pois tal regra não se sobrepõe à função social do contrato. Além disso, a revisão do ajuste não fere o princípio da
intangibilidade do contrato, tendo em vista a aplicação do princípio rebus sic stantibus reservada a casos especialíssimos, em
que se procura a revisão do contrato por encargos não contratados, ilegais ou excessivos. Restou incontroversa a relação
jurídica contratual existente entre as partes, sendo certo que deverá pautar-se nas regras do Código de Defesa do Consumidor
(Súmula n.º 297 do C. Superior Tribunal de Justiça) e nas condições e cláusulas avençadas, desde que sejam compatíveis com
o ordenamento jurídico vigente. Na interpretação dos contratos de adesão regulados pelo direito consumerista, parte-se do
pressuposto de que, nas relações de consumo, existe de fato uma vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor de
bens e serviços. Isso decorre porquanto não tem ele os mesmos conhecimentos de natureza técnica sobre as informações a
respeito do objeto negocial, ou porque não consegue alcançar plenamente as consequências jurídicas do seu engajamento, ou,
ainda, em virtude de não gozar das mesmas condições econômicas e sociais da outra parte. Diante dessa situação, a legislação
consumerista corrige um possível desvio da liberdade contratual, concedendo ao consumidor direitos que restabeleçam,
juridicamente, o equilíbrio negocial. Ademais, a nulidade absoluta não convalesce com o decurso do tempo, e mesmo que se
alegasse segurança jurídica, jamais convalesceria no prazo prescricional da pretensão deduzida, no caso 10 (dez) anos (CC,
art. 205). Salienta-se que não se cuida de ação de enriquecimento sem causa, mas de restituição de quantia cobrada
indevidamente. Inexistiu, pois, ato jurídico perfeito, eis que viciado. Assim, afastam-se as preliminares argüidas. No mérito. Com
relação às tarifas ou “taxas”, vale ressaltar que o Banco Central do Brasil, mediante a Resolução nº 3.518, de 06 de dezembro
de 2007, disciplinou a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras, buscando dar mais
transparência e clareza aos clientes. O BACEN também fixou uma tabela de serviços prioritários, por meio da Resolução nº
3.371, de 06 de dezembro de 2007, explicitando o fato gerador de cada cobrança. A tarifa de abertura de crédito (TAC) visa
cobrir os custos administrativos da abertura de crédito, e era uma tarifa cobrada a cada novo empréstimo realizado. A chamada
TAC destina-se ao conhecimento da instituição financeira sobre a solvência do postulante ao crédito; tem como causa de sua
incidência a concessão do crédito, não representando uma prestação de serviço ao cliente, uma vez que o banco apenas visa
se socorrer de meios para diminuir os riscos de sua atividade, sendo seu interesse as informações angariadas nas consultas
realizadas. Essa tarifa é nula nos termos do artigo 46 e 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor, e inclusive, já foi
extinta pelo Banco Central, não sendo mais permitida a sua cobrança, nos termos da Resolução n° 3518 e Circular n° 3.371
ambas do Bacen. Por outro lado, a Circular 3.371 do BACEN permite a cobrança de tarifa de cadastro para início do
relacionamento de conta corrente, poupança e operações de crédito e de arrendamento mercantil ou para realizar pesquisa em
serviços de proteção ao crédito e base de dados, denominada Tarifa de Cadastro. Tal taxa somente pode ser debitada uma
única vez durante todo o relacionamento da instituição financeira com o cliente, e visa cobrir os custos de análise do crédito do
consumidor, servindo para minimizar o risco do banco. Porém, a cobrança dessa tarifa é abusiva, em que pese haver autorização
do Banco Central, uma vez que a realização de pesquisas sobre os dados cadastrais do cliente não caracteriza serviço solicitado
ou prestado ao consumidor, mas tão somente uma análise do negócio para resguardar e minimizar o risco do banco; risco esse
que é inerente a própria atividade desempenhada pelas instituições financeiras. Consigne-se, por oportuno, que o Banco Central
emitiu a Circular n° 3466 de setembro de 2009, proibindo a cobrança da tarifa de renovação de cadastro, que era cobrada cada
vez que ocorria a renovação de um contrato com a instituição financeira. Ressalta-se que eventual autorização da cobrança da
tarifa de abertura de crédito pela Circular 3.371 do Banco Central ou de Tarifa de Cadastro, tais exibem-se abusivas. Isso
porque, como já dito, a realização de pesquisas sobre os dados cadastrais do cliente não caracteriza serviço solicitado ou
prestado ao consumidor, mas tão somente uma análise do negócio para resguardar e minimizar o risco da instituição, aliás, esse
que é próprio de sua atividade. Nesse aspecto, ressalto que inexiste, do ponto de vista jurídico, causa que legitime as cobranças
da TAC e TC pelas instituições financeiras. As referidas “tarifas” destinam-se a cobrir gastos do banco no interesse exclusivo
deste, não traduzindo qualquer contraprestação a serviço supostamente prestado pela instituição financeira ao cliente. Acrescese que tem-se como abusivas as cobrança desse encargo, por atentar contra o princípio contratual da boa-fé objetiva e o CDC.
Com efeito, as tarifas são contraprestações cobradas como forma da utilização de um serviço colocado à disposição do cliente,
o que não ocorreu no caso concreto, já que o custeio das despesas operacionais não se refere a um serviço prestado e, na
verdade, corresponde a um ônus da atividade econômica do banco. Apesar da controvérsia que este tema suscita, respeitável
parte da jurisprudência defende a abusividade da TAC e TC, pois essas cobranças desrespeitam o art. 51, incisos IV e XII, da
Lei n.º 8.078/90, devendo ser tida como não escrita. No mesmo sentido, citem-se: TJSP, Apelação n° 7.322.550-2, 14ª Câmara
de Direito Privado, rel. Des. Melo Colombi, j. 25.03.2009; TJDFT, Processo nº 2007.01.1.142737-0, 6ª Turma Cível, Rel. José
Divino de Oliveira, DJE 11.11.2009. Ademais, a TAC teve sua cobrança excluída do rol de tarifas expressamente autorizadas em
contratos firmados com pessoas físicas, de acordo com a Resolução nº 3.518 do CMN, que disciplina a cobrança de tarifas pela
prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas pelo Banco Central, logo, serve
como um indicativo de que a mesma era ilegal e abusiva. Nesse diapasão, segue dominante a jurisprudência: “REPETIÇÃO DE
INDÉBITO - Financiamento bancário de veículos - Insurgência contra a cobrança de taxa de abertura de crédito (TAC) - Cobrança
que visa cobrir os custos administrativos da abertura de crédito -Hipótese em que a cobrança em questão não representa uma
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