TJSP 07/04/2020 - Pág. 1815 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: terça-feira, 7 de abril de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIII - Edição 3021
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qualquer elemento técnico hábil a infirmar os critérios de avaliação utilizados ou a conclusão do expert. Com efeito, a prova
técnica produzida sob o crivo do contraditório judicial comprovou o nexo de causalidade entre a obra realizada pela ré e os
danos ocasionados na residência das autoras, sendo o bastante para a integral procedência dos pedidos formulados. Anoto
desde logo que se mostra totalmente irrelevante a data da edificação da residência das autoras ou mesmo das alegadas
ampliações e o padrão construtivo utilizado à época, pois caso não realizada a movimentação de terras, bem como a construção
no terreno lindeiro a construção permaneceria intacta tal como erigida anos atrás. O nexo de imputação restou caracterizado em
razão da atividade realizada pela ré que desencadeou a sucessão de eventos causadores dos danos constatados, de modo que
o argumento quanto ao padrão construtivo utilizado não comporta acolhimento. A escavação realizada pela ré sem as cautelas
técnicas devidas que redundou nos danos e não, como tenta fazer crer, a alegada inexistência de reforço na estrutura dos
imóveis antigos ou ausência de prévia autorização municipal. A leitura às avessas do Laudo Pericial não faz sentido algum,
como se responsabilidade pelos danos fosse da vítima do evento, ou melhor, a existência de uma edificação antiga fosse o
motivo dos danos verificados e não postura irregular da ré que não adotou as cautelas devidas no momento da construção.
Irrelevante ainda o fato de outros imóveis lindeiros apresentar comportamento diverso, à medida que comprovado o nexo de
causalidade entre a conduta da ré e os danos havidos, cabendo ao responsável pela edificação adotar as cautelas necessárias
para não causar danos a todos os vizinhos, não podendo, simplesmente sob tal argumento eximir sua responsabilidade. Ora,
como profissional da área, sabendo de antemão a qualidade do solo (fls. 170/171 e 179/182) e que os imóveis vizinhos eram
antigos, com mais razão deveria a ré adotar cautelas adicionais quando do inicio das obras de modo a evitar a ocorrência de
danos nos imóveis dos autores, não podendo agora justificar o ocorrido em razão da estrutura antiga das construções. A
responsabilidade civil exige, para o surgimento do dever de indenizar, em sua modalidade subjetiva, consoante a letra do artigo
186 do Código Civil, ação ou omissão, dano, nexo de causalidade e culpa (cf., nesse sentido, Nestor Duarte, in Código Civil
Comentado, org. Cezar Peluso, Barueri: Manole, 2007, p. 123). A obrigação imposta a uma pessoa, de ressarcir os prejuízos
sofridos por outra, denominada responsabilidade civil, tem origem na prática de um ato que infringe a ordem jurídica vigente, ou
seja, de uma conduta antijurídica, causadora de um dano ou lesão a outrem, que tem como suporte genérico e amplo o artigo
186 do Código Civil. Para que se configure a obrigação de indenizar, indispensável que estejam presentes os três requisitos
ensejadores da mesma, quais sejam: (i) o ato ilícito, (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) o nexo de causalidade entre o
dano sofrido e a conduta ilícita. Cabe ao prejudicado demonstrar o preenchimento dos requisitos essenciais da responsabilidade
civil, sendo que no caso em tela esses requisitos foram preenchidos, sendo de rigor a procedência da ação. A culpa, por sua
vez, consubstancia-se na inobservância de um dever objetivo de cuidado imposto que venha a acarretar um resultado danoso.
A conduta, não obstante a ausência de vontade de seu autor na consecução do evento, gera a obrigação de indenizar, por conta
da falta da necessária cautela. O dever de cuidado, em determinadas situações cotidianas, tem regulamentação normativa,
como ocorre no que toca à edificações e construções, sendo inafastável o nexo de causalidade entre a construção do galpão e
escavação realizada pelos réus e os danos havidos nos imóveis dos autores. E quanto à avaliação imobiliária para fins de
reparação material/locação, não restou evidenciado que o laudo pericial esteja tecnicamente incorreto e tampouco que o critério
de avaliação utilizado seja inadequado à determinação do justo valor, tendo, inclusive, se lastreado em método comparativo
direto de dados de mercado (fls. 397/408). Com efeito, embora o Juízo não esteja adstrito à conclusão pericial, a rejeição da
perícia constitui medida excepcional, devendo ocorrer apenas quando existentes outros elementos probatórios contrários e mais
convincentes que o laudo. Nesse passo, meras alegações da parte a quem desfavorece não são suficientes para infirmá-lo,
incumbindo provar a incorreção ou inexatidão do laudo mediante elementos técnicos que amparem a tese alegada, o que
inocorreu no caso vertente, devendo prevalecer, assim, as conclusões do expert. Tem-se do conjunto probatório contido nos
autos, portanto, que inexistem dúvidas acerca dos danos materiais causados ao imóvel das autoras, bem como do nexo causal
entre estes e a obra realizada no imóvel de propriedade da requerida, sendo imperiosa a reparação dos prejuízos ocasionados,
devendo-se observar a quantia apontada no laudo técnico, de R$ 219.111,00 (out 2019), obtida mediante cálculo do valor das
benfeitorias (R$ 175.289,00) multiplicado pelo fator de 1,25 relativo aos custos de recuperação/recomposição do terreno e
confecção de muro de contenção (cf. fls. 465). Os lucros cessantes, em decorrência da impossibilidade de locação do imóvel
são também devidos, vez que, em não sendo destinado à moradia do proprietário, constitui a destinação econômica e social
ordinária do bem. Veja-se que a qualificação exordial evidencia que as autoras não residiam no local, de modo que, presumido
seu uso para complementação da renda, sendo assim devida a reparação correspondente, desde a interdição total e permanente
do imóvel (28/05/2018 cf. termo de fls. 59) até o efetivo pagamento do valor devido para reconstrução do imóvel, observado o
valor mensal de R$ 1.790,00 apurado em perícia (cf. fls. 397/423 e 465/466). Outrossim, desnecessário comprovar a efetiva
disponibilização do imóvel para locação ou a existência de propostas por parte de terceiros, face à impossibilidade de utilização
do bem em razão dos danos causados, o que, por si constitui fator determinante para a condenação da ré ao pagamento dos
lucros cessantes postulados. De igual sorte, os danos ocasionados ao imóvel das autoras utilizado como fonte de renda extra
interditado desde 2018, com a necessidade de demolição de todas as construções remanescentes e construção de nova
edificação, gera presunção da ocorrência de reflexos psíquicos negativos decorrentes de tal circunstância. No mais, entendo
ainda que o dano moral restou demonstrado, na medida em que o fato narrado causou à autora angústia, constrangimento e
transtornos, decorrente da interdição da moradia dos autores pela Defesa Civil, necessidade de deslocamento urgente e
realocação em outro lugar, além dos graves danos causados na estrutura das edificações. A ocorrência de danos extrapatrimoniais
está ínsito na própria ofensa, existe in re ipsa, decorrendo do próprio fato ofensivo. Destarte, provada a ofensa, demonstrado
está o dano a ser reparado, dispensando a efetiva prova do dissabor experimentado. Isso porque, em casos como o presente, o
dano moral independe de demonstração do efetivo abalo psicológico da vítima, bastando a comprovação da existência de um
fato que, diante da vida em sociedade, normalmente produziria o prejuízo extrapatrimonial alegado. Trata-se do dano in re ipsa,
ou seja, que emerge da natureza do ilícito praticado. Nesse sentido é o aresto do E. TJSP: “DIREITO CIVIL. DIREITO DE
CONSTRUIR. IMÓVEL CONFINANTE. DANOS TRINCAS E FISSURAS. NEXO CAUSAL. Havendo danos no imóvel provocados
por construção vizinha, responde o vizinho que executou as obras pelo ressarcimento dos reparos necessários em razão de sua
responsabilidade objetiva. São devidos os danos materiais e morais. Ação de reparação de danos parcialmente procedente e
recurso improvido” (TJSP. Apelaçãonº 0127189-35.2012.8.26.0100. 35ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Clóvis Castelo.
Julgado em 27/05/2013). Ao que se tem do caso concreto, os prejuízos experimentados pelas autoras não configuram meras
frustrações corriqueiras, de menor importância, mas efetivos danos morais, impondo-se, pois, a correspondente reparação. No
que tange ao quantum indenizatório, tem-se que a indenização arbitrada em ação de reparação de danos morais deve ser fixada
em valor suficiente a reconstrução do constrangimento suportado pela vítima e capaz de impedir que o ofensor se perpetue à
prática de atos ilícitos. Contudo, o quantum arbitrado, apreciadas as circunstâncias do caso concreto (extensão do dano e
capacidade econômica das partes), não pode se tornar numa fonte de enriquecimento/empobrecimento indevido. Então, ante a
omissão legislativa acerca de critérios objetivos, cabe ao magistrado, quando do arbitramento do dano moral indenizável, aterse aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a teoria do desestímulo, gravidade, a extensão do dano e a capacidade
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º