TJSP 22/07/2019 - Pág. 2014 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 22 de julho de 2019
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XII - Edição 2852
2014
documento (fls. 79). Réplica (fls. 82/83). Juntou documento (fl. 84). Determinada a especificação de provas (fl. 90), somente a
FESP se manifestou concordando com o julgamento antecipado da lide (fls. 92). A parte autora apresentou novo relatório médico
(f. 95/97), com ciência das partes. Manifestação do MP (fl. 88/89 e 102/103). É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. 1 - Passo
ao julgamento no estado em que se encontra o processo, tendo em vista ser desnecessária a produção de outras provas,
bastando os documentos que constam dos autos e a aplicação do Direito (CPC, art. 355, I). 2 - Primeiro, anoto que o direito à
saúde pode ser exercido contra todos os entes da Federação, a teor do art. 196 da CF. A Lei 8080/90 é norma transitiva
federativa, isto é, oponível aos entes da Federação, para que acertem entre si a melhor forma de realizar esse direito. Não
pode, pois, ser oposta ao cidadão, pena duma lei ordinária disciplinar de modo contrário ao espírito constitucional. Assim,
reconheço a legitimidade passiva do Município de Mogi das Cruzes. 3 - No mérito, a pretensão inicial é parcialmente procedente.
O documento de f. 97 dá conta da gravidade do estado de saúde do autor e da necessidade de receber o tratamento de
hemodiálise em clínica próxima à sua residência, a fim de evitar o agravamento de sua doença. Por conseguinte, com intuito de
evitar celeumas e gravames à segurança jurídica, este Juízo aquiesce às teses consolidadas no âmbito do E. TJ/SP. Preceitua
a Constituição Federal, em seu art. 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, GARANTIDO mediante o acesso
universal e igualitário ÀS AÇÕES E SERVIÇOS para sua promoção, proteção e recuperação. Sobre a extensão desse direito,
ensina José Afonso da Silva, verbis: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício. (...) A norma do art. 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica
constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula ‘a saúde é direito de todos’ (...) e, de outro
lado, a obrigação correspondente, na cláusula ‘a saúde é dever do Estado’, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade da Administração indireta.” (‘Comentário
contextual à Constituição’, 2ª ed., SP: Malheiros Editores, p. 767/768) Dessa forma, resulta inconteste que o autor, como cidadão
brasileiro, é detentor de um direito garantido pela Lei Maior, e que deve ser implementado pelo Estado, em quaisquer de suas
esferas, seja qual for o nível. Dito isso, resta consignar que o Estado (União, Estados, DF e Municípios) detém responsabilidade
quanto ao fornecimento de medicamentos e insumos ou aparelhos necessários ao tratamento médico. É o que ensina, também,
a jurisprudência de nossa Corte Paulista, a saber: “A pretensão ao fornecimento de remédio, insumos ou aparelhos necessários
ao tratamento médico, pode ser dirigida à União, ao Estado ou Município, porque a indisponibilidade do direito à saúde foi
proclamada pelo STJ como consequência indissociável do direito à vida.” (Des. Amorim Cantuária, 3ª Câm. Dir. Público, Apelação
0002029-58.2011.8.26.0383) Por sua vez, a Lei Federal 8.080/90 - que regulamenta a estrutura do Sistema Único de Saúde estabelece competência conjunta da União, Estados e Municípios para o exercício de atribuições administrativas (artigo 15).
Não é lei transitiva nacional, mas sim transitiva federativa, razão pela qual seus comandos destinam-se apenas à organização
administrativa, isto é, à forma e ao modo como os medicamentos devem ser dispensados pelas instâncias da Federação. É lei
interna corporis da Federação. Não pode, por isso mesmo, ser oposta ao cidadão, pois é uma lei que visa apenas à
regulamentação das relações jurídicas entre os entes federados. Não se opõe, pois, ao comando do art. 196 da CF esse sim, de
caráter nacional, eficácia imediata e aplicabilidade incondicionada. Sobre o assunto, colaciono a seguinte lição: “(...) No mais, a
Lei 8.080, de 1990, ao instituir o Sistema Único de Saúde (SUS), não o fez para impor rigidez às atribuições de cada Ente
incumbido de promover e recuperar a saúde, mas sim para determinar a coparticipação e atuação articulada destes órgãos
públicos, no intuito de ampliar e melhorar o atendimento à saúde pública em todo o território nacional.” (Des. Régis de Castilho
Barbosa, 1ª Câm. Dir. Público, Agravo de Instrumento 0117418-42.2012.8.26.0000). Portanto, resta inconcusso que os entes
políticos respondem solidariamente por essa obrigação, sendo incabível o expediente de tentar repassar ao outro o dever de
garantir o acesso universal ao direito à saúde. Vale salientar que o receituário médico evidencia a necessidade do específico
exame prescrito, devendo-se considerar, ainda, a inexistência de questionamentos ou contraprova suficiente para evidenciar a
inutilidade do exame ou se estabelecer questionamentos acerca da capacidade técnica do profissional da saúde que os
prescreveu. Por fim, não há que se falar em mácula à isonomia ou a tripartição de funções. Primeiro, porque as políticas
públicas de saúde visam ao atendimento de toda a população; mas quando algum cidadão necessita de uma atenção e cuidado
especiais, deve recebê-lo. Isso não é criar distinção; ao revés, é tratar os desiguais na medida de sua desigualdade, a fim de
igualá-los com todos os demais. E não há interferência do Judiciário no Executivo. O Judiciário não está formulando políticas
públicas, tampouco alterando a peça orçamentária. Está, apenas, resolvendo uma lide surgida entre a parte autora e os
Executivos Municipal e Estadual. Também não procedem as alegações de violação aos constitucionais princípios republicano e
da separação dos Poderes, porque estaria o Judiciário invadindo seara do Executivo ao determinar a entrega de tal e qual
medicamento, sem previsão orçamentária e fora das prioridades e dos planos estabelecidos por quem de Direito. Ledo engano.
Ao Executivo, obviamente, cabe implementar políticas públicas de saúde, visando ao acesso UNIVERSAL e IGUALITÁRIO de
todos os brasileiros. Para atingir tais objetivos, não pode privilegiar ninguém. Deve agir pautado na legalidade, na
IMPESSOALIDADE, na moralidade, na eficiência e na publicidade. Ora, e o Poder Judiciário serve, justamente, para o
atendimento de casos concretos. A ele incumbe concretizar o espírito da lei, dar máxima eficácia ao ordenamento jurídico e
garantir, exponencialmente, os direitos fundamentais de toda pessoa. Aferindo a situação concreta, o litígio exposto e a situação
de cada Pessoa, pode o Judiciário, então, dizer o Direito. De outro modo, seria inútil, pois já haveria a Lei e os Atos Administrativos.
Por isso já advertia o célebre advogado SOBRAL PINTO, in verbis: “(...) Urge, porém, não nos esquecermos que o homem
abstrato não existe, que a humanidade duas vezes repetida é uma quimera, que não existem homens senão no estado completo,
associados a outros homens, indivíduos dotados de forças reais, de propriedades determinadas, que, entre estes homens
concretos, vemos tudo muito diferente da igualdade. A idade, o gênio, a força, a agilidade etc., tudo é desigual entre eles, tudo
é desigualdade e esta desigualdade resulta da natureza que produz os indivíduos tanto quanto a espécie. Estaríamos, então, no
direito de concluir que os homens, por sua própria natureza, são individualmente desiguais e especificamente iguais, e que se
procederá de acordo com a Justiça desde que se respeitem os direitos individuais daqueles com os quais se entra em relação.
A Justiça, portanto, para permanecer fiel à sua missão tem de seguir, nos julgamento que profere, o critério da igualdade dos
homens, considerados debaixo do ponto de vista específico, e o da sua desigualdade, quando encarado sob o aspecto das suas
respectivas individualidades. Só à luz desta orientação é que a Justiça poderá realizar e preencher a sua nobre função, pois é
indispensável considerar que esta desigualdade individual e esta igualdade específica não são contraditórias: que são, com
efeito, as propriedades individuais relativamente às propriedades específicas. Elas constituem um conjunto de diversidades
individuais pelo qual atuamos e desenvolvemos as forças da natureza.” (‘A missão da Justiça’, Archivo Judiciário, v. LVII, RJ,
1941, p. 3, destaquei.) Dessa forma, o Judiciário não invade seara alheia ao analisar o pedido de determinada pessoa. Analisa
caso a caso. Examina o Direito. Realiza a Justiça ao caso concreto. Isso se chama EQUIDADE. Furtar-se a isso seria subverter
postulados básicos do Estado Democrático de Direito, deixando totalmente desamparado o cidadão. Demais disso, deve o
Estado-Executivo, ao programar suas despesas, saber que, além daquelas gerais e abstratas, decorrentes de gastos universais
e igualitários, surgirão, por óbvio, casos específicos, a reclamar soluções urgentes e verbas prementes. Logo, de rigor a
procedência desta causa, com a concessão da tutela de urgência. Por fim, não se pode considerar a ocorrência de
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º