TJSP 01/02/2013 - Pág. 1844 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Sexta-feira, 1 de Fevereiro de 2013
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano VI - Edição 1347
1844
indenizar os autores. Pugnou pela improcedência da ação. Os autores se manifestaram em réplica. Apresentaram petição
requerendo a devolução do valor pago a título de multa do ITBI. É o relatório. DECIDO. Inicialmente, observo que o pedido de
devolução de multa relativa ao ITBI não será apreciado, já que foi apresentado após a contestação. Deixo de acolher a preliminar
de ilegitimidade de parte passiva da ré Camargo Correa. A ré consta como incorporadora no documento juntado em sua própria
contestação as fls.196. Parece óbvio que eventuais problemas enfrentados pelos autores durante e após a conclusão da obra
são de responsabilidade dela também. No mais, se seu nome foi utilizado para venda das unidades, deve ser também lembrado
no momento de responsabilização por eventuais prejuízos. Por se cuidar de matéria de direito e diante das provas documentais
juntadas aos autos, não há necessidade da produção de provas em audiência, razão pela qual antecipo o julgamento da lide,
nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. Pretendem os autores, por esta ação, seja a ré compelida na
entrega do imóvel objeto de contrato de compromisso de compra e venda, sob pena do pagamento de multa diária. Postulam,
ainda, a revisão do contrato para que se aplique à ré as mesmas penalidades ajustadas no contrato em razão do inadimplemento
dos compradores e, ainda, indenização a título de perdas e danos. A ação é procedente em parte. Como consta dos autos, as
partes celebraram Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda, por meio do qual a ré se obrigou a construir o edifício,
para posteriormente entregar aos autores a unidade residencial objeto do compromisso, em dezembro de 2.011. Ficou ajustado
no contrato que caso a construtora não conseguisse entregar o imóvel com habite-se na data convencionada, ou seja, ainda
poderia se valer do prazo de tolerância de até 180 dias. Entretanto, o apartamento não foi entregue na data ajustada no contrato
e mesmo decorrido o prazo de tolerância de 180 dias a ré não conseguiu cumprir com a obrigação estabelecida no contrato.
Inicialmente, observo que o prazo de 06 meses adicional de tolerância previsto em contrato para conclusão das obras, não fere
qualquer norma inerente ao Código de Defesa do Consumidor e não deve ser declarado nulo pelo Poder Judiciário. O prazo de
tolerância de 180 dias é fixado justamente para possibilitar que a construtora faça frente a eventuais ocorrências extraordinárias,
sem sofrer maiores consequências. Para um contrato celebrado quando as obras do empreendimento sequer foram iniciadas é
muito difícil estabelecer um prazo correto e fixo para conclusão das obras. Em três ou quatro anos, dependendo da magnitude
de um empreendimento imobiliário, a situação econômica do Brasil enfrenta inúmeras mudanças e acontecimentos imprevisíveis
poderão, efetivamente, ensejar o atraso nas conclusões das obras. O inadimplemento fica caracterizado após o transcurso do
prazo de tolerância de 06 meses sem a entrega da unidade. Ao contestar a ação a ré admite o inadimplemento, apontando que
o retardamento no cumprimento de sua obrigação ocorreu em razão de motivo de força maior, imputando a prefeitura a demora
na concessão do habite-se. Todavia, não está comprovado que a Prefeitura descumpriu prazos para a concessão do habite-se,
nem consta a data da solicitação do habite-se pelas requeridas. Assim, o “motivo de força maior” não foi comprovado. Não se
cuidou de simples demora ou atraso na conclusão da obra, que não configuraria a mora, segundo lição do saudoso jurista
Orlando Gomes. O que se verifica na hipótese dos autos é o descumprimento da obrigação ajustada sem motivos razoáveis
para justificar. É assegurado o livre exercício da atividade econômica, mas, em contrapartida, aquele que tem acesso ao
mercado de produção de bens e serviços deve responder pelo risco da atividade empresarial. A propósito do tema, confira-se a
definição de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, “resulta a força maior de eventos físicos ou naturais, de índole
ininteligente, como o granizo, o raio e a inundação; o caso fortuito decorre de fato alheio, gerador de obstáculo que a boa
vontade do devedor não logra superar, como a greve, o motim e a guerra”. Para que se configure o caso fortuito, ou força maior,
“exigem-se os elementos seguintes: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor ...; b) o fato deve ser
superveniente e inevitável ...; c) finalmente, o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano” (Curso de Direito
Civil, Direito das Obrigações, 1ª parte, 13ª ed., Saraiva, págs.331 e 332). Assim, restou demonstrado de maneira inequívoca a
mora da ré na entrega da unidade prometida aos autores, razão pela qual o pedido merece acolhimento para se determinar que
o cumprimento da obrigação, sob pena de pagamento de multa diária pelo atraso. De outro lado, não merece guarida a pretensão
dos autores para que se aplique por simetria as clausulas penais que foram estabelecidas no contrato para o caso de
inadimplemento do comprador. Ainda que se cuide de relação de consumo, com a aplicação dos princípios do Código de Defesa
do Consumidor, não vejo da possibilidade de se interpretar o contrato com a aplicação das mesmas penalidades em face da
promitente vendedora. Alvitro que o tratamento desigual poderia ensejar a declaração de nulidade de determinadas cláusulas,
no entendimento de se tratar de cláusulas abusivas, mas não aplicá-las em detrimento da vendedora. Por derradeiro, reconheço
que a ré com o descumprimento do contrato deu ensejo a ocorrência de perdas e danos, que devem ser indenizados. Deixo
consignado desde já que o descumprimento do contrato não dá ensejo a indenização a título de dano moral. Com relação ao
dano material, oportuno lembrar que os contratos devem ser interpretados segundo as suas cláusulas e condições, e ainda, com
os deveres acessórios ou paralelos, que são princípios que não precisam estar escritos, como a boa-fé objetiva, a lealdade
contratual, a ética, a proteção recíproca dos interesses das partes. Ora, na hipótese dos autos, os autores adquiriram um
apartamento para ser entregue em dezembro de 2.011 e até a presente data não se tem noticia da entrega dos apartamentos.
Não reconhecer em favor dos autores a existência de dano material seria o mesmo que reconhecer em favor da ré o
enriquecimento ilícito. Os autores têm o direito de serem indenizados, a contar da data que receberiam o apartamento e que
dele poderiam usufruir pessoalmente ou mediante locação. Neste sentido tem decidido o Tribunal de Justiça do Estado, em
casos semelhantes. Confira-se a respeito do tema ementa de v. acórdão relatado pelo Des. Coelho Mendes, da 10ª. Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado, quando da apreciação da apelação cível 0110774-11.2011.8.26.0100, verbis:
“Alegação de ilegitimidade passiva quanto a devolução da verba de corretagem e SATI (serviço de assessoria técnico-imobiliária).
Ausência de interesse recursal configurado, uma vez que o pedido foi julgado improcedente. Recurso não conhecido nesta
parte. Compromisso de compra e venda de apartamento em construção. Atraso na entrega da obra configurado. Direito de
indenização pela impossibilidade de fruição do bem na data aprazada. Valor arbitrado a título de aluguel condizente com o
estipulado pelo mercado imobiliário. Dano moral afastado. Mero aborrecimento. Recurso parcialmente provido na parte
conhecida. Em suma: não conhece de parte do recurso e na parte conhecida dá parcial provimento”. No mesmo sentido, merece
destaque trecho de v. acórdão relatado pelo Des. Luís Francisco Aguilar Cortez, na apreciação da apelação cível 917406829.2007.8.26.0000, da 2ª. Câmara de Direito Privado, verbis: “Tal aplicação respeita o sentido da norma invocada (CDC) e a
necessidade de garantir equilíbrio entre os contratantes, notadamente, em se tratando de contrato cujo objeto é a aquisição da
moradia. Aplica-se, no caso, o disposto no art. 51, I, do CDC, ou seja, comprovado dano superior àquele previsto na cláusula
penal, devida a reparação”. Diante dos elementos constantes dos autos, de rigor o ressarcimento do promitente comprador do
valor por ele desembolsado a título de aluguel, a contar do término do período estipulado como tolerância para a entrega do
imóvel até a data da efetiva imissão de posse. Na espécie, a cobrança da malfadada taxa SATI, exigida pelas construtoras e
intermediadoras (corretoras), por ocasião da assinatura do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, para pagamento
de uma suposta Assessoria Jurídica e Imobiliária para o negócio, é inaceitável, beneficiando única e exclusivamente as
vendedoras e jamais os consumidores, adquirentes do imóvel. A exigência de pagamento de uma remuneração para Assessoria
Jurídica e Imobiliária imposta pelas empresas vendedoras deve ser rechaçada pelo Poder Judiciário. Se as vendedoras
(corretora e construtora) precisam de uma Assessoria Jurídica e Imobiliária para concretização da venda de um imóvel elas
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º