TJSP 04/09/2017 - Pág. 3705 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 4 de setembro de 2017
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano X - Edição 2424
3705
utilização de contratos de massa e onde, com mais evidência surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário”
(destaque de voto do Resp 57.974-0-RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, STJ).Diante disso, vê-se que a relação entre as
partes é relação de consumo e o autor a parte hipossuficiente, hipótese em que, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, da Lei n.
8.078/90, é cabível a inversão do ônus da prova.Nesse sentido, ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de A. Nery que a
inversão pode ocorrer em duas situações distintas: a) quando o consumidor for hipossuficiente; b) quando for verossímil sua
alegação. As hipóteses são alternativas, como claramente indica a conjunção ou expressa na norma ora comentada. A
hipossuficiência respeita tanto à dificuldade econômica quanto à técnica do consumidor em poder desincumbir-se do ônus de
provar os fatos constitutivos de seu direito. (Leis Civis Comentadas, 1.ed., 2. tiragem, RT: São Paulo, 2006, p. 190).Assim,
sendo certo que ao autor seria extremamente difícil a prova de fato negativo, qual seja, que não contratou o empréstimo, caberia
ao requerido a prova da regularidade da contratação.Ocorre que o requerido não se desincumbiu de seu ônus, inclusive
admitindo a existência de fraude na contratação do empréstimo consignado.Em que pese as considerações apresentadas em
contestação, é do entendimento que há sim responsabilidade da instituição bancária na análise de documentos a ela
apresentados quando da contratação de novos serviços, não podendo o requerente ser prejudicado, ainda que a ação lesiva
não tenha vindo diretamente da ré.É evidente que a contratação do empréstimo não foi regular de modo que também são
irregulares todos os descontos efetuados a este título na folha de pagamento do autor.Vale ressaltar que, de acordo com os
documentos carreados pelo requerido facilmente se observa que no contrato de empréstimo houve autorização para desconto
no benefício atribuído ao autor (fls. 31 e 41/49).O requerido é, pois, responsável pelos prejuízos decorrentes da relatada fraude.
Anote-se que não comprovou nos autos a cautela que diz ter tomado antes da concessão de crédito à pessoa que se fez passar
pelo autor, uma vez que a cópia dos documentos trazidas aos autos não é suficiente para se concluir ter o réu tomado as
cautelas necessárias. Como se vê não comprovou nos autos a regularidade deste empréstimo consignado.Prosseguindo, nos
termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) o fornecedor de produtos e serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação, bem como por informações insuficientes ou inadequadas (artigo14).Portanto, o dever de indenizar decorrente da
deficiente atuação da instituição bancária nesse setor prescinde do elemento da culpabilidade. Trata-se da denominada
responsabilidade objetiva fundada, aqui, na teoria do risco profissional.De acordo com a teoria do risco profissional, aquele que
exerce atividade com fins lucrativos, porque aufere lucros, deve assumir o risco dos danos que possa causar.Neste mesmo
sentido, Rui Stoco ensina que a responsabilidade objetiva, sem indagação de culpa, por parte dos bancos, passou a ser a regra,
seja por força do Código do Consumidor (art. 14), das teorias do risco profissional e da guarda da coisa, seja, ainda, por
decorrência do disposto nos arts. 932, III, c.c. o art. 933 do CC. (Tratado de Responsabilidade Civil, Editora RT, 7ª ed., 2007, p.
656).E ainda: “Pela sistemática do Código de Defesa do Consumidor, tanto a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço,
como a oriunda do vício do produto ou serviço, são de natureza objetiva, prescindindo do elemento culpa para que haja o dever
de o fornecedor indenizar. Com efeito, pela adoção da responsabilidade objetiva pela Código de Defesa do Consumidor, perde
relevância a culpabilidade como fundamento do dever de indenizar, pois uma das conseqüências da responsabilidade objetiva
ou teoria do risco integral, é, justamente, a prescindibilidade da culpa” (in Direito do Consumidor, nº 5, Janeiro/Março-1993, RT,
p. 245/246).Assim, a responsabilidade das instituições bancárias nos danos causados ao consumidor independe da existência
de culpa. Como se sabe, nos casos em que há reponsabilidade objetiva, não se exige a comprovação da culpa, bastando para
que surja o dever de indenizar o fato material, o dano correspondente e o nexo causal.A responsabilidade da insituição bancária
pode ser afastada caso o banco comprove culpa do cliente ou alguma outra causa excludente.Veja-se a respeito: “Os bancos
respondem pelo risco profissional assumido, só elidindo tal responsabilidade a prova, pela instituição financeira, de culpa grave
do cliente, ou de caso fortuito ou força maior”. ( 1º TACSP 7ª C. Ap. Rel. Luiz de Azevedo j. 22.11.83 RT 589/143).Dessa forma,
não prospera a alegação do requerido no sentido de que não agiu com culpa, uma vez que, para eximir-se de sua responsabilidade,
deveria comprovar a culpa exclusiva do cliente, o que não ocorreu.Assim, de rigor o reconhecimento de sua responsabilidade
ante os descontos indevidos no benefício do autor.Resta salientar que o banco vende o serviço afirmando-o seguro, e nesse
sentido pesa-lhe a obrigação de reparação, seja por não havê-lo sido, permitindo a ação de fraudadores contra os quais
remanesce o direito de regresso, seja por não deter as informações que demonstrassem a participação do autor na movimentação,
único fato capaz de eximi-lo do dever de indenizar.Superada esta premissa, verifica-se que foram comprovados nos autos os
descontos indevidamente efetuados, que deverão ser devolvidos em dobro, haja vista a aplicação do artigo 42, parágrafo único,
do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, no que diz respeito ao pedido de reparação por dano moral, observo que o autor
fundamentou seu pedido no descaso com que foi tratado pelo requerido. Não obstante, tal frustração, por certo, não ultrapassa
o mero aborrecimento, não se mostrando apta a causar o abalo psíquico noticiado pelo autor.Em pouco tempo o autor não mais
se lembrará do desagradável episódio.Rui Stoco, buscando conceituar a expressão dano psíquico afirma: “o indivíduo, em razão
de determinado fato, sofre fortes emoções que ofendem ou alteram o seu psiquismo e comportamento durante determinado
período de tempo. Está-se, então, diante do dano moral. E, neste caso, ‘dano psíquico’ exsurge tão-somente co mo expressão
sinônima de ‘dano moral’, em que a pessoa é atingida na sua parte interior, anímica ou psíquica, através de inúmeras sensações
desagradáveis e importunantes, como, por exemplo, a dor, a angústia, o sofrimento, a tristeza, o vazio, o medo, a insegurança,
o desolamento e outros”. (in Tratado de Responsabilidade Civil, Editora RT, São Paulo, 7ª ed., 2007, p. 1678).Anote-se que
nada há nos autos a indicar tenha o autor experimentado sentimentos de dor, angústia e padecimento psíquico em razão dos
fatos aqui narrados. É certo, ainda, que o dano moral não é sempre presumido, cabendo à parte que o pleiteia a comprovação
de sua ocorrência.Dessa forma, inexistente o dano, nada há a indenizar, restando, assim, improcedente a ação nesta parte.
Nesse sentido, destaca Rui Stoco que a doutrina é quase unânime em afirmar, como não poderia deixar de ser, que não há
responsabilidade sem prejuízo. O prejuízo causado pelo agente é o ‘dano’. O dano é, pois, elemento essencial e indispensável
à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato lícito, nas hipóteses expressamente previstas, seja de ato
ilícito, ou de inadimplemento contratual, independentemente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva. (in
Tratado de Responsabilidade Civil, Editora RT, São Paulo, 7ª ed., 2007, p. 128).No caso vertente não se extrai da conduta do
réu potencial para gerar lesão relativamente intensa e duradoura, característica da dor moral.DispositivoAnte o exposto, JULGO
PROCEDENTE EM PARTE a presente ação para o fim de declarar inexistente a relação jurídica entre as partes, no que respeita
especificamente ao contrato de empréstimo consignado em epígrafe, tornando definitiva a liminar deferida nos autos e condenar
o réu Banco Pan S/A a devover em dobro ao autor os valores indevidamente descontados de sua aposentadoria, devidamente
corrigidos a partir de cada desconto e acrescida de juros de mora de 1% a.m. desde o evento danoso, nos termos da Súmula 54
do STJ. Ante a sucumbência em maior proporção nos pedidos, condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação.JULGO EXTINTA a presente ação, nos termos do artigo 487,
I, do Código de Processo Civil.P.R.I. - ADV: PAULO ROBERTO JOAQUIM DOS REIS (OAB 23134/SP), ANDRE BETARELLO
(OAB 371561/SP)
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