TJSP 10/09/2020 - Pág. 1036 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 10 de setembro de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XIII - Edição 3124
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preço total de R$ 57.083,48. O autor narra que não tem mais interesse na aquisição da unidade autônoma objeto da lide e
pleiteia a rescisão contratual com devolução no montante de 90% do total dos valores pagos (afirma pagamento da quantia de
R$ 29.111,90), conforme estipulado em contrato. Em sede de antecipação de tutela, pleiteia a suspensão de exigibilidade de
valores atinentes ao contrato objeto da lide, bem como abstenção de inclusão de seu nome em órgãos de proteção ao crédito.
Inicial com documentos (fls. 01/55). Foi concedida antecipação de tutela pleiteada, conforme decisão de fls. 58/59. A ré foi
citada e apresentou resposta na forma de contestação (fls. 63/134). Faz considerações sobre o ato jurídico perfeito e sobre a
força obrigatória dos contratos. Rechaçou a ocorrência de qualquer vício de vontade e discorreu sobre o percentual de retenção
e verbas que incluem a base de cálculo. Alega a existência de arras, no importe de R$ 2.900,00, cuja quantia defende que seja
revertida para compensação indenizatória. Defende dedução com despesas de corretagem. Requer a improcedência da
demanda. Houve réplica (fls. 142/145). Instadas a se manifestarem acerca do interesse na produção de provas, o autor pleiteou
julgamento antecipado do feito (fls. 148/149), ao passo que a ré pleiteou produção de prova pericial e oral (fls. 150/154). É O
RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. 1. Matéria passível de julgamento antecipado, sendo desnecessária dilação probatória,
nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Os documentos juntados aos autos bastam para a prolação de
sentença. A fim de se afastar eventuais embargos declaratórios, acrescente-se que a produção de prova pericial e oral requerida
em nada acrescentaria para o desfecho da ação, até porque o juiz é o destinatário da prova, cabendo a este decidir pela
necessidade ou não de dilação probatória. Logo, não há que se falar em cerceamento de defesa se a prova que se pretenda
produzir for desnecessária (ARRUDA ALVIM et al. Comentários ao Código de Processo Civil cit., p. 647). 2. O pedido é
procedente. O pedido de restituição de valores e de rescisão contratual é possível, apresenta fundamento razoável para a
propositura da presente ação e está de acordo com as regras processuais e compatível com o presente feito. Tanto isso é
verdade que a súmula nº 01 do Tribunal de Justiça de São Paulo prevê que “O Compromissário comprador de imóvel, mesmo
inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de
administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de
ocupação do bem.” A parte autora postula a devolução de 90% da totalidade dos valores pagos. A ré, por sua vez, não se opõe
à rescisão contratual. Controvertem as partes em relação ao percentual efetivamente descontado em caso de distrato, bem
como no que diz respeito à legitimidade da retenção do arras, bem como da cobrança da comissão de corretagem. Quanto à
rescisão contratual pretendida, no caso vertente o autor celebrou contrato com o propósito de adquirir apartamento construído
pela ré. Aceitou, por conseguinte, as disposições contratuais impostas pela ré sobre o preço, o pagamento e a forma de extinção
do negócio jurídico, submetendo-se a nítida situação de vulnerabilidade. O princípio da força vinculante dos contratos tem
fundamento na ideia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele
não se podem desligar senão por outra avença. O contrato constitui-se, portanto, em lei privada entre as partes, com força
vinculante equivalente ao preceito legislativo. Dispõe de sanção consubstanciada na possibilidade legalmente amparada de
execução patrimonial do devedor. Pois bem. No caso em comento os autores tiveram pleno conhecimento dos termos do contrato
e optaram livre e conscientemente em formulá-lo, inclusive no que diz respeito ao preço e às condições de pagamento do
imóvel. É sabido que o inciso IV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor considera a nulidade de pleno direito das
cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada,
ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade. O mencionado dispositivo reflete o princípio da boa fé que sempre foi
reconhecido como aplicável aos contratos em geral, até mesmo àqueles não alcançados pelo Código de Defesa do Consumidor.
Deflui de imposição ética inerente ao direito contratual, que veda às partes o emprego de astúcia e deslealdade, tanto na
manifestação de vontade quanto na interpretação e execução do contrato. Sucede que a intervenção judicial para considerar
abusiva determinada cláusula demanda interpretação cautelosa que não descaracterize por completo o contrato formulado nem
gere insegurança jurídica aos sujeitos do negócio jurídico. Concordamos com o jurista ORLANDO GOMES, para quem negar
força obrigatória às cláusulas impressas é, de todo em todo, condenável até porque não deve o juiz esquecer que certas
cláusulas rigorosas são necessárias à consecução dos fins perseguidos pelos contratos de adesão em série. In casu, as
cláusulas contratuais que enredam as partes não impõem obrigações abusivas ou de onerosidade excessiva em relação ao
percentual de devolução do pagamento. Em relação ao percentual de retenção dos valores pagos no curso do contrato não há
controvérsia, vez que há expressa previsão contratual nesse sentido. O contrato mencionado prevê na cláusula sétima, parágrafo
segundo, que no caso derescisãocontratual por culpa do adquirente: Rescindido o contrato por inadimplência ou culpa do
PROMITENTE COMPRADOR fará jus às importâncias que pagou, atualizadas que serão devolvidas na mesma quantidade das
parcelas pagas, deduzida da importância equivalente a 10% (dez por cento) incidente sobre o valor a ser restituído a título de
pré-fixação das perdas e danos (CC art. 410) independentemente de comprovação das mesmas; e também o sinal de negócio
(Arras) já consignado na Proposta de Compra e Venda na forma prevista do art. 418 do Código Civil, a fim de cobrir custos de
comercialização, publicidade tributos, comissões de vendedores e outros custos assumidos pela PROMITENTE VENDEDORA
(fls. 16/17). Denota-se, inclusive que tal percentual tem sido considerado adequado pela jurisprudência, conforme entendimento
consagrado pelo STJ: “A jurisprudência desta Corte tem considerado razoável, em resolução de contrato de compra e venda de
imóvel por culpa do comprador, que o percentual de retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas, seja arbitrado
entre 10% e 25%, conforme as circunstâncias de cada caso, avaliando-se os prejuízos suportados.” (AgInt no AREsp n. 725.986/
RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, j. em 20/6/2017). Assim, o autor faz jus àrescisãodo contrato, bem como
àdevoluçãode 90% das quantias pagas. Percentual este que deverá prevalecer, uma vez que não se revela abusivo a incidindose sobre os valores pagos, a título de perdas e danos, pois o distrato solicitado pelo autor inegavelmente gerou prejuízo ao
vendedor, que merece ressarcimento. No caso da presente demanda, o percentual referido consubstancia retenção razoável
que não implica enriquecimento injustificado da ré. Com relação ao montante a ser devolvido cabem algumas considerações.
Restou demonstrado que R$ 26.211,90 (vinte e seis mil, duzentos e onze reais e noventa centavos) mais a quantia de R$
2.900,00 dos arras, os quais foram pagos a fim de quitar o imóvel, conforme se depreende dos documentos de fls. 25 e 26/27.
Em que pese a alegação da ré de que tem direito a reter o sinal e a comissão de corretagem, tais pretensões não prosperam. O
sinal possui natureza confirmatória e o seu valor deve integrar o cálculo das quantias que devem ser devolvidas. Nesse sentido:
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO POR CULPA DOS ADQUIRENTES. Ação ajuizada pelos adquirentes em face das
vendedoras visando a rescisão do compromisso de compra e venda e a restituição de valores pagos. Sentença de parcial
procedência. Apelos de ambas as partes. 1. Culpa pela rescisão do contrato que não pode ser imputada às vendedoras. Habitese que foi expedido dentro do prazo previsto no contrato, deixando os adquirentes de quitar a parcela do saldo do preço.
Correção monetária e juros de mora pelo inadimplemento que estavam expressos no pacto. Adquirentes que perderam o
interesse na manutenção do negócio e devem responder pelas consequência da rescisão. 2. O compromissário comprador de
imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com
gastos próprios de administração e propaganda feitos pela compromissária vendedora. Súmulas nº 1 e 2 do E. TJ/SP. Retenção
de parte das quantias pagas, para compensação de gastos. Ausência de comprovação de custos excepcionais. Percentual de
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