TJSP 06/08/2020 - Pág. 3170 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 6 de agosto de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIII - Edição 3100
3170
encerrando de uma vez por todas a relação contratual. No distrato as partes encerraram a relação contratual. Houve clara
concordância de ambas as partes quanto ao fim do contrato e quitação. Houve assim ajuste expresso quanto a valores e
obrigações, resolvendo as questões pendentes entre as partes. O distrato, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, nada
mais é do que “a declaração de vontade das partes contratantes, no sentido oposto ao que havia gerado o vínculo. É o contrario
consensus dos romanos, gerando o contrato liberatório” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 11ª. Edição
forense, Rio de Janeiro, 2.003, vol.III, p. 151). A mesma vontade que criou o contrato pode atuar em sentido inverso, para
dissolver o vínculo e restituir a liberdade às partes, como expressão da autonomia privada. É a dissolução consensual do
contrato. Efetivamente as partes celebraram o distrato, como negócio liberatório, se acertando sobre os contatos pendentes,
encerrando a relação jurídica contratual, com clara intenção de quitação quanto as pendências, tanto que deliberaram
expressamente sobre quitação. É certo ainda que as partes na mesma data do distrato, celebraram outro contrato, com novas
regras, que não vem ser as mesmas da situação exposta na inicial. Por conseguinte é caso de extinção do contrato por
resolução em razão de inadimplemento, mas sim por resilição, fundada na vontade bilateral das partes. Não se mostra razoável
que o autor concorde em encerrar a relação contratual com a requerida, dispondo sobre o fim dos serviços e concordar em dar
quitação e, ato contínuo, ajuíze ação para rever o mesmo contrato já liquidado. Não parece admissível que o autor celebre o
distrato, emite quitação integral e, ato contínuo, ajuíze ação de revisão e indenização pleiteando danos materiais e morais como
se a extinção do contrato tivesse ocorrido por descumprimento, e não por consenso. Muito embora a liberdade de contratar
seja relativizada pelo princípio da função social do contrato, nos moldes do artigo 421 do Código Civil, pelo mínimo de certeza e
segurança jurídica que devem animar o ato jurídico, continua em vigor o princípio pelo qual o contrato rege a relação de direito
material entre as partes. Consoante o artigo 849 do Código Civil, a transação produz os mesmos efeitos da coisa julgada e do
ato jurídico perfeito, somente anulável por algum dos vícios do negócio jurídico. Assim, o principal efeito da transação se
traduz na imutabilidade do quanto disposto pelos distratantes e na impossibilidade de se discutir novamente tais disposições.
Se assim é, o requerente não mais é dado questionar os termos do contrato original, por extinto, muito menos o valor do distrato,
diante da clara quitação que se deram os litigantes. Assim, cumpre observar que o negócio jurídico celebrado entre as partes
já foi rescindido, pois, nos termos do art. 840 do Código Civil, o distrato representa transação de direitos, pondo fim a qualquer
discussão que poderia advir do anterior contrato de prestação de serviços. Em outras palavras, distrato firmado representa
novo negócio jurídico, que somente pode ser anulado por “dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa”,
sendo certo que “A transação não se anula por erro de direito a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as
partes”, nos termos do art. 849 do Código Civil. Inexistente a hipótese de anulação, não há que se falar em indenização ou
reajuste de preços de situação já sacramentada e extinta. O simples arrependimento do autor quanto aos termos firmados no
distrato não basta para se lhe reconhecer a nulidade, pois não alegou e nem juntou provas de que a requerida tenha agido com
má-fé ou com dolo, de forma a praticar indução indevida e, consequentemente, macular sua validade e eficácia. Deste modo,
não há como acolher o pleito inaugural, vez que o autor lançou expressa e validamente sua vontade em distratar amigavelmente
o contrato com a requerida. O distrato resolveu as questões pendentes entre as partes, encerrando os contratos. Cumpre
destacar ainda mais que o distrato se fez pela mesma forma exigida para o contrato (art. 472 do CC). Isso significa que a
resilição bilateral nada mais é que um novo contrato, cujo teor é, simultaneamente, igual e oposto ao contrato primitivo. Assim,
o fato do distrato pressupor um contrato anterior não desqualifica sua natureza contratual relativamente autônoma, cuja
característica principal é a convergência de vontades destinada à extinção do vínculo obrigacional estabelecido pelo contrato.
O autor minimiza o fato jurídico verdadeiramente relevante para a solução da controvérsia, ou seja, a celebração do distrato,
ressuscitando indevidamente o contexto obrigacional de contrato já extinto do mundo jurídico. É fato, por outro lado, que, como
qualquer outro contrato, fica o distrato sujeito às normas que regulam a liberdade contratual, de tal arte que todos os mecanismos
que visam assegurar a integridade da manifestação de vontade das partes e o equilíbrio econômico contratual hão de aplicar-se
também ao distrato. Deste modo, patente a ausência de condição de ação para o ajuizamento da presente demanda, pois o
autor não tem interesse processual para o ajuizamento da ação visando diferenças de contratos já findos, ou ainda ao
recebimento de parcela ou indenização a qualquer título. Somente se desconstituído o referido instrumento e se existentes
vícios que pudessem determinar sua anulação haveria possibilidade de se apreciar eventual lesão de direitos da autora. Mas na
inicial o autor nem mesmo mencionou a existência do distrato, postulando a revisão do contrato já findo e indenização que já se
encontram superados pelo distrato e no qual constou quitação geral das obrigações decorrentes do contrato de prestação de
serviços, sendo indiscutível sua falta de interesse processual. O distrato firmado entre as partes impede a reabertura de
discussão acerca do objeto do contrato original enquanto não anulado o ato, vedando qualquer pretensão que se distancie dos
seus termos. Neste sentido: “Apelação Cível. Ação de cobrança de valores devidos em decorrência de multa rescisória de
contrato de prestação de serviços. Representação de atleta. Distrato com quitação expressa sem qualquer ressalva ou alegação
de vício de consentimento. Apelo desprovido”. (Apelação cível n. 9174186-39.2006.8.26.0000, Rel. Des. Morais Pucci)
“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Programa de proteção automotiva Roubo de veículo Negativa de pagamento de indenização
Apelação do autor Cumprimento do contrato e perdas e danos Inadmissibilidade Distrato celebrado entre as partes Quitação
ampla, geral e irrestrita de direitos e obrigações Falta de interesse de agir Carência da ação Mantida a extinção do processo,
sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil - Recurso não provido” (Apelação nº
0013238-14.2013.8.26.0008, 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, julg, 16 de setembro de 2015,
Rel. Antonio Tadeu Ottoni). “RESTITUIÇÃO DE VALORES c.c. INDENIZAÇÃO DISTRATO - Compra e venda de imóvel e
posterior distrato Alegação de abusividade da cláusula que determina a devolução dos valores desembolsados Insurgência
contra o montante da retenção por parte da vendedora Ressarcimento dos valores gastos com aluguel de outro imóvel
Prevalência do instrumento de distrato que estipulou quitação plena, rasa e irrevogável Impossibilidade de discussão da relação
jurídica originária, pena de privilegiar a insegurança jurídica Inteligência do art.472 do CC - Sentença de improcedência mantida
Apelo não provido”. (Apelação nº 0024015-46.2004.8.26.0114, 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São
Paulo, julg. 12 de fevereiro de 2014, Rel. FÁBIO PODESTÁ). Em conclusão, lícito e legítimo o distrato feito entre as partes, de
rigor o prevalecimento de todos os seus termos, desmerecendo acolhida a pretensão indenizatória deduzida pelo autor. Desta
forma, a assinatura do distrato representou ato voluntário do autor, motivo pelo qual deve ser respeitado, pois não abusivo ou
nulo. Nesse sentido, já se decidiu: “RESTITUIÇÃO DE VALORES - Compra e venda de imóvel e, posterior distrato Alegação de
abusividade da cláusula que determina a devolução dos valores desembolsados Insurgência contra o montante da retenção por
parte da vendedora Sentença de parcial procedência Condenação da ré ao pagamento do valor convencionado no distrato, com
a restituição imediata, acrescida de correção monetária e juros. APELO DA AUTORA - Ventila nulidade do distrato Pretensão de
devolução integral da quantia relativa às prestações adimplidas, com desconto apenas das taxas descritas nos itens “a”, “b” e
“c”, do parágrafo terceiro, da cláusula 3ª, do compromisso de compra e venda Invoca enriquecimento sem causa da vendedora
- Sustenta vício de consentimento Inadmissibilidade Inexistência de indícios de vício de manifestação de vontade no ato do
distrato - Prevalência do distrato “Pacta Sunt Servanda” Manutenção da sentença pelos seus próprios fundamentos - Aplicação
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