TJSP 16/04/2020 - Pág. 961 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 16 de abril de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIII - Edição 3026
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ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social
da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de
pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado
a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei” - grifo nosso. Por sua vez, a Lei Federal n. 13.874/2019 dispõe que: “Art. 1º.Fica instituída a Declaração
de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade
econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do
art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal: (...) § 6º Para fins do disposto nesta Lei,
consideram-se atos públicos de liberação a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro,
o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação, por órgão ou entidade da
administração pública na aplicação de legislação, como condição para o exercício de atividade econômica, inclusive o início, a
continuação e o fim para a instalação, a construção, a operação, a produção, o funcionamento, o uso, o exercício ou a realização,
no âmbito público ou privado, de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento,
veículo, edificação e outros. Art. 2ºSão princípios que norteiam o disposto nesta Lei: I - a liberdade como uma garantia no
exercício de atividades econômicas; II - a boa-fé do particular perante o poder público; III - a intervenção subsidiária e excepcional
do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e IV - o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o
Estado. Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV docaputdeste artigo,
limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência”. Vê-se, pois, que a livre atividade econômica e empresarial é a
regra, sendo exceção a sua vedação ou a intervenção estatal nela, seja para restringi-la, seja para impedi-la. Isso significa que
a intervenção do Estado na atividade empresarial e econômica deve ser mínima, ou seja, naquilo minimamente necessário à
vida social e à proteção da sociedade, sempre dentro da razoabilidade e da proporcionalidade, até para afastar qualquer abuso,
o que não se altera em tempo de crise ou de pandemia ou de calamidade pública. Se a intervenção na atividade econômica é
justificável no momento, por conta da situação de calamidade pública generalizada originada de uma pandemia viral sem cura
ou tratamento ainda satisfatórios e seguros, tal intervenção deve se dar de forma mínima, dentro do razoável e somente naquilo
que for necessário à garantia da população e da saúde pública, nada mais, até porque nada mais é autorizado pelo ordenamento
vigente. Destarte, tem-se pela ineficácia jurídica das restrições baixadas pelo ente municipal nesses decretos. E, sendo
juridicamente desprovido de efeitos, não podem ser aplicados, nem podem prevalecer, impondo-se ao juízo, no plano concreto,
afastar a sua incidência. Daí não poder a autoridade municipal adotar meios concretos para, com base nessa normatividade
municipal, fechar ou impedir o funcionamento de postos de combustíveis nesta cidade, ainda que de forma parcial, restringindo
e limitando horário de atendimento e clientela a ser atendida. Daí a concessão da medida liminar, ante a presença de seus
requisitos legais, fumaça do bom direito e perigo na demora. Outrossim, o fechamento de posto de combustível, mesmo que
parcial, através de limitação e restrição de horário e clientela, se afigura ato abusivo e ilegal, não só por conta do acima
apontado, mas também porque é contraproducente e ofende a razoabilidade, indo além do que se estima necessário para o
combate a uma pandemia ou epidemia viral, haja vista que, por sua natureza, exerce atividade essencial à realidade atual,
assim como se dá com o setor alimentar e farmacêutico. E isso se constata pela simples inexistência de qualquer restrição em
igual sentido nas normas estadual e federal que foram baixadas para fins de se regulamentar a mesma situação subjacente.
Observa-se que, sem o fornecimento de combustível, não há, na realidade atual e que não pode ser desconsiderada, como
haver deslocamento satisfatório e adequado de pessoas que precisam trabalhar para atender ao mínimo necessário, incluindo
aí o setor farmacêutico e alimentar, a par dos próprios profissionais de saúde que socorrem os nosocômios e as pessoas
enfermas que precisam a eles acorrer com a maior agilidade possível, independente de dia e hora. Não há, pois, bom senso em
se impedir, ou em caráter prévio e abstrato limitar, o funcionamento de postos de combustíveis, seja de horário, seja de clientela
ser atendida, a ofender a razoabilidade, que é princípio implícito no artigo 37 da Constituição Federal e expresso no artigo 111
da Constituição do Estado de São Paulo. Na conformidade da legislação federal e estadual de regência, durante o período de
calamidade pública existente, os postos de combustíveis pode e devem funcionar no horário regular que já funcionavam e como
funcionavam antes, sem poder lhes ser vedado o exercício dessa atividade empresarial, nem lhes ser restringido por norma
municipal o alcance desse exercício, em horário determinado prévia e abstratamente, ou o alcance da clientela a ser atendida.
Eventuais limitações nesse sentido só poderiam ser veiculadas pela legislação estadual ou federal, o que, como visto, não há, e
desde que devidamente justificadas em dados técnico-científicos, mesmo que dentro da esfera de discricionariedade da
Administração Pública, que não é absoluta, máxime em se tratando de restrição excepcional de direitos constitucionalmente
garantidos. Por último, não se pode presumir que, abertos e em funcionamento esses estabelecimentos tal qual antes se
encontravam, sem limitação obrigatória de horário ou de clientela a ser atendida, não serão neles adotados os meios disponíveis
e adequados para o combate à pandemia, incluindo medidas para evitar a difusão do vírus COVID 19 (e outros que não deixaram
de existir). Não se está aqui a dar salvo conduto à parte impetrante, que fique bem claro, mas apenas lhe conferindo o direito
líquido e certo de funcionar em seu estabelecimento tal qual antes funcionava, por exercer atividade essencial, de distribuição e
comercialização de combustível, o que se extrai do documentado nos autos, sem as limitações impostas em caráter prévio e
abstrato pelas normas municipais em questão. Eventual abuso ou desrespeito às regras existentes para o combate à difusão do
vírus deve ser averiguado individual e concretamente, caso a caso, situação a situação, dentro do exercício regular do poder de
polícia da Administração Pública, para, então, justificar até mesmo a lacração e o fechamento do estabelecimento, mas por
força do disposto no § 10 do artigo 3º da Lei Federal n. Lei Federal n. 13.979/2020, e não por conta de regra geral e abstrata,
desprovida de eficácia e valia jurídica, que limita horário de funcionamento e/ou a clientela que pode ser atendida. É o suficiente
para o deferimento da medida, impondo-se restabelecer a respectiva redação original do Decreto Municipal n. 28.920/2020, com
o afastamento das regras de limitação baixadas nos decretos municipais posteriores, ns. 28.923/2020 e 28.926/2020. O mais é
questão a ser objeto de exame oportuno, depois do regular contraditório, não se olvidando não caber dilação probatória em
ação mandamental. Ante o exposto, defiro o pedido liminar, para, em face da parte impetrante, afastar as restrições dos Decretos
Municipais ns. 28.923/2020 e 28.926/2020 impostas à sua atividade (‘postos de combustível e derivados’), conferindo-lhe o
direito líquido e certo de funcionamento sem prévia, geral e abstrata de limitação de horário e/ou de clientela impostas por essas
normas, restabelecendo em seu favor a respectiva redação original do Decreto Municipal n. 28.920/2020, em conformidade ao
disposto no Decreto Estadual n. 64.881/2020 e no Decreto Federal n. 10.282/2020. Por consectário, expede-se ordem à
autoridade impetrada, a fim de vedar o fechamento do estabelecimento da parte impetrante ou de impedir seu funcionamento
com base nos Decretos Municipais ns. 28.923/2020 e 28.926/2020, bem como de limitar o horário de atendimento ou a clientela
a ser ali atendida, afastando também qualquer autuação daí originada. A autoridade impetrada deverá adotar e fazer adotar as
providências administrativas necessárias ao cumprimento da ordem, sob as penas da lei. A afastar confusão futura e qualquer
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º