TJSP 09/09/2016 - Pág. 1804 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: sexta-feira, 9 de setembro de 2016
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IX - Edição 2197
1804
legal Vilma das Neves Silva Oliveira, ajuíza ação de indenização por danos materiais e morais em face de FONOCLÍNICA
SERVIÇOS DE FONOTERAPIA AUDIOLOGIA SC LTDA., alegando, em síntese, que buscou tratamento em fonoaudiologia junto
à requerida, tornando-se paciente de Sara Rodrigues de out/2014 a jun/2015, quando descobriu que ela não era fonoaudióloga
e exercia, portanto, ilegalmente a profissão. Em jul/2015 buscou tratamento com outro profissional e ao tentar obter seu
prontuário foi informado pela ré que o mesmo havia sumido. Requer indenização pelos danos materiais relativos à contratação
de advogado e pelos danos morais sofridos.Citada, a ré ofertou contestação às fls. 64/74.Réplica às fls. 105/117.As partes
postularam o julgamento antecipado do feito, tendo o Ministério Público opinado pela procedência parcial do pedido (fls.
130/135).É o relatório. DECIDO.Rejeito a preliminar arguida, na medida em que é prescindível a outorga de instrumento público
de procuração por genitor de menor impúbere, sendo suficiente aquela formalizada por sua mãe, por instrumento particular.Do
mesmo modo, não logrou a ré afastar a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência. Sendo a parte menor de
idade deve-se perquirir sobre a higidez ou tibiez econômica de seu representante, pois torna-se evidente que aquele não detém
economia própria capaz de propiciar o pagamento das custas e honorários do processo. Não havendo nos autos evidência
bastante de que a representante do menor possua recursos suficientes ao custeio do processo, mantém a assistência judiciária
gratuita deferida em favor do autor.No mérito, o pedido é parcialmente procedente.Restou incontroverso que o autor foi paciente
por 09 meses de Sara Rodrigues, uma falsária que se apresentava como fonoaudióloga, mas que não era profissional habilitada,
respondendo, inclusive, a processo criminal.Nesse contexto, tem inteira aplicação as disposições contidas na Lei Consumerista,
uma vez que o caso e típico de falha na prestação de serviço, pois a falsa fonoaudióloga pertencia ao quadro clínico da ré.Logo,
a responsabilidade da demandada é objetiva, em decorrência da relação negocial existente entre ela e a falsa profissional que
recebeu autorização para utilizar suas instalações, equipamentos e pessoal de apoio. Nesse sentido: “CIVIL. RESPONSABILIDADE
CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais
que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido” (STJ 3ª Turma REsp 138059/MG
Relator Ministro Ari Pargendler).Desta feita, a falsária não poderia sequer estar efetuando atendimento, quanto mais prescrever
tratamento e indicar outros profissionais para atendimento multidisciplinar.Logo, gravíssima a falha perpetrada pela clínica ré
que deixou de lado as cautelas necessárias e permitiu o ingresso de uma falsária nos seus quadros de funcionários,
possibilitando-lhe o exercício ilegal da profissão de fonoaudióloga. Ora, é evidente que a ré, em razão da atividade econômica
que explora, tinha o dever de cautela mínima, com a verificação da idoneidade documental de seus funcionários ou candidatos
ao cargo de fonoaudiólogos. A natureza dos serviços prestados pela clínica exigia rigor na avaliação dos profissionais que
realizam atendimentos, não podendo admitir fonoaudiólogos sem a conferência da documentação apresentada.Desse modo, ao
abrigar profissional não habilitada, permitindo que usufrua das suas dependências para atender aos pacientes que,
desconhecendo que vinha exercitando ilegalmente a profissão, procuram seus serviços e são ludibriados em sua boa-fé, a ré se
torna solidariamente responsável pelo ilícito havido e pelas consequências que dele emergem, sendo certo que lhe competia, na
condição de fornecedora, velar pela qualidade e legitimidade dos serviços oferecidos em suas instalações por terem sido
utilizadas como instrumento para seu fornecimento e como atrativo de clientela (CDC, art. 7º, parágrafo único). Tanto é verdade
que o art. 932 do Código Civil prevê a responsabilidade pela reparação civil do empregador por seus empregados, serviçais ou
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.Assim, não obstante os esforços em eximir a culpa da
ré pelo episódio, quando se trata de efetiva relação de consumo, a responsabilidade opera-se na ótica objetiva e solidária, ainda
mais quando se tem em mente que nem ao menos serviço foi prestado, pois houve, diante do vício na origem (falsa fonoaudióloga),
um desserviço, uma conduta potencialmente lesiva à saúde da parte autora e dos demais pacientes, imputável a toda a cadeia
de fornecimento a responsabilidade pela garantia de qualidade e adequação na prestação almejada pelo consumidor. No mais,
o agravo moral é ínsito aos próprios fatos. Colocar sua saúde nas mãos de uma pessoa que não possua qualificação técnica,
podendo, por certo, colocar em risco a integridade corporal, configura indubitavelmente um abalo moral que desborda o mero
aborrecimento cotidiano. Isto é, o atendimento do autor por pessoa desprovida de habilitação técnica e registro profissional
refoge do âmbito da previsibilidade das relações sociais e contratuais, qualificando-se como ato ilícito e, afetando o bem-estar
físico e mental, a tranquilidade e a boa-fé do consumidor, sujeitando-o a angústias, preocupações e dissabores decorrentes do
fato de que fora atendido por profissional inabilitada, com risco à sua saúde.Assim, é presumível que o paciente tenha
experimentado grave abalo emocional. Registre-se que o autor, com apenas 13 anos de idade, ao procurar os cuidados na
clínica para tratamento fonoaudiólogo, acabou sendo atendido por pessoa desqualificada.Realizou “tratamento” por 09 meses e
teve todo prontuário furtado por Sara Rodrigues, conforme noticiado no Boletim de Ocorrência n. 4315/2015. A falsa fonoaudióloga
ainda teria emitido ilegalmente guias de atendimento médico em seu nome, gerando informações desencontradas com a
declaração de imposto de renda de sua genitora, do mesmo modo falseada, o que também é objeto de apuração criminal.Além
disso, basta compararmos os relatórios de fls. 33 e 31, um emitido em 25.02.2013 e outro em 10.12.2015, para saber que o
autor continua com o mesmo quadro de respiração bucal, deglutição atípica, interposição de língua e mastigação inadequada,
acrescido de hipotonia dos órgãos (fonoarticulatórios). Assim, se é verdade que inexiste prova no sentido de que o autor teve
uma regressão em seu quadro clínico por conta do tratamento dispensado por falsa profissional, por outro lado é certo que,
após realizar meses de tratamento fonoaudiólogo, não obteve nenhuma melhora, o que não deixa de ser um prejuízo.Nesse
sentido se manifestou o Parquet: De qualquer maneira, restou comprovado que o tratamento realizado pela falsa fonoaudióloga
se manteve por meses, acobertado pela inépcia da requerida em fiscalizar os serviços prestados pela sua empregada. A mesma
postura também se repetiu ao não adotar as providências cabíveis para assegurar que os prontuários de todos os pacientes,
clientes que ali se tratavam, fossem mantidos sob sua guarda.Com relação ao quantum, a indenização deve ser estabelecida
em importância que, dentro de um critério de prudência e razoabilidade, considere sua natureza punitiva e compensatória a
primeira, como uma sanção imposta ao ofensor, por meio da diminuição de seu patrimônio, e a segunda, para que o ressarcimento
traga uma satisfação que atenue o dano havido.Desta forma, não há que se falar em indenização inexpressiva, pífia, que gera a
impunidade e o descaso nas relações civis, no que diz respeito ao causador do fato, nem em exorbitância que acarreta o
enriquecimento sem causa, no que diz respeito ao ofendido.Sopesando tais elementos e levando-se em consideração as
circunstâncias do caso concreto, fixo o valor da indenização em R$ 10.000,00, com correção monetária pela tabela prática do E.
TJ/SP, desde esta sentença, e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, quantia esta que entendo razoável e suficiente
para repreender a rés, de modo que não venha reiterar sua conduta indevida e ilícita, ao tempo em que compensa o autor pelo
prejuízo experimentado, sem, contudo, lhe gerar locupletamento sem causa.Por fim, o pedido de indenização não tem como ser
acolhido, pois, como bem observado pelo Ministério Público, os valores cobrados não guardam relação direta com aqueles
pagos pelo tratamento do autor junto à requerida.De fato, os honorários contratuais dispendidos para atuação em juízo não
podem ser cobrados da parte contrária, ainda que vencida, porque para essa reparação existem os honorários de sucumbência.
A propósito, confira-se: COMPRA E VENDA. ATRASO EM ENTREGA DE IMÓVEL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. OBRIGAÇÃO
DE FAZER. (...). 5. Honorários contratuais. Indenização. Não cabimento. Autonomia de vontade. Negócio jurídico entre a parte e
seu advogado. Res inter alios. Liberalidade de uma parte que não pode obrigar a vencida. Impossibilidade de imposição ao
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